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A Esfera Celeste

descrição e sistemas de coordenadas | a eclíptica e o zodíaco | ascensões e descensões | os climas | o ângulo horário | a equação do tempo | GMT/ UT/ UTC | períodos planetários | medição da longitude de uma estrela | "sozein ta phainomena" | a esfera armilar | o sextante | o globo terrestre

Painel da sala da "Aula de Esfera" do Colégio de Santo Antão
Um dos painéis de azulejo da sala da Aula de Esfera do Colégio de Santo Antão (classe que funcionou ininterruptamente entre 1590 e 1759), espaço hoje incorporado no Hospital de S. José, em Lisboa (foto: AZlab)


- Definições e Conceitos (fonte: Curso de Astronomia de Posição - PUCRS)
- O Astrolábio: (engenhosa planificação da Esfera)
- Algumas Noções Elementares de Astronomia (E. Veloso, Associação de Professores de Matemática, "Descobrimentos, Astronomia e Educação Matemática", nº1, 1991; .PDF, 3.18MB)

Esfera Armilar - Mallet 1683
Um epítome do Universo geocêntrico. Gravura representando uma esfera armilar na Description de L'Univers de Allain Manesson Mallet; Paris: Denys Thierry, 1683 (Tome Premier, Figure II) [clicar para ampliar]


Esfera armilar "Santucci" (detalhe)

Esfera armilar "Santucci" (detalhe). Construída entre 1588 e 1593, esta esfera de grandes dimensões e profusamente decorada foi encomendada por Ferdinando I de' Medici (Grão-Duque da Toscânia), dela ficando encarregado Antonio Santucci. Representa a "Máquina do Universo" segundo o modelo ptolomaico. Museo Galileo, Florença (Inv. 714)


"O céu é esférico e move-se esfericamente" (Almagesto, I, 2). Esta é a premissa fundamental da astronomia Grega. Embora esta perspectiva se fundasse, por vezes, em especulações de natureza filosófica ou mesmo mística, era também sugerida pela observação do céu. James Evans (The History and Practice of Ancient Astronomy, Oxford University Press, 1998, p.75), afirma que para um observador mais inocente, o céu parece uma abóbada. Os antigos Egípcios representavam-no por um hieróglifo que parecia sugerir um edifício estilizado, com um texto extenso e baixo. Contudo, embora as estrelas em si mesmas não nos forneçam pistas relativamente à morfologia do céu, os seus movimentos sugerem, de facto, que se trata de uma esfera: uma esfera enorme mas não infinita, o maggior corpo de Dante (Paradiso, 30.39). As estrelas deslocam-se em círculos paralelos, ascendem no oriente, culminam e descem no ponto oposto. Ainda mais sugestivo é o movimento das estrelas circumpolares, descrevendo os seus círculos em torno de um ponto específico.

Porquê a opção sexagésimal na divisão? Manoel de Figueiredo (Chronographia: Reportorio dos tempos..., 1603, fól 43v.) faz uma curiosa exposição geométrica: "Este circolo da equinocial dividiram os mathematicos em 360. partes iguais, as quais chamaram graos, o que nasceu de hua rezam natural, & mathematica, & he que qualquer circulo que se descreve [i.e. desenha] em plano tem seis compassos [medida da amplitude, será o raio da circunferência] daquelle com que se descreve, & cada sexta parte daquellas a dividiram em outro numero semelhante [i.e. 6], o qual se dividice, em mais proporções & partes que outro algum. E este foi o numero de 60. porque nenhum ha ate 100 que se divida em mais [números] inteiros que elle." (fól. 43v.). Note-se que remete para a construção do hexágono regular. Cada uma das sextas partes ulteriormente dividida em 6 partes iguais, 6x6=36, submúltiplo de 360. 60 é o mais pequeno número simultaneamente múltiplo de 2, 3, 4, 5, 6. (sistemas duodecimais são diferentes dos de base 10, sugeridos pelos dedos das mão, cujos factores principais são 2 e 5). A utilização de um sistema sexagesimal, bastante acessível (facilmente divisível) para cálculos com fracções, poderá ter tido origem na estimativa do número de dias de um ano. É utilizado pelos povos da antiga Mesopotâmia, desde o tempo dos Sumérios. (v. pág. História)

A Sphaerica, a teoria da esfera (Lat. sphaera; "sphaira", translit. do Grego σφαίρα) e dos seus círculos, aplicava-se particularmente à Astronomia e à descrição do céu e dos fenómenos resultantes da sua rotação diária, nomeadamente os nascimentos e ocasos das estrelas. Uma ferramenta utilizada ao longo dos muitos séculos desde a sua origem grega. Segundo A. Pannekoek, "...Era parte da Geometria, a ciência das linhas e ângulos, círculos e outras figuras, suas relações e propriedades, doutrina teorética estudada e cultivada pela sua beleza intrínseca" (A History of Astronomy, Dover Publications, 1989 (1961), p.159 [trad. nossa]). Um "monumento" às verdades abstractas: " If we call Greek astronomy the oldest, indeed the only real, natural science of antiquity, we must add that it was geometry materialized; the only field, truly, where geometry could materialize." (ibid.). A esfera enquanto instrumento constitui o expediente técnico mais óbvio: a alcora, do Ar. "der-alcorçi" segundo os Libros del Saber... editados por M. Rico y Sinobas em 1863-7). a "esfera del trono de las estrellas", i.e. o globo celeste. Reduzida à sua estrutura fundamental resulta na armilar, as armilas ("er-alhalac", segundo a mesma fonte).

Como Leïla Haddad resumiu: "Filha da observação, mãe da Astronomia e ironia da Hitória, a Esfera das estrelas fixas tornou-se doravante um truque de astrónomo, construção teorética na qual devemos ter o cuidado em não acreditar, mas que nada nos impede de testemunhar." (in: Leïla Haddad & Alain Cirou: Clés de voûte, savoir l'astronomie, Voir le Ciel, Éditions du Seuil/Association française d'Astronomie, 2001 [trad. nossa]).

Sphaera - esfericidade (ed. Ratdolt)
Demonstração da esfericidade (
Sphaera Mundi, Veneza, ed. Erhard Ratdolt, 1485)


A ideia de um Universo esférico pode ser atribuída a filósofos dos séculos VI e V a.C., como Pitágoras ou Parménides. Mas o primeiro que manifesta um entendimento claro e completo da Esfera Celeste é Eudoxus (
Εὔδοξος, c. 370 a.C.), Como Elly Dekker resume (Illustrating the Phaenomena: Celestial Cartography in Antiquity and the Middle Ages, Oxford University Press, 2013), desde o séc. IV a.C. que a esfera ["artificial" ou "matemática" como mais tarde se dirá] constitui a base para o entendimento dos fenómenos celestes observáveis. Os primeiros tratados acerca das propriedades e movimentos da esfera recuam a Autolycus (c. 330 a.C.), Euclides (c. 300 a.C.) e Theodosius (c. 100 a.C.), demonstram como o conceito pode explicar os padrões variáveis dos nascimentos e ocasos ou a variação da duração dos dias e das noites (p.5). As medições precisas parecem recuar à época de Timocharis (Τιμόχαρις, primeira metade do séc. III a.C.) e Aristilo (Ἀρίστυλλος, c. 270 a.C.), como provado pela informação disponível acerca das declinações estelares (ibid., p.10). O desafio matemático da esfera tornar-se-á evidente: na superfície de uma esfera trabalha-se com senos, cordas e raios, não com linhas rectas.


Entretanto, alguns relatos "extravagantes" ou poéticos perpetuavam dúvidas ou curiosidades respaldadas em perspectivas arcaicas, como J. L. E. Dreyer (A History of Astronomy from Thales to Kepler, reimpr. Dover, 1953 (1905), p.172) escreveu [trad. nossa]: "...não nos devemos surpreender que um escritor crédulo como Ctésias [médico e historiador natural de Cnido radicado na corte do rei Persa Artaxerxes II, autor de uma "Indica" e de uma "Persica", a primeira exclusivamente baseada em relatos indirectos], no início do século IV [a.C.] pudesse reportar que a partir de certas montanhas na Índia o Sol se via dez vezes maior do que na Grécia, ou que Posidónio condescendesse em refutar a ideia popular entre os habitantes das costas atlânticas de que o Sol se punha no oceano com um barulho sibilante, bem como o testemunho de Artemidoro de Éfeso [um adivinho do séc. II a.C.] de que em Gades [Cádiz] o Sol, no seu ocaso, parecia ter cem vezes o tamanho habitual [referência em Estrabão (Geōgraphiká, III, 1, 5 (pp.8-11 no 2º vol. (Books 3-5) da edição Loeb, 2006 (1923)]. Também não é estranho que o poeta Lucano faça o Atlântico ao largo da costa ocidental da Líbia [i.e. África] ser aquecido pela descida do Sol, enquanto as nuvens empurradas pelos ventos de leste através da Espanha [i.e. Península Ibérica] são travadas pela abóbada sólida do céu. Mesmo Virgílio [P. Vergilius Maro], quando descreve o curso do Sol através do Zodíaco, tem dúvidas se no outro hemisfério o silêncio da noite reina para sempre e a escuridão se adensa sob o manto da noite, ou se a Aurora vem até nós de lá ao mesmo tempo em que a luz avermelhada vespertina acende ali os seus últimos fogos." [Georg. I, linhas 247-251: Illic, ut perhibent, aut intempesta silet nox, semper et obtenta densentur nocte tenebrae, aut redit a nobis Aurora diemque reducit; nosque ubi primus equis Oriens adflavit anhelis, illic, sera rubens accendit lumina Vesper].


Quando se aborda o quadro de referência científico entretanto adoptado, deparamo-nos, historicamente, com o problema das convenções utilizadas para o início dos signos, fundamental quando se utiliza um sistema de coordenadas (e o mais antigo é justamente o Eclíptico). E como saber se os autores se referiam a "signos" ou às constelações aparentes, as estrelas observadas? Para Geminus (séc. I a.C.): "Não há qualquer diferença entre os Gregos e os Caldeus [i.e. povos da Mesopotâmia] excepto na divisão dos signos, uma vez que o primeiro ponto dos signos não se sujeita à mesma regra para eles: entre os Caldeus, eles precedem por 8 graus." (Aujac, G., Introduction aux Phénomènes, 1975), I.9, p.3 [trad. nossa]). Segundo Dekker (Op. cit., pp.15-9), que seguimos neste percurso acidentado, o primeiro astrónomo a comentar e utilizar inequivocamente "Ari 0º" (i.e. o ponto vernal no início de Aries) foi Hiparco (
Hipparkhos, c.190-c.120 a.C), que nos informou de que era uma prática dos 'antigos' (referindo-se provavelmente a Euctemon, c. 430 a.C., e Callipus, c. 330 a.C., que se supõe terem colocado os pontos pivotais, equinócios e solstícios, no início dos respectivos signos nos seus 'parapegma', calendários nos quais os dias eram contados de acordo com o movimento do Sol (pofemos considerá-los "antepassados" dos almanaques).

Aries - diferentes convenções (Dekker)
O primeiro ponto de Aries - três convenções para a época de 128 a.C. (Dekker, 2013, Scheme 1.4, p.16)

O mesmo sistema (Ari 0º) será utilizado por Ptolomeu e deste ganhará autoridade. É a única convenção significativa em termos de cartografia celeste. Quanto à variante Ari 8º, Neugebauer sugeriu que estaria relacionada com a prática Babilónica do cálculo de efemérides lunares (i.e. com expedientes da teoria lunar babilónica), a que chamou 'System B' (Neugebauer, A History of Ancient Mathematical Astronomy (abrev. HAMA), 1975, pp. 368, 594–6). Independentemente da origem, a convenção Ari 8º será popular entre autores Romanos (e.g., Vitruvius, Varro (Varrão), Hyginus, Plinius, Martianus Capella), perpetuando-se pela sua influência ao longo da Idade Média. Demais, são referidos diversos pontos para o início do Verão (solstício de Verão): Cnc (i.e. Cancer) 0°, Cnc 8°, Cnc 12°, ou Cnc 15°. Para a versão "Cnc 12º" nunca foi encontrada qualquer explicação, especulando-se que talvez recuasse a um qualquer ponto mediano nos meses lunares esquemáticos (convencionais) Babilónicos. Quanto ao 15º (ponto intermédio do signo), Hiparco argumentou que fora utilizado por Eudoxus na colocação de equinóxios e solstícios, não se apercebendo que o seu antecessor os colocava no meio das constelações (i.e. das estrelas aparentes, observáveis) e não dos signos (que resultam de uma divisão convencional da Eclíptica que Eudoxus, tudo indica, nem sequer utilizava).

Descrição da Esfera, Joan de Figueroa

Descrição da Esfera no Opusculo de Astrologia en medecina, y de los terminos y partes de la Astronomia necessarias para el uso della..., de Juan de Figueroa, 1660. O autor refere a "esfera substancial", dividida em 10 "céus" (ou 11, com o undécimo "Empíreo" teológico) e a "esfera acidental" ou local (i.e. localização geográfica concreta). dividida em duas partes pelo Horizonte. Explica a diferença entre os lugares que se situam no "horizonte recto" (geograficamente situados no Equador Terrestre, com ambos os pólos da esfera situados sobre a linha de horizonte e onde o Equador Celeste faz ângulos rectos com o horizonte) e os restantes, que se situam  na chamada "esfera oblíqua" (um dos pólos está sempre sobre o horizonte, outro sempre abaixo, e o Equador Celeste faz com o horizonte ângulos que não são rectos: um é agudo e outro obtuso). Refere-se obviamente aos ângulos segundo os quais o Equador Celeste "corta" a linha de horizonte nas latitudes para norte e sul do Equador. "Esfera recta" (debaixo da Equinocial, onde esta intersecta perpendicularmente o horizonte) e "esfera oblíqua" (qualquer outra latitude geográfica) são, segundo Olaf Pedersen, termos provavelmente provenientes da utilização dos globos desde a Antiguidade. Determinam a ponderação dos tempos ascensionais segundo "ascensões rectas" ou "ascensões oblíquas", respectivamente (v. infra). O texto elenca, seguidamente, os 10 círculos que se imaginam no  côncavo e no convexo da Esfera: 6 grandes círculos ("magnos": a "Equinocial", i.e. Equador, o "Zodíaco", i.e. a Eclíptica, os Coluros Solsticial e Equinocial [texto apresenta lapso], o Meridiano e o Horizonte) e 4 menores (os Trópicos e os círculos Árctico e Antárctico). Adiante refere a obliquidade da Eclíptica e como na "esfera oblíqua" este círculo constitui medida do movimento dos planetas e do orto (nascimento, Lat. ortus) e ocaso (occasus) das estrelas fixas, sendo os diferentes ângulos causa da "inequalidad" dos dias e das noites, da mudança dos tempos e da irregularidade do orto e do ocaso dos Signos.


Horizontes
Os "Horizontes" nas esferas recta, oblíqua e paralela (Nicolas Bion, L'usage des globes celestes et terrestres, et des spheres, suivant les differens systemes du monde; précedé d'un Traité de cosmographie, 1700)


Segundo Douglas A. Kidd (ed., trans.), Aratus: Phaenomena, Cambridge Classical Texts and Commentaries, Cambridge University Press, 1997, p.348): "It may well have been Eudoxus who introduced these circles into the geometry of the celestial sphere, though the equator and the ecliptic are implied in Plato’s Timaeus myth as the circles of the Same and the Different (36c). All four are described by Autolycus (late fourth century) in his De Sphaera quae mouetur (cf. J.-P. Brunet, AAC* 73-82) and by Euclid in his Phaenomena (cf. P. Chiron, AAC 83—9)". Nos autores "pioneiros", mais antigos, a própria Via Láctea é incluída como um dos "círculos".
 
* AAC: L’astronomie dans I’antiquite classique, Actes du Colloque tenu a l’Universite de Toulouse le Mirail 21-23 octobre 1977 (Paris 1979)


A Via Láctea


Em Grego: γαλαξίας κύκλος, translit. galaxías kúklos, o "círculo leitoso (ou lácteo)". Era um dos onze círculos que os antigos gregos identificavam no céu: o zodíaco, o meridiano, o horizonte, o equador, os trópicos de Capricórnio e Câncer, os círculos Árctico e Antárctico os dois coluros. (Condos, T., Star Myths of the Greeks and Romans..., Phanes Press, 1997, p.110). Em Árabe, é traduzida como al-falak al-labani ou al-da'ira al-labaniyya mas era nessa cultura originalmente chamada al-Madjarra, que parece significar um "sítio ou caminho onde algo era puxado ou arrastado", segundo Paul Kunitzsch. No Próximo Oriente o fenómeno astronómico era  associado a palha ou joio.
Noutras culturas foi um rio, foi o caminho das almas, etc. Nos Libros del saber... lê-se: "...et llámanla en griego galaxia, et en latin via noctea, que quier dezir la carrera de la noche." (edição Rico y Sinobas, Tomo I, p.43). Também aí se refere o "Caminho de Santiago". Na China Antiga, era o "Rio Celestial" ou "Argênteo" (prateado).

Aristóletels ensinou que se tratava uma "exalação vaporosa" no ar, um fenómeno que pertencia ao mundo sublunar. Outros, como Demócrito e comentadores como Olimpiodoro acreditavam que era um fenómeno longínquo, na esfera das estrelas. Entre os árabes, encontramos deduções interessantes como as de Ibn al-Haytharn (m. circa 432 AH/ 1041 AD) que considerou, correctamente, que se tratava de fenómeno estelar e distante. Também Al-Biruni, no seu Cânone Masúdico (al-Kãnun al-Mas'udi, c.1030 AD) argumentou que não se observa qualquer interferência quando a Lua e os planetas passam nessas regiões do céu, o que decerto aconteceria se se tratasse de fenómeno sublunar como os aristotélicos defendiam. Acrescentou que "al-madjarra" partilhava das peculiaridades das estrelas (como descritas por Ptolomeu), a saber: encontram-se na mesma esfera e guardam invariavelmente as mesmas distâncias e relações entre si.



Descrição...

Deixemo-nos guiar pelas aparências e imaginemos que o nosso planeta é rodeado por uma abóbada esférica que gira à nossa volta, de Leste para Oeste, no intervalo de um dia, tendo como eixo de rotação uma recta imaginária que é o prolongamento do eixo do nosso planeta. As estrelas não estão espalhadas pelo céu, antes equidistantes e fixadas nessa esfera.

Toda a astronomia até ao final do séc. XVI se baseava na observação a olho nu, facto muitas vezes subestimado. As dificuldades na observação e na obtenção de resultados precisos teria de ser compensada com empenho, observações assíduas e prática na estimativa da amplitude das mudanças das posições dos corpos celestes e o acesso a observações similares registadas ao longo de um período tão extenso quanto possível. Estas seriam condições determinantes para a obtenção de resultados significativos. Tempo e persistência. Recorreu-se à sombra do gnómon ("ponteiro"), o mais simples dos instrumentos (um apontador vertical sobre uma base), mais tarde globos com os círculos principais da esfera, um qualquer instrumento de pontaria para efectuar, entre outras, medições de alturas. Não é improvável que nas medições angulares se recorresse, a princípio, às mãos e dedos com o braço estendido, bem como à sombra de uma pessoa. Depois, a soluções igualmente simples mas mais engenhosas, do antigo merkhet Egípcio com o seu prumo aos quadrantes, armilas e balestilhas utilizados até há alguns séculos. E tudo isto naturalmente num contexto geocêntrico, o dos fenómenos ou aparências, com a Terra estacionária e o céu numa regular rotação diurna. Depois temos outros ritmos relacionados com os luminares, o Sol e a Lua, que definem os padrões fundamentais e as medidas do tempo: o dia, o mês, o ano das estações... são as regularidades fundamentais.

 
Todas as estrelas partilham um movimento contínuo e uniforme na direcção este-oeste; enquanto algumas percorrem órbitas amplas e estão visíveis durante grande parte da noite antes de mergulharem no horizonte oeste, outras fazem um percurso menor e estão visíveis menos tempo. Outras, entretanto, estão sempre visíveis, circulando em torno do pólo. Por fim, estrelas diferentes estão proeminentes em diferentes épocas do ano, voltando ao mesmo sítio em anos sucessivos. 
 
Os nascimentos e ocasos observáveis das estrelas podem ser assim definidos (D. R. Dicks, Early Greek Astronomy to Aristotle, Cornell University Press, 1970. p.13 [trad. nossa]):
 
- Nascimento helíaco ou heliacal (nascimento matinal observável): primeira visibilidade no horizonte leste antes do nascer do Sol. A estrela está suficientemente avançada em relação ao Sol para se poder observar e, em dias sucessivos, o seu período de visibilidade aumenta.

- Nascimento acrónico (Lat. ortus vespertinus, o nascimento vespertino observável): última visibilidade da estrela que nasce logo após o pôr-do-Sol. Em noites sucessivas, a estrela nasce no horizonte leste enquanto ainda há demasiado brilho solar; torna-se observável apenas mais tarde durante a noite.

- Ocaso cósmico (ocaso matinal observável): a primeira vez em que observamos a estrela no poente mesmo antes do nascer do Sol. Nas noites anteriores, a estrela ainda não alcançou o horizonte oeste antes do nascer do Sol; está observável durante a noite. 

- Ocaso helíaco (ocaso vespertino observável): último ocaso observável antes do nascer do Sol. Nas noites sequentes, a estrela terá chegado ao horizonte oeste enquanto ainda há demasiado brilho solar. Estrela estará acima do horizonte durante o dia.
 
No intervalo entre o ocaso helíaco (ou heliacal) e o sequente nascimento helíaco, a estrela permanece invisível durante a noite. Ao longo de outros períodos, a estrela pode estar observável dependendo da época do ano, da sua posição em relação ao Sol e da latitude do observador (do seu horizonte particular). A Precessão dos Equinócios (fenómeno descoberto por Hiparco) determina que, ao longo dos séculos, as estrelas observáveis numa determinada época do ano se alterem. É o deslizar gradual do ponto Vernal através das constelações ou o inverso, se preferirmos a perspectiva medieval.

Precessão
Efeitos da Precessão e "percurso" do pólo norte celeste, descartando o muito menor efeito de nutação (causado por alterações cíclicas na órbita lunar, que faz com que a orientação do eixo da Terra tenha um percurso legeiramente oscilante, não exactamente circular). O ciclo precessional demora cerca de 25800 anos. Há quase 5000 anos, para os construtores Egípcios do Império Antigo, o pólo estava próximo da estrela que conhecemos como Thuban (α Draconis na designação de Bayer). A arqueologia encontra vestígios na orientação de detalhes arquitectónicos em estruturas dessa época recuada, atendendo à importância simbólica atribuída a essa região pivotal do céu e às estrelas "que não pereciam" (i.e. circumpolares). Esquema recolhido da excelente Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas (2ª ed.) de Máximo Ferreira e Guilherme de Almeida (Plátano, Edições Técnicas, 1995, p.132)


Quase coincidente com o pólo norte da Esfera temos (actualmente) a chamada "Estrela Polar" (Alpha Ursae Minoris), na constelação que os nossos antigos marinheiros conheciam como "a busina". Todavia, devido aos efeitos da mencionada precessão, na época de Hiparco (c. 150 a.C.) estava afastada 12º 24' do pólo ("twelve and two-fifths degrees", no texto da edição de E. L. Stevenson de 1932, reimpr. Dover Publications, 1991, p.30), como o próprio nos informa por intermédio de Ptolomeu (Geogr. I. 7,4); há quinhentos anos, aquando da nossa expansão marítima, ainda estava afastada do pólo cerca de 3.5º, daí a necessidade do "regimento" (chamado "do Norte" ou "da Polar"), conjunto de regras que permitia, em função da posição da estrela no círculo diurno, aplicar uma correcção e determinar o norte verdadeiro em função da configuração dessa "estrela do norte" com as que estavam nas imediações). Hoje, Polaris está apenas a cerca de 1º do pólo e o valor da sua elevação (
medida com um qualquer instrumento de alturas) permite conhecer a latitude geográfica quase de imediato com razoável aproximação.

Pólo Norte da Esfera     roda com regimento da Estrela do Norte - Livro de Marinharia de João de Lisboa

Figura humana representada no pólo norte da Esfera Celeste no Reportório dos Tempos de Valentim Fernandes (edição de 1528), nomeando os rumos principais: cabeça (norte), ombro esquerdo (nordeste), braço esquerdo (leste), etc. Gravura indicava as alturas da Polar em Lisboa, quando a guarda dianteira da Ursa Menor chegava ao correspondente rumo; à direita, roda com regimento da Estrela do Norte segundo o Livro de Marinharia de João de Lisboa (Luís de Albuquerque, Navegação Astronómica, CNCDP, Lisboa, 1988, pp. 23 e 33, respect.). A prioridade na utilização da Ursa Menor era atribuída, desde tempos clássicos, aos Fenícios ("Phoenices primi, famae si creditur...")


Lucano (Marcus Annaeus Lucanus, séc. I AD), no poema épico "Farsália" (Pharsalia ou De Bello Civili, lib. III) menciona a navegação pelas estrelas (tendo anteriormente avisado que não se utiliza o Zodíaco pois este não é fixo, i.e. nasce e põe-se, "enganando os pobres marinheiros"):

"...sed, qui non mergitur undis axis inocciduus gemina clarissimus Arcto, ille regit puppes. hic cum mihi semper in altum surget et instabit summis minor Vrsa ceruchis, Bosporon et Scythiae curuantem litora Pontum spectamus. quidquid descendet ab arbore summa Arctophylax propiorque mari Cynosura feretur, in Syriae portus tendit ratis. inde Canopos excipit, Australi caelo contenta uagari stella, timens Borean: illa quoque perge sinistra trans Pharon, in medio tanget ratis aequore Syrtim." (...mas o eixo que não se põe nem submerge nas ondas [i.e. circumpolar], mais brilhante nas Ursas gémeas, é esse que rege os navios. Quando o vejo subir em direcção ao zénite e a Ursa Menor domina acima das vergas, estamos diante do Bósforo e do Ponto [Mar Negro], e das costas sinuosas da Cítia. Mas sempre que Arctophylax [Bootes, o Boieiro] desce do topo do mastro e a Cynosura ["cauda do cão", a Ursa Menor] se coloca mais perto do mar, o navio dirige-se para os portos da Síria. A seguir aparece Canopus, estrela que se contenta em deslizar pelo céu meridional, temerosa de Bóreas [o vento do Norte]; avança, e se a mantiveres à esquerda, passando Faros [ilha de Pharos, Alexandria], no meio do mar o navio abordará Sirte [Syrtis, golfo na Líbia].
[trad. nossa])

Ibn Majid (navegador e cartógrafo árabe do séc. XV), no seu Fawa’id (título abreviado de um manual completo sobre marinharia e navegação), indica quais as correcções (bashi) para o pólo celeste, para o trânsito meridiano de cada uma das chamadas mansões lunares (asterismos que balizavam o percurso da Lua).

No clássico Admiral of the Ocean Sea (Boston, Little Brown and Company, 1942), Samuel Eliot Morison refere como Cristóvão (Cristoforo) Colombo se enganou um par de vezes na aferição da latitude pela Polar durante a primeira viagem. Pior, tudo indica que se enganou na estrela cuja altura devia medir. [Não se tratava de um desvio da agulha de marear (o próprio Colombo é pioneiro no registo desse problema e escreve a 30 de setembro de 1492: «las agujas noroestean una cuarta»), o incompreendido problema da declinação magnética (o "ferro de norte a sul", que era "cevado na pedra de cevar", i.e. magnetita), como refere João de Lisboa, desviava-se da sua direcção; tampouco se tratou de uma questão de longitude (a sua imprecisa determinação estava sujeita à estima, com carta e métodos expeditos que se baseavam na experiência dos capitães e pilotos, sem relógios ou cronómetros antes do primeiro protótipo fiável criado pelo Inglês John Harrison já no século XVIII).]. Não sabemos se aqui a opinião do biógrafo é a mais plausível. Em caso afirmativo demonstra uma dificuldade inesperada na observação concreta, sempre uma possibilidade quando as condições não são as ideais (horizonte obstruído, nuvens...), relacionada com a latitude, o que é algo inesperado. Segundo Morison, em Moustique Bay (Haiti), Colombo mediu a altura da estrela "Er Rai" (ou Errai, Gamma Cephei), supondo ser a Polar (Op. cit., p.284). No local que se chamará Puerto Gibara (21° 06' N) quase duplicou a latitude determinada (obtendo 42° N), o que o próprio considerou estranho. Morison descreve diversas interpretações e propõe a sua solução (i.e. uma confusão entre a Estrela Polar e Alfirk, em Cepheus):

"The reasons for this colossal error have much exercised the pundits. Navarrete postulated an imaginary, nonexistent quadrant that read double. Magnaghi argued that Columbus was trying to throw the Portuguese and others off the scent. Las Casas believed that the scribe copied “21” as “42.”The real explanation is simple: Columbus picked the wrong star. He was “shooting” Alfirk (β Cephei), which in November bore due north at dusk; mistaking her for Polaris, whose familiar “pointers” were below the horizon. Columbus knew perfectly well that latitude 42° N was fantastically wrong. He had earlier noted in the Journal that Guanaham was on the same parallel as the Canaries; and in his printed Letter on the First Voyage he gives the mean latitude of his new discoveries as 26° N. But, as he remarked rather plaintively in his Journal, “The North Star” (that is, Alfirk) “looks as high as in Castile.” (pp.258-59)

Recorrendo a outro "regimento", o do Sol, os pilotos Portugueses mediam a altura meridiana do luminar (a que se chamava "pesar o Sol") com o chamado astrolábio náutico e deduziam a latitude com a ajuda das tabelas da declinação solar (conferindo com o valor para a data concreta no calendário). Era fundamental quando se atravessava a equinocial e se deixava de ver a "Estrela do Norte". Curiosamente, o veneziano Cadamosto (1432-1488) acreditava que o céu austral manifestaria, de algum modo, por simetria, a presença de um "carro" (espelhando a Ursa Maior boreal, conhecida popularmente por esse nome) e de uma hipotética "Estrela do Sul"; Vespúcio (Amerigo Vespucci, nascido em Florença em 1454), nas suas viagens austrais, associou as estrelas do Cruzeiro do Sul às quatros "estrelas brilhantes" (simbolizando as quatro virtudes cardeais) descritas por Dante nos céus que o poeta avistou quando voltou à superfície após ultrapassar as cavernosas regiões infernais.

Nocturlábio
Outro instrumento, o nocturlábio permitia determinar a hora durante a noite. Num disco rotativo interior seleccionava-se a estrela de referência e alinhava-se esta com a data específicano disco exterior. Apontava-se a estrela escolhida (muitas vezes Kochab, na Ursa Menor) a partir do centro do instrumento com o ponteiro. A intersecção deste braço com um limbo graduado em horas indicava a hora eque se queria determinar. Utilização do nocturlábio, Manuel de Navigation, Jacques de Vaulx, Le Havre, 1583 (BnF, département des Manuscrits, Français 150, f. 17)


A Longitude no Mar


Tratava-se de um problema muito complexo. Na realidade não existia qualquer método. Em mar aberto, estimava-se o percurso efectuado (rumo-distância) com a ajuda das cartas, da agulha e da ampulheta, observação de qualquer ponto de referência (quando disponível). A experiência do piloto ou capitão era importante. A partir do séc. XVII usaram-se cordas que se estendiam, com nós regularmente espaçados (com uma prancha flutuante numa extremidade) e a ampulheta para calcular com maior precisão a velocidade num determinado intervalo de tempo (v. imagem seguinte), Mas eram sempre métodos expeditos ou relativamente imprecisos.

Entretanto, diversas ideias foram surgindo para determinar a longitude propriamente dita. A observação dos eclipses (que em longitudes diferentes se observam em simultâneo mas a horas locais diferentes) era complicada. Nem sempre acontecem e mesmo em terra é difícil determinar o ponto médio. Galileu advogou a utilização dos movimentos dos satélites de Júpiter (que, apesar das dificuldades, James Bradley (1692-1762) tentará utilizar). Sem cronómetros, a ideia mais prometedora foi, sem dúvida, a da utilização da Lua na sua rápida progressão (quase 13.2°, i.e. 1/27 da circunferência do céu). Para utilizar a Lua, precisavam estar reunidas várias condições: instrumentos precisos para medir ângulo entre a Lua e a estrela de referência escolhida, catálogo estelar preciso e tabelas rigorosas dos movimentos da Lua. Demasiado difícil combinar estas exigências e observar a bordo de um navio, quando seria necessário com bastão apontar ambos os corpos celestes (a Lua e uma estrela) simultaneamente. Demais, um erro de alguns minutos na medida do ângulo no céu produz um erro 27 vezes maior na longitude terrestre do local de observação deduzido.

Sabia-se bem que um relógio seria muito mais eficiente. O de pêndulo fora inventado por Christian Huygens em 1656 (descrito na obra Horologium Oscillatorium). A partir daí, diversas tentativas foram patrocinadas, ao mais alto nível, para produzir cronómetros adequados à utilização no mar (contexto extremamente exigente: temperatura, pressão, humidade, movimento). Se um cronómetro de bordo errasse um minuto, o diferencial em longitude seria de apenas 1/4º (pois 1º = 4 minutos de tempo). mas o desafio náutico era muito complexo devido, por exemplo, à aceleração provocada pela temperatura e pela dilatação dos metais, cujos coeficientes foram, obrigatoriamente, tidos em consideração pelos melhores relojoeiros (e.g., Harrison, Lapaute, Berthoud). John Harrison (1693-1776) foi quem resolveu directamente o problema para o almirantado Inglês, criando relógios que foram ulteriormente testados e adoptados. O seu modelo "H4" foi testado com sucesso numa viagem a Barbados, nas Antilhas. O método baseava-se na diferença de tempo (da qual se deduzia a longitude) relativamente à hora concomitante de um meridiano de referência, seguindo uma teoria muito simples já avançada pelo astrónomo, cartógrafo e construtor de instrumentos Gemma Frisius (1508-1555). De facto, a única resposta satisfatória foi o cronómetro, como será mais tarde o telégrafo eléctrico em terra. Como consequência, o cronómetro exigiu tabelas e instrumentos mais precisos, bem como um melhor controlo do tempo e da marcha dos relógios. Nos séculos XVII e XVIII, Paris era o "ponto zero", aí passando o meridiano de referência (a Revolução Francesa promove-o, bem como a adopção do sistema métrico e a efémera imposição do Calendário Republicano). Entretanto, reflectindo a hegemonia Inglesa e a pioneira instituição do Observatório de Greenwich, a referência internacional
passará a ser (1884) o meridiano dessa prestigiada instituição.

Nós - velocidade do navio
Determinação da velocidade no séc. XVII (fonte: oceanservice.noaa.gov). Na navegação actual, 1 minuto de latitude equivale (aproximadamente) a uma unidade chamada "milha náutica", Equivale a 1.852 km. Uma velocidade de 1 milha náutica por hora é 1 nó (Ing. "knot", abrev. kn; kt é mais usado em em aviação)


A Esfera Celeste*


A  Esfera Celeste (Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas (2ª ed.) de Máximo Ferreira e Guilherme de Almeida, Plátano, Edições Técnicas, 1995)


O Universo ”geocêntrico”, o das aparências que observamos, foi historicamente representado através da ordem e harmonia dos movimentos circulares. As estrelas consideravam-se “fixas”, equidistantes do centro (ocupado pela Terra) e plasmadas numa gigantesca estrutura esférica. A observação continuada permitiu compreender as sucessivas posições do Sol em relação ao fundo de estrelas.

"La espera del ochauo cielo ["A esfera do oitavo céu", i.e. o das chamadas estrelas fixas] es la primera en que a estrellas figuradas, et es la mas noble de todas las otras siete, de que fablaremos adelantre. porque está mas cerca del noueno. Et la uertud que del rescibe. esta la parte por las otras, cada una según que ell a menester, et á él conuiene. Esta espera es toda llena de estrellas ya grandes, et menores, et medianas. Et figurada de todas las figuras que fueron, et son. et seer podrán, et en cada una dellas a su uertud sigund la de Dios puso en aquella espera donde ellas son. Et por esso queremos fablar dellas. Et cuemo quier que las de los signos sean mas nobles en uertud. et mas connoscidas que las otras, et mas connoscidas de los omes. Otrossí porque el sol cosre por aquella carrera por do los signos son. que es la mayor et mas noble et de mayor uertud que todas las otras estrellas. Et otrossí porque las otras planetas fazen su curso por aquel mismo logar, et dally an la mayor uertud. por esso semesíaba razón que daquellos signos fablássemos primero." (Libros del Saber de Astronomía del Rey D. Alfonso X de Castilla, ed. M. Rico y Sinobas, Madrid, Tipografía de Don Eusebio Aguado, 1863; Tomo I, p.11).


Nessa conceptualização os céus podem ser inscritos em dois círculos máximos (círculos que dividem a esfera em duas metades): a Eclíptica que é o caminho que o Sol percorre e o Equador (Equinocial, gr. "isemerinos"), a meio caminho dos pólos, os dois pontos imóveis, invariáveis, da esfera. Estes dois círculos intersectam-se num ângulo de 23,5 graus, aproximadamente. Ptolomeu (AD 138) indicou o valor de 23º 51’, Regiomontanus (em 1490) registou 23º 33’ e Tycho Brahe (em 1592) 23º 31’. Era difícil calcular com precisão devido às limitações da instrumentação mas desde a Antiguidade que se sabe que este valor vai decrescendo.

O Zodíaco é uma faixa (convencionalmente com 12 graus de latitude, algumas fontes outorgavam-lhe outra "largueza") que se estende 6 graus para norte e 6 graus para sul da Eclíptica (definindo assim aproximadamente o espaço até onde se observam as deambulações dos planetas e da Lua. sendo as mais amplas as da Lua e Vénus).

A posição de um corpo celeste é, tradicionalmente, referida a um dos dois círculos referidos: a Eclíptica ou o Equador. Historicamente, a Eclíptica foi privilegiada. Hoje o sistema que utilizamos baseia-se no Equador Celeste. O ponto de origem de ambos os sistemas de coordenadas é conhecido como Primeiro Ponto de Aries, um dos dois pontos de intersecção e o que marca o início da Primavera no Hemisfério Norte. [Pela sua posição privilegiada, o signo Aries era conhecido como Primus Aries - Signorum princeps - astrorum dux ou ductor gregis principium (Firmicus, Mathesis, II,10; ed. Kroll)] O outro ponto (chamado Libra), marca o início do Outono, no signo com o mesmo nome (i.e. Libra, a Balança). A distância ao longo da Eclíptica é a Longitude Celeste, medida ao longo dos doze signos, cada um com 30 graus. A distância para norte ou sul relativamente à Eclíptica é a Latitude. A do Sol é, por definição, nula (é justamente o seu percurso aparente que desenha ou define a Eclíptica). A dos planetas é variável.

Motus planetas

Os movimentos dos planetas clássicos, respectivamente: períodos siderais (revoluções), movimentos diários médios (incl. máx. para os mais velozes) e amplitudes máximas em latitude (norte e sul) a partir da Eclíptica. Valores arredondados, coligidos em: Eade, J. C., The Forgotten Sky, Oxford, Clarendon Press, 1984, pp.22-23)

Retrogradações
Duração das retrogradações (e "paragens", pontos de inversão) dos planetas clássicos, segundo W. Lilly, séc. XVII (in Eade, J. C., Op. cit., p.32)


Como J. P. Goold explica na Introdução à sua edição do tratado de Manilius (Astronomica. Loeb Classical Library 469. Cambridge, Harvard University Press, 1977), é sabido que as constelações ao longo da Eclíptica se foram desenvolvendo antes do aparecimento do conceito de um zodíaco normalizado, duodecimal. Segundo Hiparchus, Eudoxus terá colocado o Ponto Vernal no 15º grau de Aries. Aratus colocou-o no início dessa constelação. Todavia, a diferença entre as datas destes autores determina que a diferença precessional seja de somente 1 grau, aproximadamente. A referência ao 8º grau pode recuar, como Neugebauer sugeriu, ao chamado "System B" da teoria lunar Babilónica. Este valor deve ter estado próximo da realidade sideral quando o sistema zodiacal foi implementado. A opção do 8º grau foi geralmente adoptada pelos autores Romanos, e.g., Vitruvius, Columella ou Plinius, autor na Naturalis Historia). Martianus Capella foi um dos principais responsáveis pela sua disseminação medieval. A "solução" astrológica surge no Tetrabiblos I.22 (ed. Robbins), com a afirmação da estrutura do 'zodíaco tropical' (desligado dos sidéreos, das estrelas reais): o início de Aries é o Ponto Vernal e se este se move. todo o Zodíaco se move com ele. É, no fundo, um "zodíaco artificial".


O Zodíaco que utilizamos é Tropical (ancorado nos equinócios e solstícios). Todavia, alguns séculos após Ptolomeu (que o advogou), o Zodíaco Sideral (baseado nas estrelas, nas constelações) continuava a ser privilegiado. Houve uma época (até cerca de 2100 a.C.) na qual, devido ao fenómeno da Precessão dos Equinócios, o Equinócio Vernal se situava (na antiga sequência de asterismos e constelações criada na Mesopotâmia) na constelação do Touro de Anu, ou Touro do Céu (mul GU4.AN.NA) e o nascimento das Plêiades (mul MUL ou zappu) assinalava a abertura da estação vernal, primaveril. Por esta razão, estas surgem à cabeça nas listas Babilónicas dos asterismos e constelações no "Caminho da Lua", enquanto a última constelação nessa sequência era mul LU,HUNG.GA (mais tarde substituída no zodíaco Grego por Aries), Hoje, tendo atravessado as estrelas de Aries, o Ponto Vernal situa-se, sideralmente, nas estrelas da constelação Pisces (não confundir com o signo no zodíaco Tropical, entretanto desfasado da constelação que lhe atribuiu o nome).

[Precessão dos Equinócios: já mencionada nesta página, trata-se da oscilação do eixo da Terra, semelhante à de um pião sobre o seu eixo. Determina que os pólos equatoriais descrevam um círculo em torno dos pólos da Eclíptica em cerca de 25800 anos, equivalendo a um deslocamento de 1º em 72 anos. Assiste-se, pois, a um deslocamento aparente das estrelas da direcção Leste, de modo a que a sua longitude aumenta lenta e gradualmente]


O sistema de coordenadas baseado no plano equatorial mede-se em graus de Ascensão Recta (ascensio recta) ao longo do Equador Celeste e em graus de Declinação perpendiculares a esse círculo máximo, v. infra. A Ascensão Recta é habitualmente expressa em horas e minutos, 1 hora equivalendo a 15 graus, 4 minutos-tempo a 1 grau. Uma vez que o Sol percorre (e de facto materializa) a Eclíptica (e não o Equador) a sua Declinação (variação norte-sul
justamente em relação ao Equador) varia de acordo com a sua distância aos pontos equinociais (Aries e Libra). Assim alcança dois pontos extremos: quando chega ao mais elevado (no signo de Cancer) ou ao mais meridional (em Capricornus), diz-se que está num “Trópico” (equivalente lat. dá origem à palavra “Solstício”: quando o Sol pára). A partir daqui, o astro retrocede e volta a "descer" ou a "subir" (dependendo se chegou ao Trópico de Câncer ou ao Trópico de Capricórnio, i.e., ao Solstício de Verão ou ao Solstício de Inverno, respectivamente). São chamados 'cardeais' os signos (Aries, Cancer, Libra e Capricornus) que marcam o início das Estações do Ano.


Convém compreender que os signos zodiacais são intervalos de longitude eclíptica e não as constelações 'reais' que lhes emprestaram o nome ab initio; trata-se, desde Ptolomeu (séc. II), de um Zodíaco considerado ‘Tropical’ (vinculado aos pontos equinociais e solsticiais) e não ‘Sideral’ (vinculado à posição verdadeira das estrelas). O deslocamento devido ao referido fenómeno da Precessão foi ao longo da história astronomicamente calculado com o recurso à posição para determinada “epoch” ou data de referência, da primeira estrela de Aries na lista de Ptolomeu: prima Arietis, a actual gamma na classificação que Johann Bayer iniciou no seu atlas de 1603.
Uma pequena imprecisão no Calendário Juliano determinava que a data de entrada do Sol no signo de Aries acontecesse gradualmente, lentamente, cada vez mais cedo, em Março. Em termos gerais, e salvaguardando pequenas flutuações, J. C. Eade tabulou os seguintes intervalos de anos e os correspondentes dias do equinócio (Op. cit., p.11). Este afastamento relativamente às Estações do Ano será uma das motivações para a Reforma que instaurou o Calendário Gregoriano que ainda hoje utilizamos.

Calendário Juliano - datas equinócio vernal


Uma vez que os planos da Eclíptica e do Equador Celeste estão inclinados 23,5º entre si, decorre que os pólos destes círculos estão afastados os mesmos 23,5 graus entre si. Os círculos Árctico e Antárctico estão centrados nos pólos equatoriais (i.e. os pólos da Esfera Celeste, pois são paralelos ao Equador Celeste) e passam através dos pólos da Eclíptica. A longitude (eclíptica) do pólo norte da Eclíptica é de 270 graus, a do seu pólo austral é de 90 graus.

círculo máximo (ou "grande círculo") que liga os pólos da Eclíptica, os pólos do Equador Celeste e passa pelos primeiros pontos dos signos de Cancer e Capricornus é chamado Coluro Solsticial; o que passa nos primeiros pontos de Aries e Libra (equinócios) é chamado Coluro Equinocial.

Os coluros já haviam sido definidos por Hiparco (Comm, in Aratus, 117). Foram assim chamados porque "é como se as suas 'caudas' tivessem sido cortadas, uma vez que não conseguimos observar as partes destes que começam no antárctico, paralelo sempre invisível" (Isagoge 27, Ernst Maass, Comm. in Arat., 60), v. Toomer, Ptolemy's Almagest, p.19. Ou seja, são círculos truncados, porque nunca se observa parte deles (que fica sempre abaixo do horizonte).


A Ascensão Recta entrou na astronomia por via do problema dos tempos ascensionais (v. infra), i.e. quanto tempo demorava um signo a ascender no horizonte Leste. Era também utilizada para referir o grau do Equador Celeste que chegava ao Meridiano (o círculo máximo que corre de norte a sul passando pelo zénite do lugar em simultâneo com um determinado grau da Eclíptica. A relação da Ascensão Recta com a Longitude Eclíptica (que é medida ao longo desse círculo oblíquo tendo como referência ou origem o Ponto Vernal) não se altera com a latitude do lugar, logo pode ser tabulada definitivamente assim que se defina ou conheça qual o valor da Obliquidade da Eclíptica  [Deste a Antiguidade que se sabe que este valor decresce gradualmente]. Todavia, o grau específico do Equador Celeste que cruza a linha do horizonte varia com a latitude do observador. É a chamada Ascensão Oblíqua (ascensio obliqua, o arco do Equador que ascende em simultâneo com o arco da Eclíptica compreendido entre o ponto Vernal e o ponto Ascendente) era um valor útil pois era exactamente 90º maior do que a Ascensão Recta do Meio-Céu astrológico;
em desuso na Astronomia moderna.

A Ascensão Oblíqua é menor do que a Ascensão Recta no arco Aries - Virgo e maior no arco Libra - Pisces.

Um último sistema, este de coordenadas locais, define-se através das variáveis Altura e Azimute. A posição de um corpo celeste pode ser determinada em relação à localização específica, local, sendo a grelha utilizada definida pelo Horizonte do observador e pelo Meridiano (i.e o semi-círculo visível que corre de norte a sul passando pelo zénite). Assim, a posição é definida por um sistema de círculos paralelos de altitude (almocântaras) e, no noutro eixo, pelo azimute, distância angular medida ao longo do círculo do Horizonte a partir de um ponto fixo convencional (hoje habitualmente a partir do ponto geográfico Norte e medindo o arco na direcção Este - Sul - Oeste).

A latitude terrestre de um lugar pode ser definida pela elevação do pólo celeste, a sua altura acima do Horizonte (comodamente medida pela altura da Estrela Polar, actualmente muito próxima do pólo). Dada a altura do pólo e a direcção Norte-Sul geográfica, o ponto de intersecção entre o Meridiano e o Equador Celeste é facilmente determinado. É, por definição, um ponto do Meridiano 90 graus distante do pólo. Ou seja, é o complemento da latitude do lugar (e.g., em Aveiro, elevação do pólo: 40ºN, o Equador Celeste intersecta o Meridiano num ponto (90 - 40 =) 50 graus acima do horizonte sul).  Consequentemente, também é fácil determinar as alturas meridianas do Sol (máxima e mínima) ao meio-dia verdadeiro. Pois sabemos que o Sol não se afasta mais do que 23,5 graus para norte ou para sul do Equador Celeste (o que acontece nas datas dos solstícios). No exemplo aveirense, teremos como extremos (50 + 23,5 =) 73,5 graus em Junho e (50 - 23,5 =) 26,5 graus em Dezembro. Por outro lado, sabendo a altura meridiana do Sol e a co-latitude (ângulo complementar da latitude, i.e. a diferença entre a latitude e 90°) do lugar geográfico saberemos a declinação do Sol. Todavia, tal como com a altura do Sol, informação é insuficiente para saber o dia do ano em causa pois será necessário saber em que etapa do seu percurso o Sol está, se a “subir” ou se a “descer”.

* Adaptado do elenco de conceitos astronómicos de J. C. Eade em The Forgotten Sky, Clarendon Press – Oxford, 1984, pp.4-10, com algumas interpolações consideradas úteis.


Alguns conceitos:

- Um "círculo máximo" é assim designado pois possui a maior dimensão possível na superfície de uma esfera, dividindo-a a meio. O seu centro coincide com o centro da esfera. Os grandes círculos são utilizados como referência para os sistemas de coordenadas cometidos à localização dos corpos celestes.
 
- O Equador Celeste divide o Horizonte do observador a meio. Os pontos deste círculo não possuem Declinação. Um ponto aí situado cruza o Meridiano local segundo um ângulo recto. Desloca-se no céu a uma velocidade uniforme de quase 1º em cada 4 minutos de tempo (360º em 23h54m). Nos dois Equinócios, o Sol está no exactamente no Equador e permanece a mesma quantidade de tempo acima e abaixo do horizonte, fazendo com que os dias e as noites tenham a mesma duração.

O Horizonte Celeste é definido pelo plano que passa através do centro da Terra, perpendicular à recta que passa pelo zénite e pelo nadir.

Os pontos cardeais no Horizonte são chamados Ponto Norte (para distinguir do Pólo Norte), Ponto Este (ou Leste), Ponto Sul (para distinguir do Pólo Sul) e Ponto Oeste.

O Primeiro Meridiano é específico para cada observador, sendo o círculo máximo que passa pelos pólos e pelo zénite .

- O movimento diurno aparente é chamado Movimento Primário (i.e. o do Primum Mobile na antiga perspectiva geocêntrica) e verifica-se de Leste para Oeste. O movimento do Sol e dos planetas é ao contrário, de Oeste para Leste (excepto nas retrogradações ocasionais dos planetas), é chamado Movimento Secundário. O do Sol acontece num círculo máximo a que chamamos "Eclíptica". Este círculo surge inclinado em relação ao Equador Celeste (por isso falamo da Obliquidade da Eclíptica). Assim, enquanto o Equador Celeste intersecta o Horizonte exactamente nos pontos que definem as posições geográficas Leste e Oeste, a Eclíptica aparecerá tipicamente "inclinada", o seu ponto nascente algures para Nordeste e o poente para Sudoeste ou, inversamente, o seu ponto nascente para Sudeste e o poente para Noroeste. A única excepção acontece, diariamente, quando os pontos equinociais (intersecção do Equador Celeste com a Eclíptica) se encontram exactamente no Horizonte, sendo que nestas circunstâncias a Eclíptica nasce na exacta direcção Leste e se põe na direcção Oeste.
 
- Devido à Obliquidade da Eclíptica, os graus do Zodíaco nascem e têm o seu ocaso em diferentes pontos do Horizonte (i.e. em diferentes Azimutes). Cada grau descreve pois um arco específico, paralelo ao Equador Celeste, através do céu, nascendo algures no horizonte leste, culminando no Meridiano (rigorosamente a Sul, para um observador no Hemisfério Norte) e tendo o seu ocaso algures no horizonte oeste. É o chamado 'Arco Diurno' desse grau. O Arco Diurno é complementado pelo Arco Nocturno. O Círculo Diurno é o total. Os pontos de orto (nascimento) e ocaso de um grau são sempre equidistantes do Meridiano (i.e. o Meridiano divide qualquer Arco Diurno em dois Semi-Arcos).
 
- A Obliquidade da Eclíptica está também relacionada com as posições dos círculos polares (paralelos de declinação, Ártico e Antárctico) e com o fenómeno  da 'circumpolaridade': os astros que nunca nascem ou nunca se põem.

- Os adjectivos "cósmico" e "crónico" dizem respeito ao nascer e ao ocaso do Sol, respectivamente. Por um pequeno período de tempo, uma estrela que nasce com o Sol ("cosmicamente") terá o seu ocaso com o Sol ("cronicamente"). Uma estrela põe-se "cosmicamente" quando o Sol nasce, ou nasce "cronicamente" quando o Sol se põe. Claro que com o movimento do Sol através das estrelas, estará em causa o nascimento helíaco (quando o astro se torna visível imediatamente antes do nascer do Sol).

- A Ascensão Recta de um objecto é o ângulo entre o Ponto Vernal (um dos dois pontos de intersecção da Eclíptica com o Equador Celeste, aquele em que o Sol se encontra no Equinócio de Março) e o meridiano desse objecto, medido sobre o Equador Celeste, na direcção Leste. A Ascensão Oblíqua de um grau zodiacal é simplesmente o ponto do Equador Celestial (i.e., o grau de Ascensão Recta) que com ele nasce em simultâneo. Assim chamado porque o Horizonte, ao contrário do Meridiano, não intersecta o Equador perpendicularmente (segundo ângulos rectos) mas sim obliquamente. De modo similar, a Descensão Oblíqua é o ponto do Equador Celeste cujo ocaso acontece em simultâneo com o grau zodiacal, no hozonte oeste.

N.B.: No Almagesto de Ptolomeu, o Equador é, literalmente, o "círculo de dia igual" ou "equivalente". O Meridiano é o "círculo do meio-dia", obviamente. A Eclíptica é o "círculo inclinado" ou "o que passa pelo meio dos signos do Zodíaco".


Recapitulação e outros tópicos com interesse

As Coordenadas Equatoriais

Actualmente, o sistema privilegiado para localizar um objecto (por exemplo, uma estrela) é um sistema de cordenadas análogo ao das coordenadas geográficas (Latitude e Longitude). Na Esfera Celeste essas coordenadas têm o nome de Ascensão Recta e Declinação. São as Coordenadas Equatoriais.


Ascensão Recta e Declinação (Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas de Máximo Ferreira e Guilherme de Almeida, Plátano, Edições Técnicas)


Este sistema adapta-se ao "movimento natural" das estrelas. Em regiões de latitude intermédia, algumas estrelas têm nascimento e ocaso, algumas permanecem 24 horas acima do horizonte, outras permanecem 24 horas abaixo do horizonte.


Arcos descritos diariamente pelas estrelas (em locais de latitude boreal mediana) nas direcções N, E,S e O, respectivamente (Vallières, J., Devenez Astronome Amateur (3e édition), Collection Faire, Québec Science Editeur, Presses d l'Université du Québec, 1987)

Horizonte de um observador   Hemisférios

O Horizonte de um observador (local de latitude norte intermédia). A ilustração indica as direcções Norte e Sul, o Zénite (perpendicular, sobre a cabeça do observador) e a posição do pólo norte celeste (indicado pela posição de Polaris, a "Estrela Polar"), no prolongamento do eixo da Terra. Em qualquer circunstância, metade do céu estará sempre escondida abaixo da linha do horizonte. (The Edmund Sky Guide, Sam Brown & Terence Dickinson; Edmund Scientific Co., 2001). À direita: os hemisférios terrestres: o Dia e a Noite (António G. Mattoso e Álvaro d'Athayde: Ciências Geográfico-Naturais: 1º, 2º e 3º anos dos liceus (5ª Edição), Livraria Sá da Costa , Lisboa, 1942)


As estrelas visíveis descrevem no céu arcos com uma certa inclinação em relação ao horizonte, a qual depende da latitude do lugar. O sistema de coordenadas utiliza a mesma ideia das coord
enadas geográficas (latitude e longitude). Imagine-se, com vimos, a Esfera Celeste "contendo" a esfera terrestre. O equador terrestre, projetado para o firmamento, desenha o Equador Celeste. O eixo de rotação da Terra, prolongado, forma os pólos celestes. A linha que vai do pólo norte ao pólo sul celeste e que passa sobre a cabeça de um determinado observador, constitui o meridiano local deste observador (o Sol está no Meridiano ao Meio-Dia, daí esta designação). Podemos entender o meridiano como a projecção da linha da longitude local sobre o firmamento. Em Geografia aprendemos que a determinação da latitude é fácil, conhecendo-se pólos e Equador. Para a origem da Longitude foi necessário estabelecer, por convenção, um primeiro meridiano de referência (Greenwich) como longitude zero. Na Esfera Celeste, estabelece-se um determinado ponto entre as estrelas, chamado Primeiro Ponto de Aries ou Ponto Vernal, como origem. Esse ponto corresponde a um dos pontos de intersecção da Eclíptica com o Equador Celeste, aquele em que o Sol se encontra no Equinócio de Março (Vernal ou de Primavera, no Hemisfério Norte), quando passa do hemisfério sul para o hemisfério norte celeste.

É a Primavera, essa "manhã" na qual a natureza reverdece (no Hemisfério Norte, obviamente). A eloquência de Garrett Serviss descreveu-a assim:

The year has it's morning no less unmistakable in its characteristic features than the dawn of the day. The earth and all of its inhabitants feel the subtle influences of the dawning year, and Nature awakes at their touch. This annual morning comes when the sun transits the equator, moving north, at the beginning of his long summer tour, about the 20th of March. This is the epoch of the Vernal Equinox when the springs of life begin, once more, to flow. (Round the Year with the Stars, Harper & Brothers Publishers, 1910, p.21).

  Sol Primavera

Onde quer que nos situemos, temos sempre a impressão de estarmos no centro de um disco plano e estático com um horizonte infinito a rodeá-lo. Mas o céu move-se "esfericamente". Exemplificação dos arcos paralelos do movimento solar diurno. Ilustrados para as diferentes estações do ano, para um observador situado no Hemisfério Norte. Mais elevado no Verão, menos no Inverno; posições intermédias correspondem à Primavera e ao Outono. A explicação reside na inclinação da Eclíptica relativamente ao Equador Celeste. O valor da elevação meridiana do astro depende da latitude do lugar. (Muirden, J., Astronomy Handbook, Arco Publishing, Inc., 1987). Na segunda ilustração, arcos descritos pelo Sol em algumas datas próximas do início da Primavera no nosso hemisfério, quando cruza o Equador Celeste para Norte (Wil Tirion)


Pontos do orto solar
O Sol nasce no Horizonte Leste em diferentes pontos ao longo do ano (Annie & E. Walter Maunder, The Heavens and Their Story, London, Robert Culley, 1908, Fig.1, p.31)


O exemplo seguinte (clicar no esquema para ampliar) constitui uma proposta observacional pedagógica e representa (para determinado local específico) os fenómenos locais do Sol ao longo do ano. Da periferia para o centro do esquema: as datas, azimutes dos ortos e ocasos, o ângulo do Sol em relação ao horizonte, a declinação solar e, por fim, a hora aproximada do nascimento ou do ocaso (ao modo astronómico, sem pontos ou letras, e.g., "2000" = 20h00)

Sol - gráfico anual (exemplo)
Mills, H. Robert, Practical Astronomy: A User-friendly Handbook for Skywatchers, Albion Publishing, 1994, p.95

"Primavera" ou "Verão"?

Nos textos mais antigos aprendemos que as estações do ano (nas nossas latitudes) se dividem em "Veraõ, Eftio, Outono & Inuerno". A palavra primavera deriva do latim tardio "prima vera", plural de "primus ver" (raíz vēr, vernus, daí "vernal"). O elemento "vēr" (relacionada com o gr. "éar") está na origem da palavra "Verão". Como Marco Neves explica acerca da palavra "Verão" (in Ciberdúvidas da Línga Portuguesa), a palavra Primavera significa, portanto, "primeiro Verão", a primeira parte da estação quente. É corrente (e coerente), encontrar nos textos antigos as estações elencadas como Verão, Estio, Outono e inverno. O excerto seguinte é dos Libros del Saber... (séc. XIII):
 
"Mas porque todos los cielos an figura redonda, et según razón natural non an comienco ni fin. et los sabios le possieron comiendo en este signo de aries. por quáles razones esto fizieron querémoslo aquí mostrar. Et dezimos que la una dellas es porque el sol. que es la mas noble estrella que a en el cielo, que por la uertud de Dios alumbra todo el mundo, et faze las cosas nascer et crescer en el tiempo que conuiene. et otrossí desfaze las que non conuiene á su sazón según los quatro tiempos dell anno. ca en uerano quan es el tiempo mas temprano que en todo el anno. entra el sol en aries. et faz la nascer. et crescer. et parescer sobre la tierra. Et en ell estío, que es el mas caliente tiempo, faz la enflaquescer. et minguar mucho de su umidat. et de su uertud. et esto es quan el sol entra en cancro. Et después uiene ell otro tiempo tercero, que es ell otonno. quan entra el sol en el signo de libra, et aquí se comiencan á destruir todas las cosas con mingua de umidat, que es la mas della fallida. El quarto tiempo es ell inuierno. que es frió et úmido. en que se destruyen todas las cosas, et es quan el sol entra en el signo de Capricornio." (edição de M. Rico y Sinobas, Tomo I, pp.61-2)


Estações do Ano - Fr. António Teixeira 
Na imagem acima, exemplo em Português. (
Fr. Antonio Teixeira, Epitome das Noticias Astrologicas para a Medicina (1670), p.125)


Observação planeta inferior

A latitude geográfica do observador determina a altura do Equador Celeste, bem como a sua inclinação relativamente ao Horizonte (leste e oeste). Quanto menor a latitude, maior o ângulo. Na latitude 0º (Equador), o Equador Celeste é perpendicular ao Horizonte e passa pelo zénite do observador. O Sol percorre obviamente a Eclíptica e os planetas estão sempre aí ou na sua proximidade (obliquidade desse círculo é causada pela inclinação do eixo da Terra). A ilustração exemplifica a observação vespertina (no "poente") de um planeta inferior (Mercúrio ou Vénus) e a sua elongação em Março e em Setembro, a partir de uma latitude norte intermédia. A direcção do movimento diurno aparente, resultante da rotação da Terra (indicado aqui pela seta "direction of setting") é, para qualquer astro, paralela ao Equador Celeste. Verificamos que em Março o planeta se observa mais elevado relativamente ao Horizonte local porque a  Eclíptica faz um ângulo maior com este último. No equinócio vernal, o Sol está precisamente no Equador e "viaja" para norte. Consequentemente, a Eclíptica está mais elevada adiante da sua posição. Em Setembro, quando o Sol já "viaja" para sul, acontece o inverso e o planeta observa-se menos elevado. (Muirden, J., The amateur astronomer's handbook, (3rd ed.), New York : Harper & Row, 1983)


- Ascensão Recta
(AR ou α) de um objecto é o ângulo entre o Ponto Vernal e o meridiano desse objecto, medido sobre o Equador Celeste, na direcção Leste. A AR mede-se em horas, minutos e segundos. Corresponde, portanto, à Longitude terrestre, mas enquanto esta é medida para Leste ou Oeste do Meridiano de Greenwich, a AR somente se mede numa direcção, para Leste, das 0 às 24 horas, ou 360º. Quando olhamos para Sul, esta incrementa na direcção Leste. A AR é habitualmente medida em horas, minutos e segundos de tempo, pois uma vez que a Esfera Celeste faz uma revolução completa de 360º em cerca de 24 horas, tornou-se conveniente dividir este circuito em 24 partes iguais, cada uma correspondendo à distância que o céu parece rodar em cada hora.

- Declinação (DEC ou δ) de um objecto é a sua distância angular para Norte ou Sul da Equinocial (Equador Celeste), medida ao longo do meridiano onde esse objecto se encontra. É análoga à Latitude terrestre. No Equador Celeste: δ = 0°.


As Coordenadas Eclípticas

Longitude e Latitude são termos utilizados em relação às coordenadas eclípticas, i.e. baseadas na Eclíptica e nos seus pólos. A Longitude (λ) é medida nesse círculo para Leste a partir do Ponto Vernal, a Latitude (β) é a distância para Norte ou Sul da Eclíptica, medida não nos meridianos mas em círculos perpendiculares à Eclíptica e que passam pelos pólos desta. O círculo máximo de referência define o caminho aparente do Sol ao longo do ano, no meio atravessando o fundo de estrelas que também acolhe, com maior ou menor aproximação, o percurso da Lua e dos planetas: o Zodíaco, faixa dividida segundo o número de meses em doze partes ou Signos. O sistema eclíptico é, portanto, particularmente conveniente para representar os movimentos dos planetas.


As Coordenadas Horizontais

Bion - Quadrante
Um quadrante permite medir a altura angular de um astro (Nicolas Bion, L'usage des globes celestes et terrestres...)


Entretanto,
em função do horizonte, o ponto que fica na vertical do observador (na sua perpendicular), chama-se zénite; o ponto infra, diametralmente oposto é chamado 'nadir' (do Ár. "nazir"). Um sistema complementar óbvio é o Sistema Horizontal de coordenadas Altazimutais, que não é "absoluto" mas apenas local: a altitude é medida a partir do plano do Horizonte; o azimute convencionalmente a partir do Ponto Norte, na direcção do Leste.

- Horizonte aparente e horizonte ideal ou racional: o aparente é o observável, variável; o "ideal" ou astronómico divide a Esfera Celeste precisamente em dois hemisférios, uma linha que dista 90º do zénite.

Os documentos que compilavam informação astronómica eram as Tabelas, as Efemérides e os Almanaques, segundo a decrescente sofisticação. As tabelas historicamente mais relevantes foram as de Toledo (c. 1080), as Afonsinas (c. 1270) e as Rudolfinas (publicadas pela primeira em 1627). Estas compilações são "perpétuas", no sentido em que disponibilizam conjuntos de valores (uma tabela para o motus médio para cada século, outro para os anos intermédios e assim sucessivamente) a partir dos quais as posições dos planetas podem ser calculadas. As Efemérides dizem respeito a um período confinado, fornecendo as longitudes planetárias (e.g., para as 0H00 ou para o meio-dia) para cada dia e as latitudes, habitualmente, em intervalos de 10 dias. Por fim, os Almanaques, modalidade mais popular de disseminada, fornecerão uma miscelânea de informações, baseando-se no calendário litúrgico, no calendário das estações e nas lunações. Enfim, voltados para a vida quotidiana e para um público não especializado.



Coordenadas Horizontais (Dunlop, S., Astronomy: A Step-by-Step Guide to the Night Sky, MacMillan Field Guides, 1985)


Dia Solar e Dia Sideral

A Esfera Celeste roda (aparentemente) sobre o respectivo eixo uma vez em cada 23 horas e 56 minutos (mais especificamente 23h 56m 4s). É o Dia Sideral, medido em função da direcção de qualquer estrela distante, na direcção rigorosa da qual estaremos de novo após esse intervalo . Mas este período é mais pequeno do que o Dia Solar Médio de 24 horas devido ao movimento orbital da Terra (translação). Durante o intervalo de que a Terra precisa para efectuar uma rotação de 360º, avançou quase 1º na sua órbita em torno do Sol. Deste modo, para fazer retornar o Sol ao mesmo ponto quando observado no céu (definição de "dia"), a Terra precisa efectuar a rotação adicional dessa fracção de grau. Os cerca de 4 minutos de diferença determinam o gradual movimento cíclico através do qual as estrelas parecem chegar ao meridiano 4 minutos mais cedo todos os dias. Por isso vamos observando diferentes estrelas à mesma hora, ao longo do ano.

 


A Eclíptica e o Zodíaco

Plano orbital  

A Eclíptica representa o plano orbital da Terra. O seu ângulo relativamente ao Equador Celeste é determinado pela inclinação do eixo do planeta relativamente a esse plano (Evans, David S., Observation in Modern Astronomy, English Universities Press Ltd.; C. Tinling & Co. Ltd, 1968)

O Sol no percurso zodiacal

Ao longo da eclíptica, o "carrocel" do Zodíaco: "...faixa onde a Ciência, a Pseudo-Ciência, a História e a Mitologia inexoravelmente se entrelaçam" (Nourse, A. E., The Backyard Astronomer, Franklin Watts, Inc., 1973, p.31; trad. nossa). O deslocamento do Sol ao longo das constelações zodiacais deve-se ao movimento de translação do planeta. Ilustração do percurso (aparente) do astro ao longo do Zodíaco (na representação, o Sol estaria "em Libra", a Balança); cromo de álbum editado em 1966 pela Agência Portuguesa de Revistas


Incidentalmente, a translação do nosso planeta permite utilizar uma pertinente ferramenta de medição: a paralaxe. Trata-se de um fenómeno que podemos observar no nosso quotidiano, como se pode compreender na ilustração seguinte, na qual se observa (alternadamente com cada um dos olhos) um cenário de fundo segurando um lápis como "referente" próximo.

Paralaxe no quotidiano
O "deslocamento" (i.e. paralaxe) quando se observa alternadamente com cada um dos olhos (Ridpath, I., Skywatching (Go series), Hamlyn, 1987, p.16)

Utilizando dois pontos diametralmente opostos da órbita, é possível determinar a alteração de posição de uma estrela próxima relativamente às estrelas mais distantes em "fundo". A primeira determinação deve-se a Friedrich Wilhelm Bessel (em 1838 mediu a distância à estrela 62 Cygni). Um 'parsec' (segundo de arco de paralaxe), equivale a 3.26 anos-luz.


Historicamente, a ausência de paralaxe óbvia nas estrelas foi uma das grandes perplexidades na afirmação da teoria de Copernicus. Tycho Brahe estimou que para explicar a ausência de paralaxe anual das estrelas (importante argumento contra o movimento de translação), as estrelas deveriam estar pelo menos a 700 vezes a distância de Saturno. Todavia, Galileu confirmou telescopicamente que as estrelas estão muito longe pois, ao contrário dos planetas, não se observam como discos, ou seja, continuam a ver-se como simples pontos. A escala do Universo foi, ulteriormente, reconsiderada.

Na prática, os astrónomos profissionais actuais utilizam como medida de distância o parsec e seus múltiplos (e raramente o ano-luz). Com origem convencional, é a distância a um objecto cujo ângulo de paralaxe é de um segundo de arco (o nome "parsec" combina e abrevia "paralaxe" e "segundo de arco", arcsecond em Inglês). A paralaxe de uma estrela, como o termo é habitualmente utilizado, é a heliocêntrica. Significa que se implementa uma correcção nas medições a partir da Terra, resultando na prática em cerca de metade do maior deslocamento observado. O método da paralaxe somente pode ser utilizado até distâncias de cerca de 100 anos-luz; medições mais remotas baseiam-se noutros métodos, e.g., no diferencial entre as magnitudes aparentes e absolutas.


Engelbrektson, S.; Martins, E. de Barros (trad.), Estrelas, Planetas e Galáxias, Edições Melhoramentos, Editora da Universidade de São Paulo, 1980

Triangulação

A determinação da paralaxe de um corpo celeste recorre ao método da triangulação, a partir da distância base conhecida (AB). Baseando-se no princípio de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre 180º. (Simon Newcomb, Astronomy for Everybody, McLure, Philips & Co., 1904)


Exemplo da determinação da distância da Lua por este método, determinando o deslocamento paraláctico entre dois sítios de observação distantes, milhares de quilómetros, um em cada hemisfério, em simultâneo (como dois olhos de uma cabeça gigantesca, cada qual observando a Lua numa direcção diferente). A posição do satélite será determinada pelas distâncias ao zénite de cada observador, enquanto as distâncias AC e BC são conhecidas (equivalem ao raio do nosso globo). Através da trigonometria, será fácil calcular os outros ângulos, bem como o comprimento da linha recta do centro da Terra à Lua. No caso do Sol, distância base seria, ainda assim, demasiado exígua. A distância AB (linha-base) é calculada à partida.

Paralaxe Lua

C é o centro da Terra. A e B os dois pontos de observação, um em cada hemisfério da Terra. M é a Lua. As linhas CZ e CZ' indicam as direcçóes dos zénites de A e B, respectivamente. Subtraindo 180º a cada ângulo medido (em A e em B, ver "angle measured" para cada um dos pontos no esquema), determinamos os ângulos internos nestes dois pontos. O ângulo em C equivale à soma das latitudes de A e B (porque situados em sítios opostos do Equador). Com estes 3 ângulos conhecidos, o ângulo em M determina-se simplesmente subtraindo 360º à soma dos anteriores. (Serviss, G., Astronomy in a Nutshell, G. P. Putnam's Sons, 1912)

Tal como a Paralaxe, a Aberração da Luz é um efeito do movimento orbital da Terra, contudo maior e independente da distância do objecto. Radica no movimento da Terra no espaço. A posição do observador altera-se (de modo diminuto, em termos práticos) em relação ao ápex da velocidade da terra no instante da observação.


Ascensões e descensões dos Signos

Bouché-Leclerc expõe o problema (L'Astrologie grecque, 1899, p.262): "...les signes du Zodiaque montant au-dessus de l'horizon et descendant au dessous plus ou moins obliquement, leur vitesse angulaire ne peut être mesurée que sur le limbe de la grande roue cosmique, celle dont le plan est perpendiculaire à l'axe de rotation, c'est-à-dire sur l'équateur. Il s'agit donc de convertir les degrés d'ascension oblique (Zodiaque) en degrés d'ascension droite (Equateur)."

As ascensões oblíquas, outrora importantes para a interpretação dos movimentos da Esfera, já não são utilizadas na Astronomia (todavia pertinentes nas elucubrações astrológicas). Eram ensinamento canónico nos contextos helenístico e medieval, devido à importância dos tempos de orto (quando um ponto se eleva ou ascende na esfera oblíqua, a da latitude específica). [Sphaerica é, como sabemos, o nome do tratado de Menelau de Alexandria (c. 100 AD), que incluios teoremas necessários para o cômputo dos tempos ascensionais]. O já citado Bouché-Leclercq comentou: "[Ademais], já sabemos quão laboriosa era [no passado] a conversão dos graus do Zodíaco em graus de ascensão recta, medidos sobre o equador, conversão indispensável sempre que se tratava de avaliar a duração [tempo]. Era a propósito deste cálculo que os astrólogos proficientes lançavam o seu desdém sobre os ignorantes." [L'Astrologie Grecque, 1899, p.419, trad. nossa].

Cleomedes (Κλεομήδης) referiu-se à diversidade dos tempos ascensionais dos signos: "So if all the dõdekatèmoria [i.e. os signos, cada qual 1/12 do círculo] of the zodiacal circle, which are equal, also rose in an equal time, every interval of a nighttime and a daytime would consequently be equal as well. But in fact the summer signs rise upright and set obliquely, and as they rise upright the period of their rising is longer, and so the parts of them through which the Sun goes in the interval of a nighttime and a daytime rise proportionately more slowly. But the opposite occurs with the winter signs." (Meteõra (lat. Caelestia), I.4; Alan C. Bowen and Robert B. Todd (ed., trans.), Cleomedes’ Lectures on Astronomy, University of California Press, 2004)

N,B.:  É grave quando os historiadores desconhecem ou baralham os conceitos e técnicas inerentes ou denotam graves lacunas nas indispensáveis competências astronómicas, e.g., confundindo o Medium Caeli com o Zénite (!), não compreendendo a dinâmica das chamadas Horas Sazonais ou convencionando que os signos se elevam e descem em exactamente duas horas cada, independentemente da latitude do lugar e da obiquidade da Eclíptica, como vemos amiudadamente.


Na tradição horoscópica, a determinação do Ascendens (o Ascendente de um horóscopo ou thema, o grau exacto do Zodíaco que se eleva no horizonte leste) dependia dos tempos ascensionais dos signos, e estes, por sua vez, da latitude do lugar, devido à obliquidade da Eclíptica relativamente ao Equador Celeste. Muitos astrólogos menos proficientes limitavam-se a convencionar exactamente duas horas por signo, o "método vulgar de cálculo", referido por Manilius, obviamente muito impreciso (vide Tester, A History of Western Astrology, Boydell Press, 1999 (1987), p.39). Um erro prevalecente, tanto na tratadistica como em algumas interpretações dos textos, é assumir que os quatro "cardines" (ASC, MC, DSC, IC, usando abreviaturas actualmente comuns) dividem a Eclíptica em arcos exactamente iguais, nas latitudes intermédias, onde se incluem as historicamente relevantes. Assume-se, ainda, que o Medium Caeli equivale ao Zénite do observador (ponto perpendicular, o mais elevado da esfera celeste local) e o Imum Caeli se situa directamente sob os seus pés. Na realidade o Medium Caeli é, evidentemente, o ponto de intersecção, acima do Horizonte, da Eclíptica com o Meridiano. Convém compreender que o Horizonte e o Meridiano estão fixos na perspectiva do observador, O Zodíaco move-se através destes. Os "cardines" são os pontos onde a Eclíptica intersecta os referidos círculos (Horizonte e Meridiano). O Zodíaco faz uma volta completa diariamente (movimento primário ou, justamente, diurno). Se a Eclíptica coincidisse ou fosse paralela ao Equador celeste, os signos "ascenderiam" e "descenderiam" segundo um ritmo constante. Mas como é inclinada em relação ao Equador Celeste (cerca de 23.5º), os signos ascendem (e descendem) com inclinações e velocidades diferentes, Os segmentos resultantes do cruzamento da Eclíptica com o Horizonte e com o Meridiano não são do mesmo tamanho (excepto nos Equinócios). A divisão das "Casas" (loci), depende da prévia localização dos quatro pontos fundamentais referidos.

assimetria quadrantes
Oscilação do eixo MC-FC ("MH"-"LMH", Meio-Céu e Fundo-Céu (terminologia actual). No esquema à esquerda (equinócio vernal), os quadrantes são rigorosamente iguais (como serão no equinócio outonal) ; à direita, verifica-se assimetria na sua dimensão (Beck, R., A Brief History of Ancient Astrology, Blackwell Publishing, 2007, p.32)


Seguimos agora a breve exposição do "Reportorio dos Tempos..." do mathematico Manoel de Figueiredo, 1603)

Tratado
Quanto tempo gasta um signo em nascer, & em se por & e com quantas partes da equinocial nasça, & se ponha...

O tratadísta explica que o movimento da equinocial [Equador] é regular e uniforme, "em tempos iguais nascem & se põe arcos e partes iguais, segundo o movimento do Primum Mobile [movimento diurno]". O movimento do Zodíaco é desigual, pois não é executado sobre os seus pólos [os da Eclíptica] mas sobre os "Pólos do Mundo" [i.e. os do Equador Celeste]. Como se trata de círculos máximos, há sempre 6 signos sobre qualquer horizonte e 6 abaixo dele. "Nascer um signo rectamente se diz quando nasce com mor [maior] parte da equinocial que o seu arco, ou tamanho, & nascer "obliquamente" se diz quando nasce com menor parte da equinocial do que he o seu arco". [Por exemplo: se com o nascimento de Aries "saem" 20º da equinocial, a estes graus se chama "nascimento de Aries"]

Seis signos [de Capricornus a Gemini] sobem "rectamente" e descem "obliquamente", outros seis [de Cancer a Sagittarius] sobem "obliquamente" e descem "rectamente". A metade do Zodíaco de Aries até Virgo faz sempre menor ângulo com o horizonte do que a equinocial; a metade de Libra a Pisces faz sempre maior ângulo com o horizonte do que a equinocial.


N.B.
: Repetimos que por 'signos' se consideram os doze sectores (de 30º cada), contados em longitude na Eclíptica, tendo como referente o Ponto Vernal (início de Aries). Figueiredo refere-se pois ao Zodíaco Tropical, baseado nos Equinócios e Solstícios, e não ao Sideral, 'fenomenal', que representa efectivamente as posições dos asterismos. O desfasamento deve-se à Precessão do Equinócios (determinada pelo movimento circular do eixo de rotação da Terra, como se de um pião se tratasse).




Ascensão Recta, Ascensão Oblíqua e Diferença Ascensional

legenda:
AD - Diferença Ascensional
CL - Co-Latitude geográfica
DEC - Declinação
EQ - Equador
NP - Pólo Norte
OA - Ascensão Oblíqua
RA - Ascensão Recta
SP - Pólo Sul

Ponto Aries - Ponto Aries ou Vernal (referencial, origem da Ascensão Recta e da Longitude Eclíptica)


- A diferença entre a Ascensão Recta e a Diferença Ascensional de um corpo é a sua Ascensão Oblíqua (distância, ao longo do Equador, desde o Ponto Aries até à intersecção do Horizonte e do Equador, quando o corpo celeste está no Horizonte).

N.B.: O corpo celeste representado como exemplo é o Sol (crédito: Rique Pottenger)


- Ascensões oblíquas da eclíptica para a latitude +40º (Richard Fitzpatrick, A Modern Almagest: An Updated Version Of Ptolemy’s Model Of The Solar System, .PDF, 45KB)


N.B.: Quando uma estrela ou planeta nasce (não estando no Equador Celeste), forma um ângulo com o ponto do Equador celeste que também "sobe" nesse preciso momento. É a chamada "Diferença Ascensional". Esta é somada à Ascensão Recta se a estrela ou planeta tem declinação Sul e subtraída se possuir declinação Norte. O resultado é a Ascensão Oblíqua. (no Hemisfério Sul as operações referidas invertem-se)

 


 

Ascensão Oblíqua

 

Os "Climas"

As 5 zonas climáticas originais num manuscrito do Somnium Scipionis de Macrobius       Climas - Cosmographia de P. Apianus

As 5 zonas climáticas originais num manuscrito do séc. XII do Somnium Scipionis de Macrobius; Os geógrafos da Renascença representavam habitualmente nove zonas (climas). À direita, exemplo da Cosmographia de Petrus Apianus, publicada pela primeira vez em 1524. Tal como a utilização do Norte no topo dos nossos mapas é convencional, não se tendo ainda estabelecido definitivamente no séc. XVI, também se utilizavam amiudadamente os paralelos dos climas em detrimento dos paralelos específicos de latitude.)


Aristóteles dividiu a Terra em cinco zonas, assumindo duas frígidas em redor dos pólos, uma inabitável zona tórrida centrada no Equador e duas zonas temperadas intercaladas (Meteorologica, II.5).

Os "climas" (Gr. κλίμα, klima, pl. κλίματα, klimata, "inclinação" ou "declive" [de um ponto geográfico em relação ao Sol, à Eclíptica]) da Astronomia (e Geografia) clássica e helenística, eram divisões da Terra em faixas paralelas de latitude, i.e. justamente limitadas por círculos paralelos e conhecidas pelo nome de cidades conspícuas ou representativas (Meroé, Siena, Alexandria, Atenas, Babilónia, Rodes, etc.). Trata-se de um conceito astronómico e geométrico. Não existindo ainda a "latitude" dividida em graus, utilizou-se a relação do comprimento das sombras gnomónicas equinociais dos diferentes locais da ecúmena (v. infra). O esquema mudou em função das épocas e autores. Parecem ter uma origem remota em métodos Babilónicos (O. Neugebauer, HAMA, 725 et seq.), com a relacionação do comprimento do dia (aqui em oposição à noite) com o momento em que "subiam" graus consecutivos da Eclíptica, Segundo Paul Kunitzsch, talvez tenha sido Eratóstenes o primeiro a utilizá-los. (La table des climats dans le corpus des plus anciens textes latins sur !'astrolabe, in: Science antique, Science medievale (Autour d'Avranches 235). Actes du Colloque International (Mont-Saint-Michel, 4-7 septembre 1998), ed. L. Callebat et 0. Desbordes, Olms-Weidmann, 2000, p.393).

A divisão ptolomaica septenária tornar-se-á, de certo modo, canónica.
O sábio alexandrino escalonou os climas em função do tamanho período de luz do mais longo dia do ano (i.e. Solstício de Verão). Cada um destes é definido como uma latitude que difere, das regiões adjacentes, um determinado intervalo no tamanho do maior dia do ano (o paralelo intermédio dos 7 climas tradicionais corresponde, aproximadamente, às latitudes (Norte): 16°, 24°, 30°, 36°, 41°, 45° e 48°).

Gnómon - projecções meridianas
Latitude e relação gnomónica na projecção meridiana (Aubry Gérard)

Ptolomeu adoptou um sistema de 7 "climas" (Almagesto 2.12) que começou no período Helenístico inicial e se tornou usual no contexto medieval e na geografia do mundo Islâmico (e.g., al-Biruni, al-Idrisi). O esquema funciona de modo a que a duração de horas diurnas no dia mais longo do ano (Solstício de Verão no Hemisfério Norte) incremente em intervalos de 1/4 de hora, desde 12 horas (no Equador) até 18 horas no paralelo equivalente a 58º. Depois, em passos maiores, até 24 horas no Árctico. É um procedimento com óbvia origem astronómica. Para utilização nas suas tabelas geográficas, reduz a sua lista de quase quatro dezenas de paralelos a apenas 11, 7 ou mesmo 5 (no Phaseis, Opera II, p. 4,3-20).

O conceito desapareceu mas a terminologia permaneceu até hoje, todavia referindo-se à predominância das condições meteorológicas regionais.



O Ângulo Horário

Astronomia e Navegação

Astronomia e Navegação: utilização do chamado "Bastão de Jacob" para medições angulares entre dois objectos (Jacques de Vaulx, Les premieres Oeuvres de Jacques de Vaulx Pilote pour le Roy en la Marine Contenantz Plusieurs Reigles Praticques Segrez Et Enseignementz très necessaires pour bien et seurement naviguer par le monde..., 1584)


Um círculo horário é um círculo máximo (i.e. que divide a esfera em dois hemisférios), perpendicular ao Equador. O ângulo horário (AH) é uma das coordenadas usadas no sistema equatorial para identificar a direcção de um ponto na esfera celeste. Particularmente utilizado na Navegação Astronómica.

O AH de um ponto é definido como o ângulo entre dois planos: o plano do meridiano local, formado pelo eixo da Terra e o zénite; e outro contendo o eixo da Terra e o ponto propriamente dito (na ilustração seguinte de H. Zimmer, o ângulo horário do Sol, in Chartrand, M. R., Amateur Astronomy Pocket Skyguide, Newnes Books, 1984)

Ângulo horário do Sol

Já referimos anteriormente um sistema de que recorre à Altitude e ao Azimute. Todavia, ambas as coordenadas se alteram com o tempo e a localização do observador,  só podendo ser usadas para identificar um objecto no céu num determinado momento específico. Existe um outro sistema que utiliza a Declinação e o Ângulo Horário. Este tem a vantagem de uma das coordenadas (Declinação) ser "fixa", baseada no plano do Equador Celeste, i.e. independente do local do observador. A direcção de referência é obtida através de uma linha do plano do Equador que simultaneamente atravessa o primeiro meridiano. Este meridiano é específico para cada observador, sendo o círculo máximo que passa pelos pólos e pelo zénite. [N.B.; este meridiano existe nas circunstâncias específicas, local/hora; não confundir com a referência global: o Meridiano de Greenwich, origem da medição da Longitude.]

O ângulo pode teoricamente ser medido em graus ou em tempo. É negativo a Leste do plano do meridiano e positivo a Oeste, ou simplesmente medido na direcção Oeste de 0h a 24h (360º equivale exactamente a 24h). O ângulo horário, emparelhado com a declinação, permite definir a localização exacta de um objecto.

Como Chris Kitchin explica (Telescopes and Techniques : an Introduction to Practical Astronomy (2nd ed.), (Patrick Moore’s Practical Astronomy Series), Springer, 2003, Section 2), o
Ângulo Horário (AH, HA em Inglês) de um objecto deve ser medido exclusivamente para Oeste a partir do Primeiro Meridiano (v. definição supra) em vez de na direcção Leste ou Oeste relativamente ao Meridiano de Greenwich. Em segundo lugar, a medida angular utiliza horas, minutos e segundos de tempo e não graus, minutos e segundos de arco. O valor do AH altera-se gradualmente, incrementando uniformemente com a passagem do tempo, enquanto o céu evolui no seu movimento diurno. O AH de um objecto (corpo celeste) equivale a 0h00 quando esse objecto cruza o meridiano. Repare-se que existe uma relação directa com o Tempo Sideral. Por exemplo, se o AH de um objecto é de 3h significa que a sua passagem meridiana aconteceu há 3 horas siderais.

Em navegação astronómica, reconhece-se a posição de uma estrela pela sua "longitude" ao longo do Equador Celeste, medida para Oeste em graus (0º a 360º) a parir do primeiro ponto de Aries. Este ângulo é chamado Ângulo Horário Sideral (SHA no acrón. em Inglês). Em astronomia mede-se na direcção inversa (a partir do mesmo ponto), utilizando horas, minutos e segundos de tempo (v. Evans, David Stanley, Astronomy : An Introductory Guide, The English Universities Press, 1970 (1952)).

Declinação e Ângulo Horario
Declinação e Ângulo Horário (Kitchin, C., Telescopes and Techniques, fig. 4.12; trad.)


Com este enfoque geográfico, a relação entre os ângulos horários de dois objectos (1 e 2) pode ser exposta do seguinte modo:
AH2 = AH1 - ΔLongitude_Oeste
ou...
AH2 = AH1 + ΔLongitude_Este
 
Δ = diferença; a Longitude é a diferença para o Meridiano de Greenwich.

Esta relação diz respeito ao AH em diferentes locais de observação, e.g., se um objecto tem AH = 1h a partir de um determinado local, estará nesse instante a cruzar o meridiano num segundo local geograficamente afastado 15º (1h) para Oeste do primeiro.


Na relação com a Ascensão Recta (
α, que é uma coordenada "absoluta", independente das circunstâncias locais) e com o Tempo Sideral Local (TSL; LST em Inglês), o Ângulo Horário Local (AHL; LHA em Inglês) de um objecto será:

AHL = TSL - α do objecto

Na relação com o Tempo Sideral do meridiano universal, i.e. Greenwich (TSG; GST em Inglês) e com a Longitude (λ), teremos:

AHL do objecto = TSG + λ do observador

α = Ascensão Recta; λ = Longitude do observador (positiva para Leste de Greenwich, negativa para oeste); TSG = Tempo Sideral de Greenwich; TSL = Tempo Sideral Local

N.B.: Quando uma estrela transita, i.e., quando se encontra no plano do meridiano, então o seu ângulo horário é zero e o Tempo Sideral Local nesse instante equivale à Ascensão Recta da estrela.


- "Ponto Geográfico" de um objecto (corpo) celeste é o ponto na superfície da Terra do qual o objecto se observa no zénite em determinado momento. A latitude desse ponto é equivalente à declinação do objecto celeste. A sua longitude equivale ao Ângulo Horário de Greenwich (GHA, em Inglês) desse objecto, se menor de 180º, ou 360º menos o Ângulo Horário, se exceder. No primeiro caso a longitude é Oeste, no segundo é Este. (Baker, R. H., Introduction to Astronomy (3rd ed.), D. Van Nostrand Company, 1947, p.65). Na navegação astronómica, a convenção determina medir o ângulo para Oeste a partir do Meridiano de Greenwich (ângulo horário de Greenwich, "Greenwich Hour Angle", GHA), do Meridiano Local (ângulo horário local, "local hour angle", LHA) ou do primeiro ponto de Aries, "Sidereal Hour Angle", SHA.


Ângulos fundamentais     Relação RA vs SHA
Principais ângulos de uma estrela ("STAR"), medidos na Esfera Celeste (imaginando que vemos a esfera "de cima" e "de fora", na perpendicular ao pólo); também se assinala o Ângulo Horário de Greenwich do primeiro ponto de Aries; o observador neste exemplo situa-se na longitude 30º Oeste. À direita, relação entre a Ascensão Recta ("R.A.") e o Ângulo Horário Sideral ("Sidereal Hour Angle"); (esquemas de David S. Evans)


Complementamos com resumo de David S. Evans (Astronomy : an introductory guide, The English Universities Press, 1970 (1952), pp.19-22), Utilizando uma determinada estrela e alguns conceitos já expostos, temos:
 
Ângulo Horário de uma estrela = Ângulo Horário do ponto Aries + Ângulo Horário Sideral da estrela 
ou
= Ângulo Horário do ponto Aries — Ascensão Recta da estrela.
 
Ângulo Horário Local da estrela = Ângulo Horário de Greenwich da estrela — longitude Oeste.
 
Ângulo Horário Local da estrela = Ângulo Horário de Greenwich do ponto Aries + Ângulo Horário Sideral da estrela — longitude do observador
ou
Ângulo Horário Local da estrela = Ângulo Horário de Greenwich do ponto Aries — Ascensão Recta da estrela — longitude Oeste do observador.
 
(N.B: como já vimos acima, a longitude Leste conta como negativa e deve ser somada; o resultado deve situar-se entre Oº e 360º (24h); caso não aconteça, deve-se somar ou subtraír múltiplos para que se verifique.)


- Nomograma para a Latitude 40ºN (por H. Robert Mill)
nomograma Lat. 40ºN 

Situando qualquer ponto através de dois dos parâmetros (Altitude, Azimute, Declinação e Ângulo Horário Local ["LHA" em Ing.]), obtêm-se imediatamente os restantes. Por exemplo: LHA e Dec. permitem saber Alt. e Azim. (e vice-versa); Alt. e LHA permitem saber Dec. e Azim. (e vice-versa); LHA e Azim. permitem saber Dec. e Alt. (e vice-versa).

Como exemplo, para o ponto P (desenhado no gráfico): LHA = 094º ou 266º, Alt. = 19º, Dec. = 34º e Azim. = 61º.
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Outra solução analógica de H. R. Mills relaciona (com razoável aproximação) o TS, o LMT (Tempo Médio Local) e a data. [O LMT difere do solar aparente pois não tem em conta a Equação do Tempo, v. infra]. Qualquer um destes valores pode ser encontrado sabendo os outros dois, fazendo passar uma linha recta através das escalas.

Na ilustração seguinte (que somente representa parte do nomograma) a linha demonstra que em 31 de Janeiro, quando o Tempo Sideral é aproximadamente 4h30m, o Tempo Local Médio é de 20h00.

Mills - nomograma ST-LMT-DATE 
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A Equação do Tempo

O Tempo Solar Médio (TSM) pode ser definido como o Ângulo Horário (AH) do Sol acrescido de 12 horas. Estas horas extra fazem equivaler as 0h00 (referência) à Meia-Noite. O sol "médio" é um corpo convencional (i.e. imaginário) que se move tendo como referência o Equador (e não a Eclíptica) a uma velocidade uniforme, percorrendo 360º em exactamente 1 ano. O TSM é pois uma medida uniforme também conhecida como "tempo civil", o que usamos na vida quotidiana (excepto quando se fazem ajustamentos como a chamada "Hora de Verão", etc.). O Tempo Solar aparente ou verdadeiro, o do relógio de Sol, difere geralmente do TSM devido a:

a) o Sol move-se percorrendo a Eclíptica (não o Equador);
b) o Sol verdadeiro move-se a uma velocidade não uniforme pois a órbita da Terra é elíptica, sendo o movimento orbital não uniforme da Terra a determinar o movimento anual do Sol no céu.

A diferença entre o Tempo Solar verdadeiro e o TSM é a chamada Equação do Tempo. (Kitchin, Op. cit., pp.85-6)
 
O Tempo Sideral Local (TSL, LST em Inglês) equivale ao Ângulo Horário (AH) do
primeiro ponto de Aries (o sítio do Ponto Vernal). Tal como o Tempo Solar Médio (TSM), varia em função da longitude.
 
TSL = TSG - ΔLongitude_Oeste
ou...
TSL = TSG + ΔLongitude_Este

(Δ = diferença)

  N.B. Nos almanaques, o Tempo Sideral de Greenwich (GST em Inglês) é tabelado para as 0h00.
 
Do mesmo modo, verifica-se uma relação do TSL com a Ascensão Recta (AR) e o Ângulo Horário (AH) de determinado objecto (corpo celeste):
TSL = AR + AH (de um dado objecto específico). Pois o Tempo Sideral no Meridiano local é tão somente o AH do primeiro ponto de Aries
(o sítio do Ponto Vernal, ♈︎ )

Em resumo, a Equação representa a evolução anual da diferença entre a posição real do Sol, em cada momento, e a posição que ele ocuparia nesse momento se o eixo da Terra fosse perpendicular à Eclíptica e a órbita terrestre circular. Na prática, o Sol parece mover-se mais rapidamente ou mais lentamente, principalmente por causa da variação da velocidade orbital da Terra. Resulta da combinação do efeito da excentricidade da órbita terrestre com a inclinação do seu eixo de rotação em relação à Eclíptica. Os relógios (convencionais) que utilizamos são regulados por um "Tempo Solar Médio", uniforme, referência que conhecemos do tempo GMT ou UT. A diferença, ao longo de um ano, entre o tempo lido a partir de um relógio de Sol (Tempo Solar Aparente, não uniforme, observado) e o tempo civil (Tempo Solar Médio) é a Equação do Tempo.

A Equação do Tempo é também uma descrição das características horizontais do analema da Terra (v. infra), uma curva em forma de '8' assimétrico que representa graficamente a posição do Sol no céu à mesma hora em cada dia do ano.

Equação do tempo

A Equação do Tempo é o nome dado à quantidade que deve ser acrescentada (ou subtraída) ao "tempo médio" (ou legal, do relógio) para obter o "tempo aparente", o dos fenómenos, i.e. do relógio de Sol. É a diferença entre o Tempo Médio e o Tempo Aparente, No passado, "equação" significava algo a ser acrescentado para alcançar uma equivalência. A curva do gráfico mostra os valores do Tempo Aparente ao longo do ano. (Muirden, J., Astronomy Handbook, Arco Publishing, Inc./ Kingfisher Books, Limited, 1982, p.33). Neste outro esquema (Mills, H. Robert, Practical Astronomy... Op. cit., 1994, p.95) observa-se que a linha do gráfico é uma combinação de duas outras: a que representa a componente da excentricidade da órbita terrestre e a que representa a inclinação da Eclíptica.


Como exemplo, para conhecermos o Meio-Dia verdadeiro, astronómico, num determinado local geográfico a oeste do meridiano de Greenwich (e.g., em Portugal) para determinada data, precisamos acrescentar (às 12h00) 4 minutos por cada grau de longitude a oeste do meridiano de referência, que é o de Greenwich (acautelando mais 1 hora caso vigore a chamada Hora de Verão, UT+1) e depois, em função do dia específico do calendário, acrescentar ou subtrair os minutos indicados na tabela da Equação do Tempo (nas datas situadas na zona a verde (na figura acima) adicionamos, pois o Sol está "atrasado"; nas da região a castanho subtraímos pois o Sol está "adiantado")

O Analema é a figura com com a forma de "8" trilhada pelo Sol se visto de um local específico ao longo do ano, à mesma hora. Se todos os dias registarmos uma captação do Sol à mesma hora e com uma câmara apontada na mesma direcção, obteremos uma foto compósita como a que segue (fonte: Dennis di Cicco / Sky & Telescope):


A inclinação do eixo terreste relativamente ao plano da sua órbita determina, como sabemos, o aparente movimento ascendente e descendente do Sol ao longo do ano. O analema mede duas vezes esse ângulo (47º, na vertical). O movimento lateral aparente é devido ao acumular, dia após dia, da diferença de alguns segundos a que se assiste no seu movimento aparente para Leste. No analema, o Sol está no ponto mais baixo em 21 de dezembro. "Move-se" no sentido ascendente até 21 de junho e volta a "descer" essa curva até voltar ao primeiro ponto. Passou um ano.


O analema é a representação gráfica da Equação do Tempo, que mede a diferença entre a Ascensão Recta do Sol médio e a Ascensão Recta do Sol verdadeiro, num determinado instante. (Vallières, J., Devenez astronome amateur, Québec Science Éditeur, 1980, p. 60)


- Relógios de Sol (tipologias principais):

1) Os "Equatoriais", que possuem um gnómon ou estilete paralelo ao eixo da Terra, em torno do qual o Sol parece rodar 15º por hora;
2) Os que se baseia na Altura (Altitude) do Sol sobre o horizonte;
3) Os que dependem do azimute do Sol, ou os conhecidos como "analemáticos". Possuem geralmente um estilete vertical adaptável à declinação solar.


Tempo Universal e Tempo Universal Coordenado

O Tempo Universal (UT, Universal Time) equivale, na prática, ao antigo GMT (Tempo Médio de Greenwich), O Tempo Universal Coordenado é uma escala de tempo que acrecenta as qualidades de precisão do Tempo Atómico Internacional (International Atomic Time, IAT; TAI em Português). É pois designado com o modificador "Coordenado" pois, eventualmente, é ajustado (devido às oscilações da duração da órbita da Terra, i.e. movimentos dos pólos e variações sazonais da rotação) ao TAI, quando se afasta deste mais do que 0.9s. Somente relevante quando estão em causa fracções se segundo. De outro modo, equivale ao GMT.


Períodos Planetários

O tempo que um planeta demora a percorrer a sua órbita uma vez (período orbital) é habitualmente chamado o "período sideral" do planeta, uma variável fundamental. Todavia, a nossa observação dos planetas é feita a partir da Terra, que está em movimento. Logo, não observamos o período sideral directamente mas sim o período requerido pelo planeta para voltar à mesma posição relativamente à Terra e ao Sol. O intervalo entre dois retornos sucessivos à mesma posição relativa (e,g,, entre suas oposições) é o chamado "período sinódico" desse planeta.
 
- Relação entre ambos os períodos:
 
VAR = 360/T - 360/P = 360/S
 
VAR - Velocidade Angular Relativa
T - período sideral da Terra (= 1 ano)
P - período sideral do planeta
S - período sinódico do planeta
(360 pois a circunferência perfaz 360 graus)

 
Utilizando o ano (T = 1) como unidade, temos para um planeta exterior:
P = S / S - 1
e para um planeta interior:
P = S / S + 1

(v. Kirchin, Op. cit., pp.121-2)






Medição da Longitude de uma Estrela (na Época Helenística)

A referência é o Ponto Vernal (ou primeiro ponto de Aries). Se se conseguísse medir a distância angular entre o Sol e uma estrela situada na Eclíptica, determinava-se directamente a longitude desta. Mas nunca se consegue observar ambos os astros em simultâneo (devido ao brilho solar). Foram gizados dois métodos e ambos utilizavam a Lua. O de Hiparco utilizava os eclipses lunares. O de Ptolomeu (explicado no Almagesto) funcionava a dois momentos, sendo demonstrado na seguinte ilustração.

Medição Longitude Estrela - Método de Ptolomeu

Pouco antes do ocaso, media-se o arco de longitude entre a Lua e o Sol (neste momento a estrela ainda seria invisível devido ao brilho solar). Um pouco mais tarde, avançando o crepúsculo e estando a estrela visível, media-se o arco longitudinal entre esta e a Lua.

Ou seja: Longitude da estrela = longitude do Sol + Arco de longitude entre o Sol e a Lua + Arco de longitude entre a estrela e a Lua + correcção

O primeiro termo era conhecido e consultado numa tabela ("lugar do Sol" para a data específica), o segundo e terceiro resultam da observação com uma esfera armilar com componentes para visada. O último, a correcção, é mais complexo. Tem em conta dois detalhes: o movimento da Lua para leste ao longo da eclíptica (circa 12º por dia, 1/2º numa hora) e a sua paralaxe (diferença entre ambas as observações), utilizando a trigonometria. A partir da medição de uma estrela pivotal, extrapolava-se para outras estrelas, pois distâncias angulares entre estas são "fixas". (Ilustração e explanação completa em Evans, J., The History and Practice of Ancient Astronomy, Oxford University Press, 1998, pp 250 et seq.).



"sozein ta phainomena" (σῴζειν τὰ φαινόμενα): "salvar" ou "preservar" os fenómenos

Quanto à Terra, o nosso sustento, a qual roda em torno do eixo que atravessa o universo, foi estabelecida como guardiã e produtora da noite e do dia; ela que é a primeira e a mais velha das divindades geradas dentro do céu. Explicar as danças destes astros e as confluências que mantêm uns com os outros, os recuos e os avanços dos seus círculos, uns em relação aos outros, quais são os deuses que se encontram em conjunção e quantos estão opostos uns aos outros, e ainda quais se colocam uns diante dos outros e durante quanto tempo se escondem de nós para tornarem a aparecer, e enviam maus presságios e sinais de eventos que hão-de acontecer àqueles que não conseguem entendê-los à luz da razão, sem ter diante dos olhos uma imitação destes fenómenos [...]. (Timeu, 40c)

Segundo Rudolfo Lopes (ed., trad,), "ao começar a descrever os atributos do objecto em estudo, Timeu dá-se conta de que o mundo pertence à ordem do devir, pois apresenta todas as características do sensível: é visível (oratos: 28b7), tangível (aptos: 28b7) e tem corpo (sôma echôn: 28b7). Ora, se o mundo é deveniente, como produzir um discurso verdadeiro e estável sobre ele? É da resposta a esta pergunta que depende a validade de toda a proposta cosmológica." (Timeu-Crítias, Tradução do grego, introdução, notas e índices), Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos - Universidade de Coimbra, 2011, p.33)

A questão sobre como acautelar os phainomena resulta da perplexidade de Platão, no Timeu, com a “dança dos astros”, as regularidades e, consequentemente, as irregularidades incompatíveis com a natureza circular e uniforme da idealização expendida. Platão menciona que para podermos investigar os fenómenos “à luz da razão”, faz-se necessário ter contacto com a “imitação destes fenómenos”. Aqui surge pela primeira vez a noção de phainomena como chave para a interpretação. Da procura de soluções resultam as soluções ulteriormente desenvolvidas, a partir de Eudoxo.

 

A Esfera Armilar

“O ceo consta de muitos corpos conjuntos, como tratamos no nosso liu. da Sphaera, que se fora hum corpo, contradezia a todo o natural poderse nelle fazer tantos, & tão diversos mouimentos como parecem; & aísi pella investigação dos mouimentos diversos, & corpos lúcidos, se alcãçou o numero dos ceos. Em tempo de Aristoteles, se consideraram somente oito; Hyparco, & Ptolemeo, acharão ser noue; el Rey Dom Affonso por muitas investigações, & experiencias alcançou serem dez; afora o Empyreo que poem os Theologos, don de he o lugar & morada dos bemauenturados, pois a ordem e sitio que tem hũs com outros he na forma seguinte.” (segue-se gravura c/ ilustração convencional das esferas concêntricas)

(André do Avelar, Chronographia ou reportorio dos tempos: o mais copioso que te agora sayo a luz conforme a nova reformação do Santo Padre Gregorio XIII, Nesta quarta impressam reformado, accrescentado pello mesmo author (Impresso  em Lisboa: por Jorge Rodriguez a custa de Estevão Lopez mercador de livros, 1602), p.161)


A partir do séc. III a.C., objectos concretos - esferas, globos, máquinas cosmográficas - materializaram teorias e representações do Universo, servindo a observação (e medição) ou a demonstração. Não se sabe qual das funções, demonstrativa ou observacional, é mais antiga (e
xistem referências a esferas de maiores dimensões vocacionadas para a segunda).

A Esfera Armilar pode ser descrita como um "esqueleto" da Esfera Celeste ou um "Modelo do Universo". Algumas fontes recuam a sua origem a Anaximandro de Mileto (séc. VI a.C.). Hiparco (c.190–120 a.C.) reconhece Eratóstenes (276–194 a.C.) como o seu criador. Intimamente relacionadas e confundidas com os globos, quase não há vestígios de exemplares antigos ou medievais.

Segundo Mercè Comes (Alfonso X's Armillary Sphere [XXII International Congress on the History of Science, Beijing, 2005]), Ptolomeu descreveu no Almagesto um instrumento chamado astrolabon, composto por sete anéis e utilizado para observar os objectos celestes, principalmente as estrelas.

Estrutura do astrolabon:
1) anel da eclíptica
2) anel do coluro solsticial
3) primeiro anel de longitudes
4) segundo anel de longitudes
5) anel das latitudes com pontaria
6) e 7) duplo anel do meridiano


Na igualmente influente Geographia (gr. Γεωγραφικὴ Ὑφήγησι), o sábio alexandrino mencionou outro equipamento semelhante, o meteoroscópio, com mais dois anéis (um para o Equador e outro azimutal), vocacionado para a resolução de problemas de Geografia e Astronomia Esférica. Ptolomeu utilizou coordenadas eclípticas.

Encontramos comentários e paráfrases das descrições observacionais de Ptolomeu em autores como Pappus (séc. IV AD) e Proclus (c.412-485). Teão (Θέων) de Alexandria (séc. V), um dos comentadores do Almagesto, descreveu de modo detalhado a instrumentação ptolomaica. Mais tarde, surge no contexto Islâmico um terceiro instrumento que era uma combinação dos anteriores. Em Árabe, uma esfera armilar é designada Dhāt al-ḥalaq. A esfera armilar descrita no ‘Libro de las Armellas’ de Alfonso X (meados do séc. XIII), que pertence aos Libros del Saber de Astronomía, é baseada em tratados árabes, por seu lado respaldados em Ptolomeu. De facto, As esferas ibéricas do séc. XII podem (como referido pelos editores da Enciclopedia Britannica, consultada em linha), ter sido os protótipos de todas as ulteriores esferas construídas na Europa ao longo dos séculos seguintes. No séc. XVI, Tycho Brahe construirá diversas, tanto nas configurações eclípticas como equatoriais. Todavia, as práticas observacionais evoluiram rapidamente e em breve a esfera armilar se tornaria obsoleta.

Na antiga China foi supostamente independentemente inventada por Luoxia Hong (séc. I a.C.) e desenvolveu-se durante a dinastia Han (Sun, X. (2015). Chinese Armillary Spheres. In: Ruggles, C. (eds.) Handbook of Archaeoastronomy and Ethnoastronomy. Springer). Os instrumentos extremo-orientais eram equatoriais e não eclípticos, e incluiam tubos de visada em vez de anéis ou alidades com "pontarias" (vide introdução do cit. paper de Mercè Comes, 2005). Aí assumiram uma função predominantemente demonstrativa, daí por vezes o recurso documentado a um mecanismo de rotação automática (e.g., o equipamento movido pela força da água desenhado por Su Sung no séc. XI), As tradições Ocidentais e Chinesa convergiram no séc. XVII com a chegada dos Jesuítas ao Império do Meio.

A esfera armilar também foi utilizada na Índia desde cedo. Chamada Golabandha ou Gola-yantra ("instrumento esférico"). É mencionada nos tratados de Āryabhata (476 A.D.). Entre outros citáveis, o Goladīpikā é um tratado detalhado acerca dos globos e da esfera armilar, coligido entre 1380 e 1460 por Parameśvara (K. V. Sarma (2008), Armillary Spheres in India; in: Selin, H. (ed.) Encyclopaedia of the History of Science, Technology, and Medicine in Non-Western Cultures. Springer, Dordrecht).


Esfera armilar
Esfera armilar segundo descrição de Regiomontanus, editada por J. Schöner (Scripta clarissimi mathematici Ioannis Regiomontani, Nuremberga, 1544)

Esfera armilar

Atlas suportando os céus (representados como uma esfera armilar); gravura de William Cunningham, The Cosmographicall Glasse, Londres 1559

 


A Esfera Armilar foi a materialização de um modelo do Universo; Petrus Apianus, Cosmographicus liber, 1524

 

 

Tratado da Esfera

Tradução portuguesa (circa 1510) de uma edição do célebre De sphaera mundi, o Tratactus de Sphaera de Sacrobosco (autor do séc. XIII). Segundo L. Thorndike, Sacrobosco "fundiu Macrobius e Ptolomeu, recobriu tudo com Alfraganus e o seu livro permaneceu na moda por cinco séculos" (The Sphere of Sacrobosco and its Commentators, Chicago, 1949; [trad. nossa]).



O sextante

Sextante
Esquema do funcionamento do sextante (D. S. Evans)

O sextante é o epítome do instrumento náutico. O seu principal uso é medir o ângulo entre um objeto astronómico e o horizonte para fins de navegação astronómica. Utiliza um sistema de dupla reflexão. O princípio do sextante está simplificadamente ilustrado neste esquema de David S. Evans (Op. cit., Fig.4). M e M' são dois espelhos planos, o primeiro fixado na estrutura do instrumento enquanto o segundo (o espelho "do horizonte") está montado num braço rotativo que permite o movimento do ponteiro P sobre o arco graduado A. T é um pequeno telescópio através do qual o operador ou utilizador faz a visada. Quando o faz, observa duas imagens: uma é a do Horizonte, que chega ao telescópio seguindo o percurso luminoso horizontal H, atravessando o espelho M' (este espelho especial tanto reflecte como permite que a luz o atravesse). Simultaneamente, o utilizador observa a imagem do astro, cuja luz segue o caminho S, é reflectida em M, depois em M' para finalmente entrar no telescópio T. Isto acontece apenas quando quando M está no ângulo correcto em relação ao astro medido. Como P se move ao longo do arco A, em determinado momento o astro será observado no campo de visão exactamente alinhado com a linha do Horizonte. Lê-se então a medida na graduação inscrita no arco A.
 
Como se sabe, segundo a Óptica, inclinar um espelho segundo um determinado ângulo determina que ele reflicta um raio de luz segundo um ângulo que é o dobro do inicial. O sextante acautela esta característica e a sua escala já está graduada com separações de "meios-graus", permitindo ler directamente o resultado.
 
Quando M e M' estão paralelos, o utilizador observa o Horizonte directamente através de M' e, em simultâneo, duplamente reflectido por M e o próprio M'. PM será então paralelo plano do espelho M' e a escala em A indicará 0º. O ponto zero e início da escala graduada fica aí, à direita na ilustração. Os sextantes incluem outros refinamentos, tais como escalas vernier para leituras ainda mais precisas ou filtragem no telescópio para proteger o utilizador quando "mede" o Sol. A altura do observador pode ser geralmente negligenciada mas não é o caso se observa de um ponto elevado ou em aviação. Nesses casos há uma correcção que deve ser subtraída ao resultado obtido na medição (v. Evans, D. S., Astronomy: an introductory guide, Op. cit., pp.6-7)


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