O
Céu Mapeado
"E o esplendor dos mappas, caminho abstracto para a imaginação concreta,
Lettras e riscos irregulares abrindo para a maravilha."
(Álvaro de Campos, "Poemas")
Olha, por outras partes, a pintura
Que as estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo.
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira
(Os Lusíadas, Canto X, 88)
As
constelações são actualmente reconhecidas pela União Astronómica
Internacional como áreas do céu delimitadas por arcos de ascensão recta e paralelos de declinação (sistema de coordenadas equatoriais, vide pág. Esfera). Mas os desenhos tradicionais a que ainda nos referimos baseiam-se em imagens
imaginadas há muito tempo, não sabemos quando: talvez desde tempos
imemoriais no caso das circumpolares ou de asterismos como as Plêiades; sabemos que outras eram reconhecidas há alguns milénios (entre estas a maior parte das que fazem parte do zodíaco); outras ainda, bem mais recentes, nos "vazios" deixados pelas antigas e nas regiões austrais entretanto cartografadas, têm
somente alguns séculos. Um
maravilhoso percurso de intercâmbios culturais fez com que tenhamos
herdado um acervo histórico de constelações 'gregas' com origem que parece ser
prioritariamente mesopotâmica,
designadas em em Latim e povoadas por muitas estrelas
cujos nomes eram originalmente arábicos ou foram, entretanto, "filtrados" pela língua Árabe a partir
das
descrições helenísticas (nomeadamente as do catálogo de Ptolomeu,
coligido no séc. II),
gradualmente entrando nos nossos mapas com maior ou menor adequação às eventuais
referências originais, através de transliterações e grafias diversas e mais ou
menos corrompidas.
Muitos nomes em Árabe referiam-se às figuras ptolomaicas; outros recolhiam-se nas tradições beduínas: "So
that we find among them the nomads’ words for shepherds and herdsmen
with their maidens; horses, horsemen, and their trappings; cattle,
camels, sheep, and goats; predatory and other animals ; birds and
reptiles. (...) They had, too, still another class of names peculiar to
themselves, such as Al Saidak, Al Simak, Al Suha, respectively the.
Trusted One, the Lofty One, the Neglected One; their Changers, Drivers,
Followers, and Wardens ; their Fortunate, or Unfortunate, Ones, and
their Solitary Ones, etc." (Allen, Star-Names and Their Meaning,
G. E. Stechert, 1899, xiii). A sobreposição é interessante e radica em
grande parte na recolha desse folclore por parte dos próprios
astrónomos Islâmicos eruditos, ainda na Idade Média. Depois há a
incortornável variedade na grafia dos nomes, fruto de transliterações e
das cópias menos escrupulosas ou simplesmente incompetentes. E ainda
há pior: Ascelinus de Augsburgo (início do séc. XI) ou algum copista
pretérito, por exemplo,
conseguiu, numa versão de uma lista de estrelas para uso no astrolábio,
separar e recompor três dos nomes (que já eram transliterações) de
maneira absolutamente inacreditável, colocando o genitivo à frente do
nominativo [ acrescentamos entre parêntesis as
versões dos nomes que mais tarde se tornaram comuns nos atlas]: patangaitoz (Baten Kaitos), denebgaitoz (Deneb Kaitos) e denebaliedi (Deneb Algedi) passaram a ser, respectivamente, gaitozpatan, gaitozderep e liedideneb.
E este trabalho foi ulteriormente copiado. Nos séculos seguintes,
diversos autores e astrónomos europeus foram
coleccionando e
coligindo nomes das estrelas de textos antigos ou estudos filológicos e
introduzindo-os no uso astronómico. Muitos nomes são reintroduzidos,
com maior ou menor assertividade, desde a Renascença, Por exemplo
Petrus Apianus (com
nomes retirados, não sabemos bem em que circunstâncias, do catálogo de
al-Sufi), mais tarde Johannes Bayer (no seu Uranometria de 1603) ou Giuseppe Piazzi (no Catálogo de Palermo,
1814). Entretanto, o influente cartógrafo Antonín Bečvář também parece ter
inventado alguns novos nomes (e.g., Achird, Hatysa, Tyl), em meados do século XX. Os nomes de uso
comum e atribuições específicas que prevaleceram
radicam no que foi publicado nos atlas e catálogos mais divulgados e
influentes e não no escrúpulo filológico. Ecos de antigos nomes podem ainda, por vezes, ser
detectados. Outras vezes simplesmente não existem, são equivocados ou já não é
possível inferir uma origem ou um itinerário.
Eugène Delporte, um dos mapas da sua Délimitation scientifique des constellations, 1930 (Bibliothèque de l'Observatoire de Paris,
3817). Trata-se da delimitação oficial efectuada sob a égide da União
Astronómica Internacional (organização fundada em 1919). A UAI
normalizou os limites segundo arcos de Declinação e Ascensão Recta (ver detalhe de carta de Delporte com coordenadas apontadas) para
a data convencional ("epoch") de 1875 (1 de Janeiro). Esta data foi
escolhida por compatibildade com o trabalho pretérito já efectuado nas
constelações do hemisfério sul, seguindo as mesmas convenções, por
Benjamin Apthorp Gould (1824–1896).
Sabemos que os povos da antiga Mesopotâmia já utilizavam, no segundo
milénio a.C. um sistema de constelações bem estabelecido,
particularmente na faixa do céu onde se observam os percursos dos
planetas e luminares, em especial o chamado "Caminho da Lua". Conhecemos listas
de estrelas em escrita cuneiforme datadas do sétimo século a.C. (a
série MUL.APIN,
nome atribuído pelos historiadores a partir no primeiro nome aí
grafado). As constelações dos Sumérios e Babilónios revelam semelhanças
com as figuras que conhecemos, desvelando em muitos casos a inequívoca
filiação e ancestralidade. Outra pista importante é o facto de a "esfera"
posteriormente descrita na Grécia deixar um "vazio" em redor do pólo
austral. Pela extensão da região despovoada e ponderando o efeito da Precessão dos Equinócios
para
época em causa, sabemos que a latitude dos inventores das constelações
deverá ter sido aproximadamente 35–36° Norte, o que coincide com a
região do Oriente
Próximo em causa. Acresce a temática adoptada, com figuras que se
relacionam com esse contexto cultural e geográfico, na imagética
ancestral que conhecemos. Apesar da tradicional reverência cultural
dos autores gregos, sabemos que as imagens autóctones do Egipto
traduziam, naturalmente, características e criaturas locais
(crocodilos,
hipopótamos, etc.). Ou seja, os registos arqueológicos e iconográficos
apontam na mesma direcção da abordagem arqueoastronómica e
da hermenêutica de narrativas que foram, em grande parte, mais tarde
adoptadas e adaptadas pela cultura helénica. Tudo aponta para que
grande parte das
constelações, nomeadamente as que ocuparão o Zodíaco, se tenham
desenvolvido nas
margens do Eufrates.
As mais antigas referências Gregas a constelações/asterismos encontram-se em Homero (séc. IX a.C.), quando na Ilíada descreve a intrincada decoração do escudo do herói Aquiles, forjado por Hefesto (Hēphaistos). Esta obra menciona as Plêiades, Orion e a Ursa (i.e. o asterismo principal da actual Ursa Major). Já na Ilíada as sentinelas de Tróia rendia a guarda tendo como referência a direcção apontada pela cauda da Ursa (Maior). Na Odisseia (V, 271-7) lemos referências às Plêiades, a Bootes, Orion e novamente à Ursa, também chamada "Carroça"; "which men also call the Wain" (Homer. The
Odyssey with an English Translation by A.T. Murray, PH.D. in two
volumes. Cambridge, MA., Harvard University Press; London, William
Heinemann, Ltd. 1919). A figura que conhecemos como "Ursa Menor"
não é mencionada, sendo pertinente acrescentar que a estrela a que
chamamos "Polar" estava nessa época, devido à já mencionada Precessão, distante do pólo celeste, o que tornava aquela região da abóbada muito menos relevante). Hesíodo (Opera et dies, "Os Trabalhos e os Dias"), séc. VIII a.C., refere as tarefas agrícolas em consonância com o nascimento [helíaco, equivalendo a uma data próxima dos meados do nosso mês de Maio]
e o ocaso [matutino, em Novembro] das Plêiades. Também menciona Arcturus, as Híades e Orion. Arcturus e Sirius são as duas estrelas mais destacadas nestas obras. Não há, nessa época recuada, qualquer evidência do conhecimento das
constelações do Oriente Próximo, nomeadamente das zodiacais.
Astronomia e agricultura estão intimamente relacionadas. As Geórgicas (Georgica) poema em quatro livros de Virgílio, 29 a.C., tem como tema, como o nome sugere (da palavra Grega γεωργικά, geōrgiká, i.e. "(coisas) agrícolas", a
Agricultura. Epitomiza o indispensável conhecimento da meteorologia e
das estações mas não adopta uma perspectiva bucólica (como nas Eclogae),
espelhando as tensões ou tribulações inerentes e também uma forte
componente política na apologia do Imperador. A obra de Columella (c.
70 AD) é mais focada e considerada o reportório mais extenso e documentado sobre agricultura romana (Res rustica; o Liber de arboribus é-lhe habitualmente atribuído).
Confirmando de modo independente a abordagem e conclusões de Hermann Hunger e David Pingree (Astral Sciences in Mesopotamia,
Brill, 1999), Bradley E. Schaefer procurou situar a geografia e período
formativo de um importante grupo de constelações que serão adoptadas e
adaptadas pelos Gregos. Segundo Schaefer (The Origin of the Greek Constellations. Scientific American, 295, November 2006, pp. 96-101): "I
find that the reports in MUL.APIN date to 1100 B.C. (with an
uncertainty of 80 years) from a latitude of 33 degrees north (with an
uncertainty of 1.5 degrees). Most of the Mesopotamian constellations
and observational data were made from near a latitude of 33 to 36
degrees between 1300 and 1000 B.C." (p.99). Acrecenta: "The
idea behind this calculation is that the stars too far south to be
visible from a mid-northern site would form a roughly circular void
centered on the South Pole" (ibid.).
O "círculo vazio" próximo do pólo austral denuncia a latitude dos
criadores destas constelações. Schaefer considerou evidentemente a
variação precessional (que gradualmente altera as coordenadas)
para a determinação da época relevante. Deste modo considera possível, por
exemplo, situar o hipotético original grego do chamado "Atlas Farnese" (v. infra),
com as suas representações em relevo das principais constelações e dos
círculos máximos fundamentais, numa data por volta de 125 a.C. (ibid., p.100).
D. R. Dicks (Early Greek Astronomy to Aristotle,
Cornell University Press, 1970, n.263 (p.249) afirmava, com
argumentos que merecem ponderação, desconfiar deste tipo de
procedimento, particularmente devido ao desconhecimento dos limites das
antigas constelações (que foram sofrendo alterações sucessivas como o
próprio Ptolomeu confirmou) e ao nível de precisão envolvido (que
considera amiudadamente sobreestimado): "...such
comparisons are of very doubtful validity, since we know neither the
exact boundaries of the ancient constellations, nor the latitude of the
original observations, nor the standard of accuracy involved; the
latter especially, one suspects, is commonly overestimated by modern
commentators."
Devido à precessão, Taurus, constelação decerto respaldada no GUD.NA.NA Babilónico (B. L. van der Waerden, Erwachende Wissenschaft, Band 2: Anfänge der Astronomie. Birkhäuser, (Basel/Stuttgart, 1968, p.68 [reeditado pela Birkhäuser em 1980]), já albergou o Ponto Vernal e esta tradição da "abertura" do ano sobrevive, por exemplo, em Virgílio, Georg. 1.217—18: "candidus auratis aperit cum cornibus annum...".
Taurus (Johann Bayer, Uranometria; Augustae Vindelicorum (Augsburg), 1603)
Roslyn M. Frank, Origins of the “Western” Constellations,
in: Ruggles, Clive N. L. (ed.), "Handbook of Archaeoastronomy and
Ethnoastronomy", Springer, 2014 [copyright note: 2015], vol.1, pp.147-163, refere (p.149) as duas
metodologias com maior visibilidade na abordagem da génese das
constelações: os que advogam um modelo uniformista defendem que as
constelações foram "desenhadas" numa época definida dando seguimento a
um propósito. Este modelo procura determinar a data e a latitude dos
hipotéticos "inventores". A perspectiva recua a R. Proctor (1877) e R.
H. Allen (1899) e continua com E. W. Maunder (1922 [1908]) ou M. W.
Ovenden (The origin of the constellations,
Philos. J. 3(1), 1966, 1–18). Por outro lado, o modelo gradualista,
actualmente muito mais disseminado advoga um processo longo e
diversificado. Segundo Owen Gingerich: “a long-evolved mixture including elements from very ancient cultures...” (Astronomical scrapbook. The origin of the zodiac, "Sky&Telescope", 67 (March 1984): 220). Segundo Frank, os mitos que revestem as constelações em obras como os Catasterismi do pseudo-Eratóstenes, a Astronomica atribuída a Higino ou os Fasti ("Fastos") de Ovídio são apenas racionalizações mitológicas de algo que já existia ("etiological stellar myths intended to explain the name, shape, or prior associations of the constellation figure.", p.149), concordando com D. R. Dicks (Early Greek astronomy to Aristotle, Cornell University Press, 1970, p.159). É um facto, por exemplo, que o próprio Aratus nada sabia da figura que se chamará Hercules,
que será baptizada mais tarde. Também refere algo que Hiparco já havia
verificado: a "desactualização". As fontes de Aratus ou Eudoxus parecem
radicar numa tradição algo "fossilizada" que, por razões que não
entendemos claramente, já nessa estava época desfasada dos fenómenos, i.e.
do que se podia observar de facto no céu, devido à precessão (p.158), revelando origem mais
remota. A autora refere que das 48 constelações ptolomaicas, somente um
pequeno grupo veio da Babilónia, nomeadamente as zodiacais [ignora a
"anomalia" da constelação Aries, que substitui uma figura "original" diferente] e quatro "para-zodiacais" (Hydra, Corvus, Aquila e Piscis Austrinus).
Quando importadas pelos Gregos, foram eventualmente combinadas com
outras (não-zodiacais) cujas origens desconhecemos, para formar o mapa
estelar clássico. (p.150) A importação das constelações zodiacais não
pode ter acontecido antes de meados do 1º milénio, pois, como J. H.
Rogers refere (Origins of the ancient constellations: I. The Mesopotamian traditions.
J. Brit. Astron. Assoc. 108(1), 1998, 9–28), antes dessa época o próprio
Zodíaco não havia ainda sido reconhecido. Na sequência do seu estudo, Frank
expende algumas pespectivas acerca de interpretações arcaicas dos céus
boreais, relacionando aspectos do folclore que se referem à imagética
em torno do urso e, por exemplo, os mitos deste animal como antepassado dos
humanos ("Bear’s Son") num
contexto de sociedades caçadoras-recolectoras (e não agro-pastorais) de
latitudes elevadas, particularmente na Eurásia e, ainda com maior
precisão, recuando à Europa pré-Indo-Europeia (cita algumas referências
e estudos, nomeadamente os da sua lavra, de 2008 e 2009). As
constelações boreais da Ursa Major (i.e. o seu asterismo fundamental) e Bootes
(sempre inter-relacionadas) recuariam, nesta perspectiva, a épocas
extremamente remotas. Uma abordagem interessante e até plausível mas,
na nossa opinião, dificilmente fundamentável no registo arqueológico e
demasiado focada num "mitema" particular. [A mesma autora explora
outros temas extremamente difundidos, como o da "Caçada Cósmica",
envolvendo constelações
boreais como a Ursa, em "Skylore of the Indigenous Peoples of
Northern Eurasia", Op. cit., vol.3, Part X, ch.151.]
Recentemente,
o historiador e mitólogo Francês Julien d’Huy analisou quarenta e sete
versões do mencionado tema da "Caçada Cósmica" de diversas partes do mundo,
separarando-os em componentes individuais ("mitemas") e tratando os
dados estatisticamente numa perspectiva filogenética. Chegou à
conclusão de que a provável origem se encontra no norte da Eurásia,
disseminando-se posteriormente. (“Un ours dans les étoiles, Un ours
dans les étoiles, recherche phylogénétique sur un mythe préhistorique”,
Préhistoire du Sud-Ouest, Association Préhistoire quercinoise et du
Sud-Ouest 20 (2012): 91-106)
Eudoxus
de Cnido (c.390–c.340 a.C.) terá sido o primeiro a introduzir e elencar
as constelações que povoarão o céu grego, em dois trabalhos:
Ἔνοπτρον (Enoptron, i.e. "Espelho") e Φαινόμενα (Phainómena,
"aparências" ou "sinais visíveis"). Trata-se de evidência indirecta
pois ambos os trabalhos se
perderam. O segundo, todavia, perdura (versificado e adaptado) no poema
homónimo de Aratus (Arato de Soli, na Cilícia, c.315–c.245 a.C.). Este,
descrevendo mais de quatro dezenas de
constelações nos seus hexâmetros, é fundamental para conhecer a
evolução do céu reconhecido
pelos antigos gregos, que acabámos por herdar. No núcleo deste trabalho
está, mais do que a descrição, a delineação de um calendário sideral.
Aratus também nomeia
algumas estrelas individuais, utilizadas provavelmente como marcadores
sazonais. O seu sistema respalda-se no ciclo solar das estações do ano: "The
celestial system that Aratos describes can only work with the notion of
the year as a regular cycle in relation to which the four seasons take
turns. In this process the risings and the settings of the key stars in
the sky play an important role." (Stamatina Mastorakou, Greek Constellations, in C.L.N. Ruggles (ed.), "Handbook of Archaeoastronomy and Ethnoastronomy", Op. cit., vol.3, ch. 138, p.1557).
Para além dos 'sinais' pelo curso das estrelas e constelações, Aratus introduz os 'sinais' da previsão do tempo atmosférico (Phaenomena, 758-1141), que fornecem indicações para a agricultura e navegação numa miscelânea que inclui a aparência do Sol, Lua, do Praesepe
("nubecula" em Cancer, o enxame aberto M44 do catálogo de Messier),
ventos, nuvens, meteoros, comportamento dos animais (nomeadamente dos pássaros, a "ornitologia" ocupa um lugar destacado),
vegetação, etc., tendo afinidade com o chamado "De signis" de
Teofrasto. A meteorologia é aqui parte integrante da astronomia. Os
sinais "sub-celestiais" são tão diversificados que Aratus recorre a uma
atribuição usando as quatro categorias tradicionais: vento, chuva, bom
tempo e tempestade.(Kidd, D., Aratus: Phaenomena, Cambridge Classical Texts and Commentaries, Cambridge University Press, 1997, p.485)
A obra ilustra a presença de Zeus como deus do céu e atmosférico, oferecendo aos mortais sinais que lhes serão úteis. Por exemplo, o nascimento versperino de Capella (e dos Haedi) por volta de 15 de Setembro, era arauto das chuvas, como nas Metamorfoses de Ovídio: "sidus pluviale Capellae" (Met. 3.594). Tornou-se extremamente popular,
imitada e traduzida diversas vezes em Latim (e.g., Cícero, séc. I a.C.; a tradução atribuída a Germanicus Caesar, séc. I A.D. (decerto a mais influente no futuro); Avienus, séc. IV,; o anón. do Aratus Latino, séc. VIII), estando muito presente no imaginário e nas representações medievais (Aratea). A Ἀργοναυτικά (Argonautika) de Apolónio de Rodes (séc. III a.C.) também inclui imensas referências mitológicas no contexto épico da demanda do Velo de Ouro
por Jasão e seus pares.
O texto fundamental de consolidação e
harmonização das constelações adoptadas com o tecido mitológico é
atribuído a Eratóstenes, uma obra de referência
designada Catasterismi (Καταστερισμοί, Katasterismoi, i.e. "constelações" ou "lugares entre as estrelas"). Sobrevive somente através de um resumo atribuído a um pseudo-Eratóstenes.
As compilações e tratamento literário do conhecimento organizado é um
género característico da época Helenística (Condos, T., 1997, p.17).
Deste modo, o Ps-Eratóstenes descreve sistematicamente 42 constelações
e parece suportar-se em fontes antigas. O romano Marcus Manillius escreveu um poema didáctico (Astronomica ou Astronomicon)
por volta de 15 A.D., baseado em Aratus, possuindo todavia um enfoque
mais astrológico. Uma perspectiva clara de todo este período de adopção
e adaptação pode ser lido na pedagógica Introdução aos Phainómena (Εἰσαγωγὴ εἰς τὰ Φαινόμενα) ou Isagoge de Geminus de Rodes, do séc. I. Outro
clássico influente é atribuído a Hyginus, autor do qual pouco se conhece e
que se pode ter baseado no mencionado Catasterismi para compilar o seu Poeticon Astronomicon
(aparentemente do séc. II). Todavia, uma das datas propostas para o Poeticon Astronomicon deixa em aberto a possibilidade de este anteceder o mencionado resumo (Catasterismi) e de as suas citações se referirem ao original de Eratóstenes e não ao epítome apócrifo, vide Condos, T., 1997, p.20. Outra referência mitográfica é o
pseudo-Apolodoro (séc. I ou II), na sua Βιβλιοθήκη (translit. Bibliothēkē,
'Biblioteca'), sumário da mitologia grega. Ovídio relata-nos diversos
mitos, impondo versões definitivas, nos seus conhecidos poemas Metamorfoses (Metamorphōseōn librī) e Fasti. Chegamos assim a Ptolomeu e à listagem das 48 constelações do seu fundamental Mathēmatikē [i.e. "Astronómica"] Syntaxis (que conhecemos como Almagesto por via da designação árabe). O catálogo estelar aí compilado incluía 1022 estrelas.
Ao
contrário de B. van der Waerden e de outros académicos, D. R. Dicks não
considerava inequívoca a origem Babilónica das constelações: "The
Babylonians saw a Plough where the Greeks had a Triangle + γ
Andromedae, a Bow and Arrow in the region of Canis Maior, a Goat
instead of Lyra, a Hound instead of Hercules, a Great Swallow instead
of the south-western part of Pisces, and Greek Andromeda was divided
among three Babylonian constellations." (Early Greek Astronomy to Aristotle, Op. cit., p.165). De facto, é no Zodíaco que
encontramos os paralelos mais óbvios, sendo admissível que, observando
o todo, a génese das nossas constelações seja menos imediata, mais
partilhada com contributos autóctones.
Couper
e Henbest explicam a perspectiva de E. C. Krupp a respeito da origem
das constelações: algumas da mais conspícuas constelações - Orion, Gemini e
muitas outras - chegaram até nós a partir da Mesopotâmia. Mas Krupp
salienta que não houve um momento específico no tempo no qual as
pessoas se sentaram e dividiram o céu "for the fun of it". (...) No que
diz respeito à Ursa Major, Krupp está disposto a acreditar que chegou à
Mesopotâmia a partir de uma fonte Asiática. Acha que as Plêiades
seguiram uma rota semelhante pois encontramos mitos acerca de uma
"estrela que falta" neste enxame em todo o lado, da Ásia Central à
Índia e também na Babilónia. Reconhece que o lugar mais ancestral
onde podemos recolher informação é, de facto, a Mesopotâmia. Aí
encontramos as constelações do Zodíaco. O Touro, por exemplo, está muito claramente presente; por outro lado, Aries,
o Carneiro, não está: a versão mesopotâmica era o "trabalhador
contratado ["the date labourer"]. Os Babilónios focaram-se nas
constelações do zodíacais porque estas eram fundamentais para a sua
astrologia. Essas estrelas forneciam o "caminho" que era seguido pelas errâncias da
Lua errante e dos planetas. (The History of Astronomy, Cassell Illustrated, 2007, pp.52-3 [trad. nossa]).
Quanto à
nomenclatura das estrelas, que em grande parte remete para fontes em Árabe, a complexidade é provalmente ainda maior.
Boa parte da tradição destas atribuições e dos nomes de estrelas e
asterismos foi disseminada, como se pode constatar, na forma poética.
Uma dificuldade acrescida para as tradicionais ferramentas filológicas.
Num artigo sobre o céu estrelado nas "comparações poéticas" árabes do al-Andalus,
Paul Kunitzsch constata como a poesia não pode "verdadeiramente" ser
traduzida e os próprios árabes o sabiam pois haviam "traduzido" poetas
gregos:
"Wie unübersetzbar Gedichte im
letzten Grunde überhaupt sind, das haben schon die Araber selbst im
Zuge ihrer Ubertragungen aus dem Griechischen am Beispiel griechischer
Verse erkannt." (Der Sternhimmel in den "Dichterischen Vergleichen der Andalus-Araber", Zeitschrift der Deutschen Morgenlandischen Gesellschaft 128. Wiesbaden, 1978, p.251).
Catálogos
Sem estrelas não há constelações. Segundo K. Glyn Jones, o primeiro
catálogo estelar do qual temos conhecimento foi feito por Hiparco,
que observou na ilha grega de Rodes aproximadamente entre 146 e 127 a.C. De acordo com Plínio, esta
empreitada foi estimulada pela aparição de uma "nova estrela" (que hoje
sabemos ser um fenómeno diferente) na constelação do Escorpião
em 134 a.C. Hiparco foi, supostamente, o primeiro a posicionar as
estrelas segundo um sistema de coordenadas baseado na Eclíptica,
elencando 850 estrelas divididas em seis magnitudes (Messier's Nebulae and Star Clusters,
American Elsevier Publishing Co., 1969, p.21). Seguem-se, ao longo dos
séculos, listagens como as de Ptolomeu, al-Sufi, Ulugh Begh, Tycho Brahe e o
Prodromus Astronomiae de
Hevelius (publicado postumamente em 1690), o último catálogo elaborado
sem recurso ao telescópio. Mais tarde surgem os de Bayer, Flamsteed,
Lalande, o Bonner Durchmusterung (publicado por Argelander, Kruger e Schonfeld) e seus suplementos ou o de Henry Draper, até aos catálogos modernos (e.g., YBS, SAO, GSC, PPM, HIP) culminando nos actual e "monstruosos" catálogos Gaia (da ESA, a Agência Espacial Europeia ) com informação posicional, fotometria e espectroscopia de quase 2000 milhões de estrelas.
As
representações mais antigas das "nossas" constelações são as do chamado
Atlas Farnese (Nápoles, Museo Nazionale; foto: fineartamerica),
mármore que constitui uma
cópia romana (que se supõe do séc. II) de um provável original grego do
séc. II ou III a.C., talvez coevo do importante poema de Aratus (para
Shaefer, como vimos, data de c. 125 a.C.). Deve o seu
nome ao Cardeal Alessandro Farnese (1468-1549), futuro Papa Paulo III,
que adquiriu esta peça e a expôs no início do séc. XVI. Foi encontrada num estado deplorável, como se pode ver neste desenho do Codex Coburgensis
executado entre 1550 e 1555 (Kunstsammlungen der Veste Coburg).
Todavia, o globo propriamente dito estava relativamente completo. No
início acreditou-se que se tratava de uma representação de Hércules. Há
vestígios que indicam que as constelações devem ter sido originalmente
coloridas. O restaurador foi Guglielmo della Porta e, após a venda (por
250 scudi) ao Cardeal
Farnese, foi de novo restaurada em Roma por Carlo Albacini. Em
1796 será transportada para Nápoles. O globo passará a ser conhecido no
séc. XVIII devido`a um mapa das suas constelações executado por Martin
Folkes, publicado numa edição de 1739 da Astronomia
de Manilius. A datação e fontes específicas das representações no globo
são controversas. Há inúmeras variáveis num trabalho escultórico deste
tipo e nem sempre prevalece a tradição matemática numa peça decorativa,
mesmo que esta constitua uma das fontes. Segundo Douglas
Kidd, apesar da tradição da atribuição do primeiro globo celeste a
Eudoxus (Cícero, Rep.
I.22, que cita Sulpicius Gallus), de outra dúbia referência do mesmo
Gallus acerca de um suposto globo feito por Tales e de um dodecaedro mencionado no Fédon (Phd., 110b) de Platão, a primeira "esfera artificial" científica foi, provavelmente, a que é atribuida a Hiparco no Almagesto de Ptolomeu (VII.1;
Toomer, p.327). Eudoxus ainda não disporia do essencial sistema de
coordenadas para a marcação precisa das estrelas. A "esfera sólida"
atribuida a Arquimedes (Cic., ibid.)
seria para exposição pública. Tal como o exemplar que serviu de modelo
ao "Farnese", decerto somente representava os desenhos das constelações
e não as estrelas. (Aratus: Phaenomena,
Cambridge Classical Texts and Commentaries, Cambridge University Press,
1997, pp.17-18). Nesta escultura foi acrescentada uma constelação a
norte de Cancer que é, provavelmente, o "Trono de César" (referido por Plínio (Nat. Hist., ii, 178)
Este
pequeno globo de prata tornou-se conhecido através de uma descrição
publicada pela Galeria Kugel em 2002. Tem 6.3 cm de diâmetro
(aproximadamente metade
do diâmetro do conhecido globo de bronze da colecção do Römisch-Germanisches Zentralmuseum
em Mainz), esfera oca, espessura entre 9 e 10mm. Foi supostamente descoberto na região do lago Van, na Turquia
(A. Kugel (c/ contrib. de Van Kleempoel e Jean-Claude Sabrier): Spheres: The Art of the Celestial Mechanic,
2002, pp. 22–6) A pequena esfera inclui 48 figuras das quais 46 são
constelações "canónicas" do acervo clássico. Datável no intervalo entre o séc. I a.C e o séc. II AD (Cuvigny, H., Une sphère céleste antique en argent ciselé,
in Hermann Harrauer and Rosario Pintaudi (eds.), "Gedenkschrift Ulrike
Horak" (P. Horak), 2004, p.373). Pertence a colecção
privada. (Fotografias: Galerie Kugel, Paris)
Ptolomeu perpetua a prática tradicional (já usada por Eratóstenes ou Hiparco) de descrever as estrelas pelas suas posições na "imagem", i.e. no desenho da constelação (e.g.,
"no ombro do gigante", "na boca do peixe"). Na sua síntese pivotal resume
o conhecimento astronómico da Antiguidade e, por
inerência, das constelações "canónicas", para muitos séculos futuros. A
lista compilada por Ptolomeu só será aumentada quando, em 1551, o
geógrafo e cartógrafo Gerardus Mercator incluir num globo celeste Coma Berenices e Antinous, todavia asterismos já referidos pelo sábio alexandrino. Tycho Brahe faz o mesmo no seu catálogo de 1602. Coma Berenices
é ainda hoje constelação independente e reconhecida As novas
constelações, que entretanto vão surgir, resultam das explorações
dos mares do sul e da utilização dos espaços "informes" (desocupados)
no intervalo das constelações clássicas, recorrendo a estrelas mais
ténues entretanto acessíveis com o incremento da tecnologia e no
enquadramento do desenvolvimento cartográfico a que se assiste a partir
de
finais do séc. XVI. Algumas das novas constelações não concitaram o
consenso dos cartógrafos e são hoje obsoletas Outras ficaram nos mapas.
Os maiores
contributos foram os dos exploradores P. D. Keyser e F. de Houtman
(cujos resultados foram materializados por Petrus Plancius no seu globo
de 1598 e no célebre Uranometria de J. Bayer,
1603). Também há novas "imagens" imaginadas pelos astrónomos J.
Hevelius (1611-1687) e N.-L. de Lacaille (1713-1762), que observou a
partir do Cabo, no extremo sul da África.
O 12º signo...
"Libra die somnique pares ubi fecerit horas
et medium luci atque umbris iam diuidit orbem,..."
(Virgílio, Georg., I.208-9)
O signo 'duplo' do Escorpião com as suas pinças (Χηλαί, translit. Chelae), reconhecido pelos gregos. Esta última parte passou a ser conhecida autonomamente como Ζυγός, Libra,
o Signo da Balança, reintroduzido com a adopção dos doze signos
(sectores de igual dimensão) e particularmente "valorizada" pelos
romanos. Tudo indica que também se baseia num antecedente mesopotâmico (ilustr. retirada de Bouché-Leclercq, A., L'Astrologie Grecque (1899), p.142). Como Douglas Kidd comenta na sua edição dos Phaenomena de Aratus, Op. cit., p.211), a ideia da Balança pode ter sido impulsionada pela proximidade de Virgo (Παρθένος, Partenos) identificada com a Justiça* [Astraea, Dike, Themis], sendo mais tarde associada ao equinócio, "que mantêm o ano em equilíbrio". Acrescenta: "Originally
a part of the Scorpion, the Claws were detached to form a separate
constellation when the Zodiac of twelve signs was created. The name
Χηλαί remained in use from Eudoxus (fr. 71) to Hipparchus (3.3.4), but an alternative name [Ζυγός, romaniz.: Zygós] makes its first appearance in Hi. 3.1.5 [Hipparchi in Arati et Eudoxi Phaenomena comm., Manitius (ed.), Teubner 1894], and this is the name mostly used by Geminus, e.g. in his list of the Zodiac (1.2)." (ibid.)
* Virgo estava, em paralelo com o simbolismo da Justiça, enquadrada no mito das 'Idades' (a deusa habitava entre os mortais na Idade de Ouro e também na de Prata,
mas nesta última para os admoestar devido à degradação moral que
entretanto testemunhava), bem como ligada aos cultos agrários (Deméter, Kore) enquanto "marcador" da época das colheitas, A ligação agrícola foi decerto desenvolvida em torno da sua "lucida" (Spica, i.e. "Espiga", segundo o precedente AB.SIN na Babilónia, com o mesmo significado, vide van der Waerden: Op. cit., 2.71).
Perseus
e Andromeda (detalhe) por A. Jamieson (G. & W.B. Whittaker, N.
Hailes, T. Cadell, London, 1822). Perseus, Andromeda, Cassiopeia,
Cepheus e o "Monstro Marinho" (Cetus) eram
extremamente populares entre os Gregos. Personagens surgem em Sófocles
e Eurípedes e em pinturas nos vasos áticos. Segundo a teoria, já antiga, de J. Heinrich Voss (Des Aratos Sternerscheinungen und Wetterzeichen...,
Heidelberg, 1824, p.34), seriam criação autóctone do séc. V a.C.,
provavelmente a partir das trágicas lendas popularizadas pelos referidos dramaturgos.
Fontes:
Aratus : Phaenomena; Kidd, Douglas A. (ed., trans.), Cambridge Classical Texts and Commentaries, Cambridge University Press, 1997
Aratus ; Phaenomena; G. R. Mair (ed., trans.), Loeb Classic Library, London, William Heinemann, 1976
Condos, Theony, Star Myths of the
Greeks and Romans: A Sourcebook, Containing The Constellations of
Pseudo-Eratosthenes and the Poetic Astronomy of Hyginus (Grand Rapids [MI]: Phanes Press, 1997)
Hard, Robin (transl.), Eratosthenes and Hyginus: Constellation Myths, with Aratus's Phaenomena, Oxford University Press, 2015
..............
Bibliografia geral (resumida):
Allen, Richard Hinckley., Star Names: Their Lore and Meaning,
Dover, 1963 (orig. Star-Names and Their Meaning,
G. E. Stechert, 1899). (leitura cativante mas
datada, fontes obsoletas, está ultrapassado e há muitos erros;
material babilónico e extremo-oriental, em particular, não é
minimamente fiável.)
Aveni, Anthony F, Ancient Astronomers,
St. Remy Press and Smithsonian Institution, 1993 (uma perspectiva
culturalmente abrangente por um especialista nas tradições
pré-colombianas)
Couper, Heather & Hensbest, Nigel, The History of Astronomy, Cassell Illustrated, 2007 (traduz opiniões interessantes de alguns investigadores de referência)
Dicks, D. R., Early Greek Astronomy to Aristotle, Cornell University Press,1970 (estudo muito competente com algumas opiniões fundamentadas que desafiam consensos)
Heuter, Gwyneth, Star names—origins and misconceptions,
"Vistas in Astronomy", vol.29, Part 3, Pergamon Journals, Oxford, 1986,
pp.237-251 (um estudo com maior detalhe nos nomes árabes pré-ptolomaicos)
Higgins, William Henry, The Names of the Stars and Constellations compiled from the Latin, Greek, and Arabic; with their Derivations and Meanings...,
A. Clarke; Hamilton, Adams, & Co, 1882 (uma compilação
assumidamente baseada no já então antigo texto de Ideler, supostamente
"refinada". Higgins apresenta as principais variantes que surgiam nas
cartas. Muitas das derivações são "forçadas" ou espúrias)
Hunger, Hermann & Pingree, David, Astral Sciences in Mesopotamia, Brill, 1999 (referência no estudo das tradições da Mesopotâmia e sua influência)
Ideler, Christian Ludewig (sic), Untersuchungen über den Ursprung und die Bedeutung der Sternnamen,
Berlin, J.F. Weiss, 1809 (uma obra precursora e erudita, obviamente
datada que, como o nome indica, investiga a origem e significado dos
nomes das estrelas.
Todavia condicionada, tanto na
metodologia como confinada aos paradigmas e fontes
disponíveis na sua época. Livro está acessível em archive.org)
Kanas, Nick, Star Maps: History, Artistry, and Cartography,
Springer Praxis Books, 2007 (obra profusamente ilustrada, com exposição
clara e multicultural, enfoque no desenvolvimento da representação
cartográfica)
Krupp, Edwin C., Beyond the Blue Horizon : Myths and Legends of the Sun, Moon, Stars, and Planets, Oxford University Press, 1992 (o título mais interessante deste autor, na nossa opinião)
Kunitzsch, Paul, Arabische Sternnamen in Europa, Otto Harrassowitz, Wiesbaden, 1959 (referência na interpretação dos nomes árabes das estrelas)
Kunitzsch, Paul, & Smart, Tim, A Dictionary of Modern Star Names: A Short Guide to 254 Star Names and Their Derivations (Second Revised Edition), Sky Publishing Co., 2006 (referência incontornável, reedição de Short Guide to Modern Star Names and Their Derivations, Wiesbaden, Otto Harrassowitz, 1986)
Mourão, Ronaldo R. de Freitas, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira S.A., 1995 (completo mas obrigatoriamente superficial no tratamento)
Ridpath, Ian, Star Tales (New York; Universe Books, 1988) (introdução acerca das origens das constelações e descrição dos mitos clássicos que estas assumiram)
Ruggles, Clive N. L. (ed.), Handbook of Archaeoastronomy and Ethnoastronomy, Springer New York, NY, 2014 (enorme acervo de estudos recentes do âmbito da arqueoastronomia)
Schaefer, Bradley E., The Origin of the Greek Constellations. Scientific American, 295, November 2006, pp. 96-101 (investiga a geografia da origem das constelações clássicas)
Van der Waerden, B. L. (1952), History Of The Zodiac,
in: "Sonderabdruck aus "Archiv fur Orientforschung", Band XVI, Zweiter
Teil" (Reimpr. from the Archive of Oriental Studies, Volume XVI, Part
II) (estudo fundamental sobre as constelações zodiacais, disponível em archive.org)
Webb, E.J., The Names of the Stars, London, Nisbet, 1952 (baseado "na
ciência e na poesia dos clássicos", por vezes admitidamente conjectural e ainda sem o
(re)conhecimento da antiguidade das fontes Babilónicas)
Os
trabalhos mais antigos não são actualmente considerados
suficientemente fidedignos, estando repletos de erros linguísticos e
associações espúrias. Constituem leituras cativantes e documentam um
percurso, com etimologias por vezes criativas, multiplicidade de
eruditas referências e por vezes fantasiosas
relacionações. Como é natural, as metodologias eram diferentes, não
privilegiando as interacções e complexidades dos
percursos das atribuições. O estudo de tradições culturais tão
decisivas como as da Mesopotâmia era ainda incipiente ou nem havia
verdadeiramente começado. Muitas traduções de diversas línguas
orientais
foram também entretanto desafiadas. Alguns dos títulos de divulgação
mais recentes ainda se respaldam pontualmente em estudos obsoletos,
nomeadamente no de Hinckley Allen que vem sendo reeditado.
Em resumo, para além das excelentes
traduções e edições dos mitógrafos, elencadas no início, bem como de estudos que se revelaram seminais ou abriram perspectivas (e.g., os de
Van der Waerden, Hunger e Pingree, Kunitzsch ou Schaefer), aconselhamos resumos recentes e abrangentes. O título de Nick Kanas constitui
excelente ponto de
partida (e um maravilhoso périplo visual pelos mapas) para quem se
interessa pelo tema. O Star Myths of the
Greeks and Romans de Theony Condos permite um contacto acessível com importantes fontes clássicas (texto e comentário). Os capítulos introdutórios do título de Ian Ridpath são muito pertinentes (ver sítio Star Tales
com o livro completo em versão HTML). A referência no que diz respeito
aos nomes das estrelas é a investigação de Paul Kunitzsch (1930-2020),
v. compilação The Arabs and the Stars: Texts and Traditions on the Fixed Stars and Their Influence in Medieval Europe
("Variorum Collected Studies", Ashgate Publishing, 1989, seguidamente
reeditado pela Routledge) e os títulos da sua autoria (ou co-autoria)
acima elencados. Na perspectiva arqueoastronómica vide principalmente Krupp e Aveni (alguns dos case studies da colectânea editada por C.N.L. Ruggles constituem investigações muito recentes e ainda escrutinadas).
Os nomes das estrelas
É
raro encontrar uma temática na qual o universo semântico seja tão
labiríntico. Passou muito tempo e diversas culturas contribuiram para
este corpus. Diferentes idiomas, abordagens onde os excertos dos
mitógrafos, o legado científico do Almagesto e tradições indígenas (com interferências das designações das mansões lunares da astronomia/astrologia árabe), poéticas e folclóricas competem e interagem. Mais tarde, as primeiras incursões
filológicas renascentistas e ulteriores (reintroduzindo designações de
fontes clássicas e interpretando, quantas vezes sem o respaldo de fontes
seguras, este acervo plural). Entretanto, a criatividade de erudições
desbragadas que amiudadamente confundiram ainda mais o que já era
complicado: nomes de asterismos aplicados a estrelas e vice-versa,
designações transferidas, repetidas, etc. Os nomes que
utilizamos foram traduzidos (nunca esqueçamos o adágio "Traduttore,
Traditore"), transliterados e corrompidos por grafias diversas,
muitos
deles transladados, outros reintroduzidos, muitas vezes
equivocadamente, nomeadamente nas "coordenadas" à quais foram
atribuídos. Todavia,
muitas vezes conseguimos compreender pelo menos parte do "itinerário".
O rio Eridanus (O Ποταμός, i.e. "O Rio", Flumen, Fulvius) no Uranometria de Johann Bayer. A estrela mais brilhante, Alpha Eridani, está representada em baixo à direita (Ioannis Bayeri Uranometria omnium asterismorum continens schemata, nova methodo delineata aereis laminis expressa. Augustae Vindelicorum [Augsburg]: excudit Christophorus Mangus,
1603). Segundo Paul Kunitzsch, os astrónomos Islâmicos procuraram
identificar as estrelas mencionadas nas tradições indígenas
acomodando-as ao catálogo ptolomaico. Equivocaram-se amiudadamente
devido, entre outros factores, ao facto de essas tradições (que eram
diversificadas) da península Arábica (que se prolonga para sul até ao
Iémen, latitude ~16ºN) terem origem em tribos que observavam o céu até
uma declinação austral que era inacessível a partir do Egipto, do
Iraque ou da Pérsia. O exemplo da estrela que Bayer designa como Alpha Eridani
(Achernar) é paradigmático. Al-Sufi nem a refere porque não constava do
catálogo (de Ptolomeu) e no entanto era sobejamente conhecida e
incluída juntamente com a actual Alpha Piscis Austrini (Fomalhaut) nos "dois avestruzes": al-zalimãn. Do mesmo modo, foi mais tarde reconhecida pelos navegadores árabes do Oceano Índico nos séculos XV e XVI (como al-salbãr, al-mahnath e provavelmente al-Marzuqi) mas continuou ignorada ou erradamente localizada pelos eruditos. (On the Mediaeval Arabic Knowledge of the Star Alpha Eridani, Journal for the History of Arabic Science 1. Aleppo, 1977)
"The sky was man’s original clock, and celestial cartography developed as part of the attempt to understand that timepiece." (George Sergeant Snyder, Maps of the Heavens, Abbeville Press, 1984, p.14)
Sentimos o fascínio e a necessidade de padronizar e sistematizar.
As estrelas constituem uma referência reconfortante pois parecem
fixadas no interior de uma grande abóbada, interpretada como conveniente realidade (imaginaria & matematica, como escrevia Fr. António Teixeira em 1670 no seu Epitome das noticias astrologicas para a medicina). Rapidamente se terão desenhado
grupos de estrelas, maravilhosos "artefactos" culturais que "organizavam"
o orbe, nomeadamente para o calendário agrário (e.g., em Hesíodo), marcavam as horas, funcionavam como bússola, documentavam o deambular incessante dos luminares e dos planetas.
As
constelações são obviamente uma "ilusão". As estrelas de um asterismo
ou constelação situam-se num imenso espaço tridimensional, geralmente
muito distanciadas entre si. Uma simples deslocação de uma centena de
anos-luz permitiria ver "desenhos" muito diferentes, não familiares.
Segundo Leila Haddad, as constelações constituem "la mémoire du monde " (Ciel et Espace, (Hors Serie 16), Association Française d'Astronomie, 2011). Relacionadas
com a tessitura cultural dos povos que as criaram, a sua origem
parece, em alguns casos, "perder-se" no tempo; noutros casos pivotais, remontar a muitos séculos antes
da nossa Era, na Mesopotâmia. Com ponderada especulação, acredita-se que o Touro, o Leão ou o Escorpião
estejam documentados pictoricamente desde remota antiguidade. A
interpretação clássica destas criações mesopotâmicas está sobejamente
documentada. Por
fim, o contributo moderno, nomeadamente na era dos atlas e da expansão
marítima
europeia (em especial os grupos de estrelas que povoam os céus
austrais).
Percurso
Os vestígios
arqueológicos e as sobrevivências culturais apontam, em muitos casos, para uma génese nas planícies
entre o Tigre e o Eufrates. Esses restos fósseis de uma luxuriante
vegetação mitológica
(Bouché-Leclerq, 1899), chegaram até nós por intermédio dos Gregos e
dos Romanos (envergando doravante designações latinas). O Zodiaco
tradicional (conjunto de doze constelações situadas no plano da
Eclíptica) terá o seu esquema original no Oriente Próximo.
As constelações fundamentais dos coluros (solsticial e equinocial),
acautelando o desfasamento devido ao fenómeno da Precessão dos Equinócios,
estarão entre as mais antigas. Outras tradições representaram uma
grande variedade de padrões, alguns incluído ausência de estrelas
("constelações escuras", documentadas em tribos ameríndias e no Peru
pré-colombiano (Mosley, J., Starry Night, Space.com Canada,
Inc., 2001, p.186). De facto, os Quechua e a antiga civilização Inca
reconheciam animais nas regiões escuras da Via Láctea (Urton, G., Animals and Astronomy in the Quechua Universe,
Proceedings of the American Philosophical Society, Vol. 125, n.2,
(April 30, 1981), pp. 110-127). Alguns povos aborígenes da Austrália
reconhecem uma constelação a que chamam "Emu", a enorme ave
australiana, numa nuvem negra interestelar (Goldsworthy, S., Constellations, Weigl, 2012, p.22).
As
constelações da China eram diferentes e muito mais numerosas do que as
da região mediterrânica. Nesse contexto extremo-oriental assistimos ao
desenho de um céu político e burocrático, organizado à maneira de um
Estado centralizado (ver representação, trabalho anónimo, finais séc XVIII; fonte: NMM,
Greenwich). Tanto quanto sabemos, a carta celeste mais antiga dessa
geografia surge num manuscrito de Dunhuang (da Dinastia Tang, 618–907,
uma das primeiras representações gráficas das estrelas na antiga
Astronomia Chinesa e o mais antigo atlas completamente preservado até à
data conhecido, ver detalhe, British Library Or.8210/S.3326).
Demais, este espantoso documento denuncia práticas mais antigas de
mapeamento (Kelley, D. e Milone, E., Exploring Ancient Skies - A Survey of Ancient and Cultural Astronomy, Springer, 2nd ed. 2011, 9).
Apesar
de Egípcios, Indianos ou Chineses "desenharem" constelações diferentes,
assitiremos a uma persistente "globalização" a partir da época
Helenística.
No
importante mito egípcio de Osíris e Ísis, Hórus eventualmente vinga o
seu pai Osíris matando Seth. No combate é ferido, um dos seus olhos
cega. Este será a Lua. O outro é o Sol. Osíris é representado pela
constelação Sahu (correspondendo aproximadamente ao nosso Orionte); Ísis é por vezes associada a Sopdet (Gr. "Sothis", Sirius). Na ilustração acima, o sincretismo do chamado "Zodíaco" de Dendera (Gr. Tentyris), período Greco-Romano, circa 50 A.C., amálgama inconográfica egípcia e babilónica-grega (Description de l'Égypte, vol.4, planche 20). O baixo-relevo, no acervo do Louvre, é proveniente do tecto de um pronaos do Templo de Hator.
Noutra fonte literária da nossa civilização, o autor do Livro de Job
refere o que parece ser a Ursa Maior (cujas sete principais estrelas
constituem um dos asterismos boreais mais reconhecidos, até na antiga Índia como os Sete Rishis, ou sages), o Orionte e as
Plêiades (Job 9:9, 38:31-32). Neste texto encontramos ainda a palavra Mazzārōt, que parece ter sido utilizada para designar as constelações ou o zodíaco para os antigos Hebreus.
Como já referimos, Bradley Shaefer (Scientific American, Nov. 2006, 96-101), expandindo as pesquisas
anteriores de Hermann Hunger e David Pingree (1999) e seguindo as
inscrições das placas cuneiformes MUL.APIN,
argumenta que a
maior parte das constelações se terão desenvolvido no período 1300-1000
a.C. Sabendo que Homero e Hesíodo (oitavo século A.C.) descrevem alguns
escassos asterismos e uma ou outra lucida (Ursa Maior, Orionte, Plêiades, Híades, Arcturo e Sírio; vide
Ridpath, 1988) enquanto Eudoxo de Cnido (quarto século a.C.) é citado a
descrever uma "esfera" mais completa, a influência oriental somente se
terá manifestado por volta do quinto século antes da nossa Era. Segundo
Shaefer, 20 das 48 constelações ptolomaicas aparentam ser cópias
directas (e.g., Capricornus, Gemini), outras 10 correspondem mas adoptam nomes diferentes (e.g., Pisces).
18 interpretam directamente mitos Gregos (os feitos de Herácles, a
saga de Andrómeda, etc.). Aries substitui uma figura oriental totalmente diferente e o Escorpião era um signo duplo, com as suas pinças, (Χηλαί, Chelae), que na época romana ganham autonomia como Libra, a Balança). Como vimos, as lendas estão documentadas, principalmente
nos Catasterismi do pseudo-Eratóstenes, decerto baseado no trabalho prévio de Aratus (Phaenomena, circa 275 A.C.). A Hyginus atribui-se o De Astronomica ou Poeticon Astronomicon. O autor Geminus de Rodes, do primeiro século a.C.,
deixou-nos uma listagem descritiva incluíndo algumas constelações que
Ptolomeu não incluirá (a nossa Coma Berenices, a Água vertida por Aquarius, Thyrsus (Tirso) e um Caduceu, sem localização especificada).
Na
análise da mitografia grega, não há qualquer razão para acreditar que
as constelações primitivas se agrupavam em "grupos" ligados pelos seus
mitos. Antes assistiremos a um processo literário e narrativo gradual
que os ligará (os "Catasterismos"), com maior ênfase a partir da época
Helenística (vide autores supracitados).
Disponibilizamos uma relação das constelações gregas, segundo Emmy Wellesz (Ars Orientalis, Volume 3, 1959, pp 1-26).
Na medievalia, as imagens
parecem reflectir prioritariamente uma mundividência "literária",
replicadora das fontes. O desenho, por vezes não incluindo as estrelas (exemplo), ou incluindo-as sem correspondência efectiva com a localização, sem recurso a sistemas de coordenadas ou impondo "simetrias" (Draco inter Arctos, NLW MS 735C, f.3r), seria virtualmente inútil enquanto "mapa". A Astrologia privilegiava informação tabulada (vide introdução de J. Chabás e B. R. Goldstein, Essays on Medieval Computational Astronomy, Leiden, BRILL, 2015). Era "esquemática" e não observacional.
Muitas
constelações, algumas perpetuadas e mais tarde ratificadas, foram
posteriormente introduzidas. São o resultado da era das navegações e da
expansão europeia, bem como da evolução da astrometria e da
cartografia. Um "frenesim" que, refreado, acabará por resultar no mapa
definitivo que hoje nos guia. Deixamos uma sucinta descrição (.PDF, 1.40MB) deste percurso.
A Antiguidade Clássica considerava as constelações (Mετέωρος, "meteoros", "coisas no céu", Astra, Sidera, Signa) confinadas aos "desenhos", às imagens.
É através de Hipparcus e Aratus que conhecemos o sistema de Eudoxus de
Cnidus (início do séc. IV a.C.) com 48 constelações, descritas como
imagens e pelas suas posições relativas. Este sistema parece ter-se
tornado convencional. Aqui encontramos as constelações do Zodíaco, com
a excepção do Escorpião. Todavia, esta última já está
incluída no repertório parapegmático (calendário, almanaque) de Euctemon. (A atribuição da
introdução destas constelações a Cleostratus de Tenedos por Plínio, o
Velho, HN, 2.31 é considerada pouco credível, vide Alexander Jones, Greco-Roman Astrology and Astronomy, in Jones, A. and Taub, L. (eds.), The Cambridge History of Science, vol I, 2018, p.383).
As estrelas não incluídas ou adjacentes às constelações eram chamadas informes, dispersae ou sparsiles. Os autores de língua Árabe continuarão esta prática, designando-as Al H'ãrij min Al Surah, "fora da Imagem" (Hinckley Allen, 1899). Mais tarde, cada cosmógrafo escolheria os limites nas suas representações.
Hoje
padronizadas pela União Astronómica Internacional
com o recurso a limites rigorosos enquadrados em termos de Ascenção
Recta e Declinação, as constelações
(áreas do céu e não agrupamentos arbitrários,
como no passado), permanecem um referencial para localizar os restantes
objectos celestes.
Ao ler antigos mapas é necessário acautelar a diversidade de versões míticas, os diferentes atributos e a sinonímia (e.g., o Triangulum surge como Deltoton, da semelhança com o aspecto da letra grega; Hercules como Engonasi, figura "ajoelhada", Auriga como Erichthonius, Gemini são os Dióscuros mas também Apolo e Hércules, etc.).
Os Nomes das Estrelas
De ces astres brillants, son plus sublime ouvrage,
Dieu seul connaît le nombre, et la distance, et l'âge ;
Les uns, déjà vieillis, pâlissent à nos yeux,
D'autres se sont perdus dans les routes des cieux,
D'autres, comme des fleurs que son souffle caresse,
Lèvent un front riant de grâce et de jeunesse,
Et, charmant l'Orient de leurs fraîches clartés,
Etonnent tout à coup l'oeil qui les a comptés.
Dans la danse céleste ils s'élancent... et l'homme,
Ainsi qu'un nouveau-né, les salue, et les nomme.
(Alphonse de Lamartine, Nouvelles méditations poétiques; excerto)
Os
Gregos clássicos nomeavam somente alguns asterismos, estrelas
brilhantes ou importantes como indicadores astrometereológicos
e do calendário das estações (e.g., as Plêiades). Somente 11 estrelas individuais são nomeadas no catálogo de Ptolomeu, algumas destas recuando a Aratus: Arktouros (Arcturus, o "vigilante da Ursa"), Lyra (ar. Vega), Aix (lat. Capella), Aetos (ar. Altair), Basiliskos (lat. Regulus, "stella regia"), Protrygêtêr (relacionada com a vindima, lat. Vindemiator, Vindemiatrix na Renascença), Stachys (lat. Spica (Espiga); a constelação Virgo será formada a partir desta estrela), Antares ("rival de Ares", sendo este Marte para os latinos), Kyôn (por vezes Kyôn Seirios, o "Cão Flamejante", Sirius) e Kanôbos (Canopus, nome mais recente na uranografia grega, sem tradução determinada).
Actualmente,
os nomes próprios das estrelas são cientificamente irrelevantes, como é
evidente. Entretanto, muitos nomes individuais são ainda utilizados na
forma clássica ou na transliteração da nomenclatura adoptada pela cultura Islâmica, que
possuía a vertente autóctone e a "académica" (baseada na tradução do texto ptolomaico). Um
exemplo é Al-Sūfī (903–986), o "Azophi" dos latinos. Escreveu o Kitāb al-Kawākib al-Thābita ("Livro das Estrelas Fixas"), como veio a ser mais conhecido (exemplo da constelação Perseus no MS Arabe 2489, f.47r, Bibliothèque Nationale de France).
A tradição beduína, indígena, não formava um corpus homogéneo,
tampouco com origem confinada no tempo ou na geografia. Entretanto, os
lexicógrafos e astrónomos Islâmicos traduziram os nomes do catálogo de
Ptolomeu (que utilizou nomes descritivos das posições das estrelas nas
"imagens"). Quando, a partir de Bagdad, esta vertente "científica"
(respaldada nos textos entretando vertidos para o Árabe) procurou
recuperar aquelas designações autóctones (diversificadas, genuinamente
utilizadas ou somente poéticas), já não conhecia os seus significados e
atribuições. Segundo Kunitzsch (2006, p.7), cerca de 350 nomes foram
"recuperados" pelos sábios Islâmicos que, mesmo na época e no contexto
linguístico, já não dominavam esse diversificado material. As fontes
arcaicas não constituíam uma unidade coerente e as ligações que foram
sendo gizadas desde então não são, na realidade, "autênticas". O que dizer
do que aconteceu nos dez séculos seguintes e das especulações
sequentes, muitas vezes convertidas em certezas? Não há filologia suficiente para
sair deste labirinto!
Reintroduzida na Europa, com erros e corruptelas ("...multifarious disfigurements of Oriental words", como escreveu T. W. Webb), a nomenclatura será gradualmente estabelecida. Los Libros del Saber de Astronomia surgem em Toledo em 1252. As famosas Tábuas Alfonsinas,
naturalmente "arabizadas" pela erudição envolvida, influenciarão os
textos ulteriores que nelas se vão basear. Na realidade desconhece-se
qualquer versão destas em Castelhano. No formato documentado, trata-se
de uma colecção de tabelas,em Latim, compiladas, em circunstâncias que
não são bem conhecidas, em Paris nos anos de 1320. A sua persistência
e a influência da tradução latina (a partir do Árabe) do compêndio de
Ptolomeu por Gerardo de Cremona ( Gherardo Cremonensis)
será magnificada pela invenção da imprensa. Os astrolábios foram veículo e, consequentemente,
preciosa referência neste estudo.
Na
Renascença assiste-se ao advento dos estudos filológicos. Depois à
tradução do catálogo de
Ulugh Beg por Thomas Hyde (1665). Mais tarde, após Giuseppe
Piazzi (que no Catálogo de Palermo, 1814, introduz no uso moderno diversos nomes a partir do
compêndio de al-Sufi),
Hinckley Allen (1899) e outros, muitos nomes serão reutilizados, geralmente com
questionável "precisão" (vide Kunitzsch, P. e Smart, T., A Dictionary of Modern Star Names,
Sky Publishing, 2006). Neste estudo, uma análise estatística esclarece
que 70% dos nomes têm origem árabe, 19% grega ou latina, alguns têm
outras origens; 15 nomes terão sido artificialmente criados na
Renascença e 3 "recuperados" de antigo material mesopotâmico (e.g., "Nunki"). Kunitzsch
concluiu que pouco mais de metade dos nomes derivam de originais árabes. Os restantes de traduções dos nomes ptolomaicos.
Como exemplos
da complexidade da investigação (mesmo na nossa proximidade cronológica), o
"enigma" das estrelas "Sualocin" e "Rotanev" no Catálogo de
Palermo. Descobriu-se mais tarde que são a inversão dos nomes (latinizados) do astrónomo Niccolò Cacciatore (1770-1841), colaborador de Piazzi na 2ª edição do catálogo: Nicolaus Venator. Outro caso diz respeito ao recente e influente atlas de Antonín Bečvář (1951), que incluiu
uma dúzia de nomes com origem indeterminada, hoje disseminados
(Kunitzsch e Smart, Op. cit., Appendix).
Este anexo (.PDF, 575KB) inclui nomes comummente utilizados (Norton's Star Atlas, 14ª ed., 1959). Em 2016, a UAI mobilizou um grupo de trabalho (WGSN) para catalogar nomes/designações e normalizar a grafia (Denominação de Estrelas). Nem discutiremos o rigor ou a (i)relevância desta iniciativa de "aprovação" de nomes.
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Será que podemos ver as Pleiades "mapeadas" junto deste auroque (nº18) nas pinturas rupestres na Salle des Taureaux em Lascaux?. E estaremos mesmo perante constelações boreais na seguinte inscrição (Schütte, Gudmund. Primæval Astronomy in Scandinavia, 1920)?
O
chamado Disco de Nebra, artefacto em bronze com cerca de 30cm
diâmetro, pátina verde-azulada e aplicações douradas. Descoberto na Alemanha em
1999 (Nebra, Saxónia-Anhalt), foi datado da
Idade do Bronze, c. 1600 A.C. (datação ainda polémica). Supõe-se que represente o Sol (ou a Lua
Cheia), um crescente lunar e um enxame de estrelas (as Plêiades?).
Inclui incisões e dois arcos ao longo do limbo (que talvez representem um arco-iris
ou distâncias distâncias relacionadas com fenómenos solares, e.g.,
pontos solsticiais)
Planisfério medieval. Aberystwyth, National Library of Wales, NLW MS 735C, f.10v; origem: Limoges, circa 1000 A.D. Texto principal do MS consiste na tradução latina do poema de Aratus por Germanicus (15 A.C.-19 A.D.)
Abd al-Raḥmān ibn ʿUmar Abū al-Ḥusayn al-Ṣūfī (903–986), Kitāb al-kawākib al-ṯābita. O valiosíssimo MS.2.1998 (Bagdad, 519 AH; 1125 AD)
representa constelações dos nómadas Beduínos que noutras cópias, mais
recentes ou latinas, não foram perpetuadas; Doha, Museum of Islamic
Art. O fólio 65a representa um cavalo, um dromedário e um peixe,
anexados ao desenho da clássica Andromeda
A constelação boreal Draco, "al-tinnin". Abd al-Raḥmān ibn ʿUmar Abū al-Ḥusayn al-Ṣūfī (903–986), Kitāb al-kawākib al-ṯābita, Bibliothèque Nationale de France. Département des manuscrits - Arabe 2492, f.133r (séc. XVIII)
As
constelações clássicas na imagética Indostânica. Ambas as composições
estão centradas nos equinócios (outunal e vernal, respectivamente). Lembramos que a própria Astrologia tradicional, Jyotisha, é sideral e não tropical; Sarvasiddhanta-tattvacuqama ("Jewel of the essence of all sciences", apud Emilie Savage-Smith), Durgashankara Pathaka; British Library, Oriental MS 5289 ff.56 e 57, 1840
Pisces. MS carolíngio. Aratea, a partir da tradução de Marcus Tullius Cicero; o desenho das 22 constelações inclui excertos do texto do De Astronomica, de Hyginus. British Library Harley 647 (datado entre 820 e o séc. XI), f.3v. Ver também este interessante planisfério (f.21v), com lapsos na identificação, e.g., a atribuição da designação "Lira de Orfeu" à constelação Cancer, Lyra identificada como Corona.
O hemisfério celeste boreal (Giovanni Cinico, Napoli, 1469)
Argo Navis. Hyginus, Poeticon astronomicon. Venezia, 1485
Representações medievais (Capricornus, Orion, Sagittarius, Canis Major?, Aquila, Leo e Delphinus). Miscellany of Texts on the Quadrivium, Inglaterra, início do séc. XII; acrescentos posteriores, MS Ludwig XII 5 (83.MO.134), J. Paul Getty Museum, Los Angeles
Quel peintre mettra sur ses toiles,
O Dieu! ces clairs fourmillements,
Ces fournaises de diamants
Qu'à mes yeux ravis tu dévoiles,
Les cieux resplendissants d'Étoiles?
(Théodore de Banville, Rondels, 1875; excerto)
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Percurso bibliográfico das nossas constelações
Recapitulando, a
origem literária da nossa "esfera" constelada recua, segundo a
tradição, a Eudoxus de Cnido (c.408 – c.355 a.C.), autor dos textos Phainómena (Φαινόμενα), "aparências" ou "fenómenos" e do Enoptron
(Ἔνοπτρον), de astronomia esférica. Entretanto perdidos,
os Phainómena sobreviveram numa versão poética e didáctica, homónima, de Aratus de Soli (Sóloi), c.
275 a.C. Aí se descrevem 47 constelações e se nomeiam estrelas como
Procyon, Aix (Arcturus), Sirius, Stachus (Spica) e Protrygeter
(Vindemiatrix). Este poema descritivo tornou-se extremamente popular e
foi objecto de traduções latinas por Cícero, Avienus e Germanicus (Uma Aratea
será mesmo um dos manuscritos astronómicos mais populares na época
Carolíngia). No séc I a.C. temos um trabalho uma introdução de Geminus de Rodes (séc. I a.C.)
que descreve 52 constelações e lista asterismos e estrelas
proeminentes. Outro trabalho influente, séc. I ou II AD, hoje
considerado autoria de um pseudo-Eratóstenes, tem como nome Καταστερισμοί, Katasterismoi (i.e.
"constelações"), compilação de mitos explicando a origem de 42
constelações, da Via Láctea e dos planetas. Não sobreviveu mas temos um
sumário do original que foi traduzido e influenciará autores como o
Hyginus do Poeticon Astronomicon,
que é decerto posterior ao catálogo de Ptolomeu (séc. II AD). Este
último catálogo será considerado a listagem clássica, inserida no influente Μαθηματικὴ
Σύνταξις (Mathēmatikē Syntaxis), conhecido como Almagesto a partir da tradução Árabe.
A esfera ficará concluída somente na era da expansão europeia e dos
grandes atlas (de Bayer,
Hevelius, etc.), através das novas constelações
austrais e com o preenchimento dos parcos espaços "vazios" ou
previamente
"informes". A maior parte das constelações austrais começou por
aparecer nos globos de Petrus Plancius, baseadas nas observações dos
navegadores holandeses Pieter Dirkszoon Keyser e Frederick de Houtman.
Foram divulgadas pelo influente atlas Uranometria
de Johann Bayer, publicado em 1603 e pelo Usus Astronomicus Planisphaerii Stellati de Jacob Bartsch. Outras catorze constelações
resultaram das observações do francês Nicolas Louis de Lacaille, que
também particionou a antiga Argo Navis
em três constelações autónomas. O seu catálogo de estrelas data de
1756. Johannes Hevelius (1611-87) introduziu algumas (Canes Venatici, Lacerta, Leo Minor, Lynx, Vulpecula).
Diversas outras, de astrónomos modernos, foram propostas mas
não adoptadas. A partir deste acervo, a União Astronómica Internacional
criou, em 1922, uma lista normalizada de 88 constelações.
Desenho de "Mestre João" que inclui o pólo antárctico e as estrelas do
Cruzeiro do Sul. Talvez fossem as "quattro stelle" de Dante (vide linhas 22-27 do seu Purgatorio).
Vespúcio chamou-lhe apropriadamente "losango". Em 1500, o chamado
"Mestre João" (João Faras), descreveu a constelação numa carta enviada
a D. Manuel I. Em 1515, Andrea Corsali referiu-se a ela como "croce
meravigliosa".
Cartas celestes
Como
modelo exigindo uma base matemática e uma linguagem visual, a 'carta
celeste' (que se desenvolve a partir do século XVI) representa uma
ligação ao passado clássico e uma aplicação directa das técnicas
cartográficas. (Whitfield, P., The Mapping of the Heavens,
Pomegranate Artbooks (in association with The British Library), 1995,
p.2). O mais antigo genuíno e rigoroso mapa das estrelas, desenhado com
coordenadas que partem do pólo da Eclíptica, é uma criação anónima de
c. 1440, o chamado "Manuscrito de Viena" (Ms. 5415 f.168r), da Oesterreichische Nationalbibliothek, Viena). O Hemisfério Austral está desenhado no fólio 170r.
Parece constituir, tanto quanto sabemos, o protótipo da "imagem" que
será sucessivamente replicada nos séculos seguintes, antecipando os
influentes desenhos de Albrecht Dürer pelo menos sete décadas. As 48
constelações ptolomaicas estão presentes, com as estrelas numeradas
segundo a convenção do catálogo de Ptolomeu.
Ms. 5415 f.168r (Österreichische Nationalbibliothek, Bildarchiv, Wien) [clicar para ver mapa completo]
Cartografia "extravagante" e ulteriores desenvolvimentos
"Navegar"
pelo céu sempre foi mais fácil com um mapa. A crescente procura
do rigor caracteriza os mapas contemporâneos (v. títulos)
evitando os aspectos "decorativos", ao contrário do que aconteceu no
passado, com particular esplendor nos períodos Maneirista e Barroco. O
abandono dessas representações (que deixava transparecer convenções
estéticas e sociais), dá-se no século XIX (Kanas N. (2007) The transition to non-pictorial star maps. In: Star Maps. Springer Praxis Books). O zeitgeist
Positivista não permitiu a perpetuação da imagética tradicional.
Contudo, o tremendo legado iconográfico é inegável na pintura, na
gravura e, por exemplo, nos atlas de Bayer, Apianus, Hevelius,
Cellarius ou Flamsteed. Albrecht Durer havia desenhado constelações
para os primeiros mapas impressos, em 1515 (ver),
um legado que influenciará muitas das futuras edições de atlas
celestes. Nesta era "cartográfica" colocou-se frequentemente a
problemática da fidelidade do posicionamento das estrelas no desenho
das constelações, ainda seguindo Ptolomeu. Reiterada, por exemplo, no
texto do prefácio do Atlas Coelestis de John Flamsteed,
publicado postumamente em 1729. Os célebres números estelares de
Flamsteed surgiram numa versão preliminar da Historia Coelestis Britannica mas foram, no formato actual, atribuídos por Joseph-Jerome de Lalande.
As constelações "clássicas" no espantoso tecto da Sala del Mappamondo da Villa Farnese de Caprarola, Viterbo, c. 1575, seguindo descrições dos mitos nas Metamorphoses
de Ovídio [clicar para desfrutar detalhadamente]; este fresco inclui,
ainda, diagonalmente opostas, representações de Zeus e de Faetonte precipitando-se
no rio Eridanus
Petrus Apianus. Astronomicum Caesareum, Ingolstadt, 1540
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Johannes Bayer, Uranometria Omnium Asterismorum,
Augsburg, 1603. Apesar de Alessandro Piccolomini ter previamente usado
um sistema similar, foi apenas depois de Augustin Royer utilizar as
chamadas letras de Bayer em 1679, seguido quase de imediato por
Flamsteed, que este sistema (que utiliza as letras minúsculas do
alfabeto Grego) se consolidou na prática da cartografia do céu.
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Andreas Cellarius, Atlas Coelestis Seu Harmonia Macrocosmica, por J. Janssonius, Amsterdam, 1660-61
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Stanislaw Lubieniecki. Theatrum cometicum. Amsterdam, 1666-68
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John Flamsteed, Atlas Coelestis. London, 1729
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Johann Gabriel Doppelmayr, Atlas Coelestis (prancha 19), Nürnberg, 1742
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Precursores
Um notável precursor dos atlas actuais surge muito cedo. De le Stelle Fisse
(1540), de Alessandro Piccolomini, foi o primeiro atlas impresso.
Ausência do desenho das figuras
mitológicas, orientação geocêntrica, diferentes símbolos para
diferenciação das magnitudes estelares, organização dos mapas e ligação
às tabelas de suporte, seguindo procedimentos muito evoluídos para a
época. Todavia, foi talvez a "excessiva" probidade gráfica a razão para
o seu limitado sucesso. Incluiu um guia (ainda incipiente), com instruções (excerto em PDF, Google Books),
vocacionado para a localização e identificação das estrelas. Outro italiano, Giovanni
Paolo Gallucci, foi o primeiro a introduzir um sistema de coordenadas
(latitude e longitude) nas margens das gravuras do seu Theatrum Mundi, et Temporis... (1588). A "longitude" usava como referencial a "primeira estrela de Aries", prima arietis (v. pág. Esfera), para evitar as graduais alterações devidas à precessão dos equinócios).
Páginas do atlas de Piccolomini: De le Stelle Fisse (1540)
A constelação de Andromeda, no atlas de Gallucci (Theatrum Mundi, et Temporis..., 1588)
Um
aspecto importante a referir é o de que, com o acumular do acervo
histórico de observações posicionais das estrelas (e consequente
comparação) e a evolução da instrumentação, foi possível a Edmund
Halley, em 1710, constatar os primeiros exemplos de estrelas
possuíndo movimento próprio.
Terminava o dogma milenar da imutabilidade das estrelas "fixas". As
figuras das constelações vão-se modificando num processo que à escala humana parece muito lento.
Os mapas contemporâneos...
Até
ao atlas de Bayer, as estrelas eram geralmente colocadas ao serviço da
figura, do "boneco", não segundo posições reais com recurso a
coordenadas. A evolução da astrometria acontece naturalmente com a
maior precisão dos instrumentos (círculos, montagens, micrómetros,
etc.), rigor já presente no referido atlas. Seguidamente, com recurso à
observação telescópica, já utilizada nos atlas de Bode ou Argelander.
Com o advento da Fotografia tivemos acesso a uma ferramenta quase
"definitiva".
Pormenor de mapa impresso em 1831 por Charles Dien Jr. (1800-1870).
Dien foi o primeiro cartógrafo a utilizar traços ligando as
estrelas mais conspícuas das constelações. Neste exemplo, a Cassiopeia (seria "Cassiepeia" na translit. do Grego. (Kidd, D. (ed., trans.), Aratus: Phaenomena, p.251)
Norton's Star Atlas, um "clássico", atlas e textbook, com editio princeps
em 1910 [clicar para ver página completa desta carta de uma das
primeiras edições], ainda sem a delimitação oficial das constelações,
definidas segundo meridianos de ascensão recta e paralelos de
declinação por Eugène Joseph Delporte (1882-1955) sob a égide da UAI,
em 1930. Tendo como principal característica o formato das suas cartas,
a magnitude estelar limite não ultrapassa 6.5.
Em meados do século XX, destacamos o Atlas Coeli Skalnaté Pleso 1950.0,
conjunto de 16 cartas abrangendo todo o céu desenvolvido no
observatório Skalnaté Pleso, na antiga Checoslováquia. As primeiras
versões foram publicadas em 1948. Inclui estrelas até à magnitude 7.75,
bem como praticamente todos os objectos não estelares. Um trabalho
oneroso e inovador de Antonín Bečvář (1901-1965), que colocou
manualmente todos os objectos nestas cartas. O cartógrafo publicará
ainda um enorme atlas em 3 volumes (Atlas Borealis, Atlas Australis e Atlas Eclipticalis)
Será provavelmente o mais importante salto qualitativo na cartografia
contemporânea, influenciando decisivamente a geração seguinte, e.g., Wil Tirion no seu SkyAtlas 2000.0 (publ. 1981).
Detalhe do Atlas Coeli Skalnaté Pleso 1950.0, de Antonín Bečvář [clicar para ver carta completa]
Sarna Deep Sky Atlas - Publicado em 1984 pela Willmann-Bell. Vocacionado
para a observação das galáxias mais brilhantes, enxames e nebulosas
difusas. As 102 cartas correspondem, quanto à sua orientação, ao que
se observa num telescópio newtoniano
O
Herald-Bobroff, publicado na Austrália em 1994, interessante atlas
muiti-escalar (deferentes níveis de detalhe) com 214 cartas
divididas em seis secções. Uma abordagem inteligente. Por outro lado,
utilizava símbolos e códigos específico para a identificação dos diversos
tipos de objectos, procurando colocar informação nos ícones dos
objectos extensos
[clicar para ver carta exemplo]. À direita, a 2ª edição de um favorito:
Sky Atlas 2000.0 (Desk Edition) de Wil Tirion e Roger Sinnott. Ambos os atlas estão out of print.
A
evolução tecnológica ao longo da segunda metade do século XX permitiu
novo incremento da precisão. A inclusão computorizada de informação dos
catálogos Hipparcos e Tycho, resultantes da pesquisa do satélite científico HIPPARCOS (High Precision Parallax Collecting Satellite) da Agência Espacial Europeia, acontece pela primeira vez com a edição do Millenium Star Atlas (Sinnott & Perryman, Sky Publishing Corporation and ESA, 1997)
Millenium Star Atlas (1997), o primeiro a incluir os catálogos Hipparcos e Tycho [clicar para vizualizar páginas]
Alguns dos atlas actualmente mais utilizados são o Sky & Telescope's Pocket Sky Atlas (v. carta exemplo; .PDF), o The Cambridge Star Atlas e o The Observer's Sky Atlas. Noutro patamar de detalhe, o SkyAtlas 2000.0 (magnitude limite 8.5), o URANOMETRIA 2000.0 - Deep Sky Atlas and Field Guide (grafando 280035 estrelas até à magnitude 9.75 e milhares de objectos do céu profundo, v. exemplo digitalizado) e o referido Millenium Star Atlas (magnitude limite 10-11). Referência mais recente é o Interstellarum Deep Sky Atlas (Stoyan & Schurig, Oculum-Verlag, GmbH/ Cambridge University Press, 2014.
Carta do Interstellarum Deep Sky Atlas [clicar na imagem para ampliar]
Acima, alguns títulos que celebram a Astronomia e a tradição visual e cultural da cartografia celeste: Estrelas de Papel - Livros de Astronomia dos Séculos XIV a XVIII, Biblioteca Nacional, 2009; o maravilhoso Celestial Treasury: From the Music of the Spheres to the Conquest of Space, de Marc Lachièze-Rey e Jean-Pierre Luminet, aqui na edição em Inglês da Cambridge University Press, 2001; em baixo (aberto), Cartas Celestes - Antigos Mapas do Céu, de Carole Stott, Dinalivro, 1992; também na fotografia o pequeno e assertivo dicionário de Paul Kunitzsch e Tim Smart: A Dictionary of Modern Star Names (Second Revised Edition), Sky & Telescope, 2006.
Outros exemplos e incursão em propostas de cartografia digital...
Região do "cinturão" do Orionte
(BrightStar Atlas 2000, Tirion and Skiff)
"Volvelle": planisfério
rotativo (David Chandler Company, Inc.)
Pormenor do Atlas of the Moon, de Antonin Rukl
(Revised, updated edition, 2004 [clicar na imagem para ver página completa em formato PDF]
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O software de astronomia é de inestimável utilidade. Basta inserir as coordenadas geográficas do local de observação. Em cima GUIDE; em baixo CyberSky (clicar para visualizar janelas completas). Ler as nossas "reviews" de vários programas e algumas Cartas de Busca (exportadas pelo primeiro programa mencionado)
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