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Eclipses, trânsitos e ocultações introdução eclipses "portugueses" até 1600
"Quando a Lua está em eclipse, deverás observar com exactidão o mês, dia, o turno da noite [i.e. a hora], o vento, direcção, a posição das estrelas em cuja região o eclipse acontece. Os augúrios relacionados com esse mês, esse dia, essa hora, esse vento, essa direcção e essa(s) estrela(s) deverás indicar." (Charles Virolleaud, L’Astrologie Chaldéenne, Paris, 1908-12, "Sin" [a Lua] XIX, pp.19-20; v. também E. F. Weidner, Alter und Bedeutung der babylonischen Astronomie..., Leipzig, 1914, p.23 [trad. nossa]) “The impression is singularly vivid and quieting for days, and can never be wholly lost. A startling nearness to the gigantic forces of nature and their inconceivable operation seems to have been established. Personalities and towns and cities, and hates and jealousies, and even mundane hopes, grow very small and very far away." (Mabel L. Todd, Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.25)
Introdução: o
fundamental, ciclos
Um eclipse solar só pode acontecer na Lua Nova; um eclipse lunar acontece sempre na Lua Cheia. Os planos da órbita da Terra e da Lua não coincidem (ou teríamos sempre um eclipse solar em cada Lua Nova e um eclipse lunar total em cada Lua Cheia). Assim seria se as órbitas da Lua e da Terra fossem complanares (i.e. se desenvolvessem exactamente no mesmo plano). Mas ambos estão desafasados cerca de 5º (em rigor 5.145°), o que faz que em cada metade do seu período orbital, a Lua esteja acima ou abaixo da Eclíptica, não se verificando o alinhamento exigido entre o Sol, a Terra e a Lua. As órbitas dos luminares intersectam-se em dois pontos chamados nodos. São os pontos (historicamente designados Caput e Cauda Draconis) onde a órbita lunar cruza a Eclíptica (literalmente "o lugar dos eclipses"). O período que o Sol (no seu movimento aparente) demora a voltar ao mesmo nodo é o chamado "ano de eclipse" (ou "dracónico"), equivalendo a cerca de 346.6 dias. Os eclipses somente acontecem quando o Sol e a Lua estão nesses pontos (um eclipse solar acontece quando ambos os luminares estão no mesmo nodo; um eclipse lunar quando cada qual está num dos nodos. i.e. a 180º, ou muito perto). A Eclíptica, percurso do Sol, era, desde a Antiguidade, acima de tudo definida (como o seu nome indica) pela sua relação com os eclipses. No séc. XVI, Robert Recorde explicava: "bicause there can be no eclipse of Sonne or Moone, onles [unless] the Moone be vnder that lyne" (The Castle of Knowledge, 1556). Como o Sol não é um ponto mas sim um objecto extenso, a sombra produzida consiste em dois círculos concêntricos: a umbra ("sombra", círculo interior) e a penumbra (círculo exterior). ![]() Diagrama
representando um "ano de eclipse". Somente quando os nodos
se "alinham" pode acontecer eclipse, o que se verifica duas vezes neste
ciclo (proporcionando dois ou mais fenómenos). (Diagrama original in:
Harrington, Philip S., Eclipse!,
John Wiley & Sons, 1997). O
chamado "ano de eclipse" é o intervalo entre duas passagens sucessivas
do Sol por um dos nodos e, como o nodo se vai deslocando ao encontro do
avanço do Sol, esse intervalo é 18.6 dias menor do que o ano tropical (o das estações, ou
comum). Por isso, num ano comum podem acontecer não apenas dois mas até
5 eclipses. Dois
eclipses solares são inevitáveis, um em cada nodo.
Por efeito das forças gravitacionais, a linha dos nodos desloca-se lentamente, fazendo com que os alinhamentos se verifiquem a cada 173 dias. É a chamada "temporada dos eclipses". Como Kepler de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva explicam: "Se o plano orbital da Lua coincidisse com o plano da eclíptica, um eclipse solar ocorreria a toda Lua nova e um eclipse lunar a toda Lua cheia. Entretanto, o plano está inclinado 5,2° e, portanto, a Lua precisa estar próxima da linha de nodos (cruzando o plano da eclíptica) para que um eclipse ocorra. Como o sistema Terra-Lua orbita o Sol, aproximadamente duas vezes por ano a linha dos nodos está alinhada com o Sol e a Terra. Estas são as temporadas dos eclipses, quando os eclipses podem ocorrer. Quando a Lua passar pelo nodo durante a temporada de eclipses, ocorre um eclipse. Como a órbita da Lua gradualmente gira sobre seu eixo (com um período de 18,6 anos de regressão dos nodos*), as temporadas ocorrem a cada 173 dias, e não exatamente a cada meio ano. A distância angular da Lua do nodo precisa ser menor que 4,6° para que ocorra um eclipse lunar, e menor que 10,3 ° para um eclipse solar, o que estende a temporada de eclipses para 31 a 38 dias, dependendo dos tamanhos aparentes e velocidades aparentes do Sol e da Lua, que variam porque as órbitas da Terra e da Lua são elípticas, de modo que pelo menos um eclipse ocorre a cada 173 dias." (http://astro.if.ufrgs.br/eclipses/eclipse.htm; aced. em 16 de Julho de 2024). * i.e. no sentido contrário relativamente ao movimento directo dos luminares ao longo do Zodíaco. A órbita da Lua desloca-se devido ao efeito de maré combinado da Terra e do Sol. A linha dos nodos regride por ano 19.4° para Oeste. Devido a esta "precessão" dos nodos, os eclipses acontecem nos anos sequentes com um avanço de 18.52 dias relativamente ao ano anterior. (vide Vanin, Gabriele, Les Eclipses: Comment les Observer et les Comprendre, Paris, Éditions Grund, 1999, p.34). ![]() Probabilidade
de ocorrência de um eclipse solar,"danger zone" (Littmann,
Espenak & Willcox, Totality:
Eclipses of the Sun (3rd ed.),
p.13)
Portanto, como Littmann, Espenak e Willcox explicam, duas vezes por ano, grosso modo, acontece o "período perigoso", a mencionada "temporada" quando o Sol atravessa a região dos nodos e um eclipse é possível. Acontece um qualquer tipo de eclipse solar se, na Lua Nova, a distância do Sol a um nodo lunar for: 18°31' (máx.), 15°21' (mínimo), 16°56 (médio). Será central (i.e. os centros dos dois luminares vão coincidir) se estas distâncias estiverem nos intervalos: 11°50' (máx.), 9°55' (mínimo), 10°52 (médio). Estes limites são, como sabemos, variáveis devido a variações aparentes nos diâmetros angulares e velocidades do Sol e da Lua devido às órbitas elípticas da Terra e da Lua. (Totality: Eclipses of the Sun, 3rd ed.,, Oxford University Press, 2008, p.14). "Um alerta de eclipse começa quando o Sol entra na zona perigosa, 15 graus e 1/3 a Oeste de um dos nodos da Lua, e não termina enquanto este não escapar para além de 15 graus e 1/3 a Leste desse nodo. Viajando 1 grau por dia, o Sol estará na zona perigosa por cerca de 31 dias. Uma vez que a Lua completa o seu circuito (com todas as fases) alcançando o Sol a cada 29,53 dias, o Sol não consegue percorrer toda a zona perigosa antes que a Lua aí chegue. Um eclipse solar deve acontecer, sensivelmente a cada meio ano, sempre que o Sol se aproxime de um nodo e entre numa destas zonas perigosas."(ibid.; trad. nossa). O Saros A sequência mais ampla dos eclipses obedece a um período chamado Saros (i.e. "repetição"), perfazendo 223 meses sinódicos (mês sinódico: lunação, tempo transcorrido entre duas luas novas consecutivas) e aproximadamente equivalente ao ciclo de regressão dos nodos da órbita lunar, no qual os centros dos dois luminares e a linha dos nodos quase voltam às mesmas posições relativas. Traduz-se num intervalo de quase 19 anos solares: 18 anos, 11 dias (ou melhor, entre 10 e 12 dias, variação dependendo da hora específica do fenómeno e do nº de anos bissextos [diz-se "bissexto", i.e. Bis VI Kal. Martii, pois no sistema de contagem romano era repetido o sexto dia das Calendas de Março] que acontecem nesse período de dezanove anos no nosso calendário Gregoriano (e.g., 10 dias se acontecerem 5 bissextos) e cerca de 8 horas (7 horas e 42 minutos). Os eclipses assim separados pertencem a um mesmo saros e todos os ciclos são, hoje, astronomicamente numerados, Convencionou-se que os eclipses com número ímpar (na sua série) são os que acontecem no nodo ascendente; atribui-se número par aos que acontecem no nodo descendente. Utilizando o exemplo dos eclipses solares, como um saros não corresponde exactamente a 18 anos, a data de cada um dos eclipses de uma "série" deve avançar os referidos 11 dias suplementares. Mas como a diferença é, em rigor, de 11 dias e 8 horas, estas horas "a mais" traduzem-se numa deslocação rotacional do nosso planeta debaixo da umbra (sombra) lunar que equivale a cerca de 1/3 de um dia ou 120º de longitude (1h=15º). Logo, o eclipse vai acontecer noutra região do globo, deslocada cerca de 120º para Oeste (v. mapa com exemplo infra nesta pág., onde também se explica a evolução dos eclipses de uma "série" no longo prazo). Há outros ciclos, como o "inex" de cerca de 29 anos, relacionando 358 meses sinódicos com 388.5 meses dracónicos, i.e., dos nodos, retorno da Lua ao mesmo nodo da sua órbita. Foi detectado por van den Bergh na sua análise dos dados coligidos no vasto Canon der Finsternisse de Oppolzer (vide G. van den Bergh: Periodicity and Variations of Solar and Lunar Eclipses, T. Jeenk Willink & Zoon N. V., Haarlem, 1955). Em resumo, o Saros é um período que equivale ao ciclo de regressão dos nodos da órbita lunar. Esta propriedade advém de ser um múltiplo inteiro tanto da lunação como do período dracónico (ou "draconítico"). Após três períodos, o eclipse repete-se aproximadamente na mesma localização geográfica. Permitia apenas saber se aconteceria um eclipse num determinado dia, sem definitivamente classificar se seria parcial, total ou anular (não tinha em consideração as distâncias do Sol e da Lua), ou se podia ser observado da mesma localização que o seu antecessor. Não se sabia a razão da recorrência ou da periodicidade específica, apenas compeendida após o detalhado estudo dos movimentos lunares. Já não é usado há muito tempo. A complexa mecânica (relacionada com o célebre "problema dos três corpos", que ocupou matemáticos como d’Alembert, de Clairaut ou Leonhard Euler, em Setecentos), bem como a ponderação de outras eventuais e minuciosas interacções gravitacionais, permite actualmente prever estes fenómenos com enorme precisão, i.e. ao segundo. A designação
nasceu de um equívoco (como procuraremos elucidar mais adiante): "It
is common in 20th century literature to say that this cycle is the
interval that the Babylonians or other ancients called the Saros, and
it is probably hopeless to try to correct this error. Sarton [1952, p.
119] and Neugebauer [1957, p.142] point out that the mistake arose in
the 17th century. Halley started it by misreading a poorly edited text
of Pliny's Natural History." (Newton, R. R., Ancient Astronomical Observations...,
The Johns Hopkins Press, 1970, p.94).
![]() A
magnitude dos eclipses era medida em dígitos ("dedos") ou "pontos" (doze avos do
diâmetro), como se pode ver na fig. 6, representação do eclipse lunar.
Em baixo, tipologia
dos eclipses do Sol (Asa Smith, Smith's
Illustrated Astronomy, Cady & Burgess, 1849)
Ekleipsis Esta palavra, que foi transliterada do Grego como "eclipse", significa abandono ou falha (no sentido de algo "disfuncional"); defectus solis, dizia-se em Latim, "desfallecimento ou ausencia", como explicava Frederico Oom no seu livro acerca do eclipse de 28 de Maio de 1900 (v. infra). Num passado remoto, sem entendimento da mecânica celeste ou tecnologia adequada, seria extremamente difícil compreender a causa dos inusitados fenómenos. Num eclipse solar, os nossos antepassados remotos observavam o Sol a ser lentamente reduzido mas o brilho intenso não permitiria facilmente perceber que se tratava da Lua, apesar da sua fase permitir suspeitar da proximidade. É necessário "esquecer" o que conhecemos (as órbitas, a interacção Sol-Terra-Lua) para procurar imaginar as interpretações míticas, que coincidiam na ideia-base de que a ordem e a regularidade eram seriamente ameaçadas. Nas mais disseminadas tradições, encontramos o mitema do "monstro que devora o luminar": um dragão no Extremo Oriente, um demónio chamado Rahu na Índia (que se disseminou para o sudeste asiático, bem como para nordeste, até à Mongólia e Sibéria, e.g., através do Arakho do folclore dos Buriates), na Mitologia Nórdica eram dois infatigáveis lobos gigantes criados por Loki, rei das artimanhas (Hati perseguia a Lua e Skoll perseguia o Sol); no Egipto, a enorme serpente Apep atacava a barca do Sol (Rá), tema provavelmente relacionável com os eclipses solares, etc. ![]() Na indonésia
chama-se Kala Rau ao asura Rahu, referido no Mahabharata. Na tradição Hindu, os Asuras são demónios antagonistas
dos benevolentes Devas,
ou deuses. O arteiro Rahu terá sido rapidamente decapitado por Vishnu
(enquanto Narayana) após
cometer o sacrilégio de beber do elixir da
imortalidade reservado aos deuses. O corpo pereceu mas a sua cabeça
tornou-se imortal. O demónio vinga-se perseguindo o Sol e a Lua, que o
terão denunciado. Por vezes "engole" um destes (eclipse) mas o luminar
acaba por sair pela goela cortada. (Desenho efectuado a partir de
pintura tradicional Balinesa por Joseph Bientasz, Griffith Observatory,
in: Krupp. E. C., Beyond the Blue
Horizon..., Oxford University Press, 1992 (1991), p.168)
![]() Um
eclipse lunar em 16 de Dezembro de 1880 (data Gregoriana) foi recebido
ruidosamente em Tashkent (Uzbequistão) com tambores e címbalos (gravura
recolhida numa edição de 1900, em Russo, da célebre Astronomie
Populaire de C. Flammarion)
Fontenelle (1657-1757), escritor e pensador Iluminista, expôs diversas superstições e medos relacionados com os eclipses em algumas culturas extra-europeias, mas também ironizou com pretéritas superstições dos "refinados" (raffinés) gregos e com o pânico ainda recente dos seus contemporâneos franceses, quando, durante um eclipse, muitos se trancaram em caves e porões: "Ah! vraiment, répondis-je, il y a bien des peuples qui, de la manière dont ils s’y prennent, ne la devineront encore de longtemps. Dans toutes les Indes orientales on croit que quand le Soleil et la Lune s’éclipsent, c’est qu’un certain dragon* qui a les griffes fort noires, les étend sur ces astres dont il veut se saisir ; et vous voyez pendant ce temps-là les rivières couvertes de têtes d’Indiens qui se sont mis dans l’eau jusqu’au col, parce que c’est une situation très dévote selon eux, et très propre à obtenir du Soleil et de la Lune qu’ils se défendent bien contre le Dragon*. En Amérique on était persuadé que le Soleil et la lune étaient fâchés quand ils s’éclipsaient, et Dieu sait ce qu’on ne faisait pas pour se raccommoder avec eux. Mais les Grecs qui étaient si raffinés n’ont-ils pas cru longtemps que la Lune était ensorcelée, et que des magiciennes la faisaient descendre du ciel pour jeter sur les herbes une certaine écume malfaisante? Et nous, n’eûmes-nous pas belle peur il n’y a que trente-deux ans, à une certaine éclipse de soleil [refere-se a 1654], qui à la vérité fut totale? Une infinité de gens ne se tinrent-ils pas enfermés dans des caves, et les philosophes qui écrivirent pour nous rassurer n’écrivirent-ils pas en vain ou à peu près? Ceux qui s’étaient réfugiés dans les caves en sortirent-ils?" (Bernard Le Bouyer de Fontenelle, Entretiens sur la pluralité des mondes, "second soir", 1742 (1686); excerto é do texto-base, a última edição revista pelo autor; seguimos a Edição Crítica de Alexandre Calame, Paris, Librairie Marcel Didier, 1966, pp.56-57) * "Demon" nas edições de 1886 e 1724. Numa tradução deste trecho em Português (baseada noutra edição): "Ah! respondi eu, quantos povos ha ainda que pela sua maneira de discorrer sobre os Eclipses estarao longo tempo ainda sem adivinha-la. Em todas as Indias Orientaes se crê que, quando o Sol, e a Lua se eclipasam, é porque um certo Demonio, que tem as Garras muito negras, se estende sobre estes Astros, quaes pretende apossar-se; e, se alli podesseis transportar-vos, verieis em todo o tempo que dura o Eclipse os rios coalhados de cabeças de Indios [i.e. hindus], que se mettem na agua até ao pescoço, por ser esta uma situação muito devota, segundo a sua crença, e muito propria para obter do Sol, e da Lua que se defendam bem do Demonio, que procura agarra-los. Na America persuadem-se que o Sol, e a Lua estão enfadados, quando se eclipsam, e Deos sabe o que aquelles povos são capazes de fazer para se reconciliarem com elles! E os Gregos, que eram tão subtis nas suas pesquizas, não acreditaram longo tempo que a Lua cedia aos encantos, e feitiços com que algumas Magicas a faziam descer do Ceo para espalhar sobre as ervas certa espuma venenosa? E entre nós mesmos não se experimentou, haverá talvez sessenta anos, o maior susto occasionado por um Eclipse do Sol? não se conservaram uma infinidade de pessoas encerradas em subterraneos, a pezar de tudo quanto os Philosophos escreveram para destruirem tão ridiculo susto?" (Conversações sobre a Pluralidade dos Mundos: Vertidas de Francez em Vulgar pela Senhora D. Francisca de Paula Possóllo da Costa. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1841, pp.75-6). O pânico foi descrito na gazeta burlesca semanal de Jean Loret, do dia 15 de agosto. Eis as últimas rimas: "Beaucoup de gens, et des plus braves, Se cachèrent au fond des caves, Et tel fut au grenier exprés Pour voir le soleil de plus prés..." O Eclipse é, na alargada abordagem antropológica resumida por Jean-Pierre Verdet (Le Ciel: Ordre et Désordre, Gallimard, 1988), um culminar da desordem cósmica: "...cas extrême des phases de la lune ou de la disparition quotidienne du soleil - est celui du grand désordre cosmique." (p.76). Os valores simbólicos do eclipse e os do incesto, tabu universal ("le signe même du désordre social") são também relacionáveis e surgem em algumas interpretações (ibid.). Na arte, na literatura, na Sci-Fi (ficção científica) ou na BD, o interesse pelos eclipses é evidente, da Odisseia de Homero a Tintin, passando por Shakespeare e Asimov (Nightfall, 1941), pela pintura de Taddeo Gaddi, Rafael (Raffaello Sanzio) ou Hendrick ter Brugghen. Os portentos disseminaram o seu fascínio. ![]() ![]() ![]() Taddeo Gaddi, L'Apparizione dell'angelo ai pastori
(pormenor); fresco, Cappella Baroncelli, Santa Croce, Florença (década
de 1330). Gaddi representou os efeitos luminosos que observou no
eclipse de 16 de Julho de 1330 (Pasachoff, J., Olson, R. Astronomy: Art of the eclipse.
Nature 508, 314–315 (2014); à direita: Isacco e Rebecca spiati da Abimelech
(Gn:26); fresco de Rafael,
Logge di Raffaello, Vaticano, 1518–19
Historicamente, a confirmação de padrões significativos na recorrência e tipologia dos eclipses da Lua foi muito facilitada pelo facto de estes serem sempre observáveis a partir de todo um hemisfério do nosso planeta (na verdade, em mais de metade do planeta devido ao movimento de rotação), enquanto os eclipses solares estão confinados a restritas regiões geográficas, afastadas entre si. O registo cuidadoso dos fenómenos permitiu antecipar os eclipses lunares, reconhecer repetições e, provavelmente, as "lacunas" (eclipses não observados). Os povos da Mesopotâmia foram os primeiros a compreender que os eclipses (lunares) se manifestavam num ritmo próprio. Obedeciam a ciclos. E o saros, já mencionado acima, será o mais importante: "(,,,) As time passed and they accumulated more records, the Chaldeans and other ancient peoples recognized that a specific eclipse occurred a precise number of days after a previous eclipse and before a subsequent one. Eclipses had a long-term rhythm of their own. The most famous and, perhaps, most useful of these eclipse rhythms was the saros, discovered by the Chaldeans and inscribed on clay tablets in their cuneiform writing. The Chaldeans noticed that 6,585 days (18 years 11 days) after virtually every lunar eclipse, there was another very similar one. If the first was total, the next was almost always total." (Littmann, Espenak & Willcox: Totality: Eclipses of the Sun (3rd ed.), Oxford University Press, 2008, p.21). É um múltiplo quase exacto de vários outros períodos: 18 anos e onze dias perfazem 6585 dias, representando 223 lunações (retorno da mesma fase da Lua à mesma data do calendário solar (Juliano), i.e. o chamado Ciclo Metónico*), 242 revoluções dracónicas (cada uma é o retorno ao mesmo nodo, 27,21 dias) e 238 revoluções anomalísticas (cada uma é o intervalo entre duas passagens da Lua pelo seu perigeu, o ponto mais próximo da Terra, 27,55 dias). Está atestado num texto babilónico encontrado em duas placas cuneiformes identificadas e coligidas por Abraham Sachs em 1953 (Olaf Pedersen (Alexander Jones, ed.), A Survey of the Almagest..., Springer, 2008, p.162, n.1). * Ou Enneadecaeteris: mínimo múltiplo comum (aproximado) da duração, em número de dias, do ano trópico (o das Estações) e do mês sinódico lunar (o das lunações). Ciclo tradicionalmente utilizado na “harmonização” dos ritmos convencionais do Sol e da Lua no Calendário Litúrgico, com a sua gestão do excesso de dias do ano solar sobre o lunar - a Epacta). ![]() Uma
serpente emplumada engole o Sol. É um tema recorrente em diversas
mitologias
dos eclipses, protagonizado por dragões (no Extremo Oriente), lobos
(entre os povos nórdicos), jaguares (em algumas culturas
Pré-Colombianas),
demónios de toda a espécie. O eclipse solar assume,
na
perspectiva antropológica, uma ideia de perigo, desordem (cósmica,
social),
desequilíbrio e caos. A técnica para afastar a "ameaça" e acabar com o
momento disruptivo era, em quase todas as culturas, fazer o maior
barulho possível. Na ilustração, desenho de detalhe da tabela de eclipses do chamado Códice de Dresden
(Akademische Druck- u. Verlagsanstalt Graz; p. 57b). Os Maias
utilizaram
calendários complexos, tendo enorme
abrangência na Mesoamérica um ano ritual de 260 dias. Respaldavam-se em
ciclos diferentes dos utilizados no chamado "Velho Mundo", com
abordagens
e interpretações simbólicas específicas. Reconheciam o
período de 177 (ou 178) dias que intervalava os eclipses. Sabiam,
empiricamente, que os eclipses somente se podiam repetir em semestres,
ou ocasionalmente em cinco meses (porque, como hoje diremos, o Sol e a
Lua precisam estar situados nos nodos,
onde ambas as órbitas, i.e. a
Eclíptica e a órbita da Lua, se intersectam)
Também os Maias, na Mesoamérica, após registarem um número suficiente de eclipses, verificaram recorrências, nomeadamente que os fenómenos de maior magnitude se verificavam apenas em intervalos de seis meses lunares ou cinco meses lunares. Descobriram empiricamente a duração aproximada do "ano de eclipse", bem como do meio-ano de 173.3 dias. Recorrendo à data de um eclipse lunar ou solar observado, existia a possibilidade de nova ocorrência, embora em muitos casos o eclipse não acontecesse ou não fosse observável a partir da localização geográfica habitada por estes povos. Todavia, não existia ainda, em qualquer civilização, uma teoria que explicasse o padrão. No caso dos eclipses solares, confinados na área que abrangem e (numa mesma série) "reincidindo" em regiões geográficas afastadas, é provável que, no máximo, num ou outro caso particular, se pudesse inferir uma vaga "possibilidade" de recorrência. Mas seria inexequível antecipar. Com os Gregos desenvolve-se uma perspectiva geométrica na qual os "planetas" (no sentido lato tradicional, que incluía os luminares) descreviam órbitas, e estas eram circulares. Com Hiparco, e depois com Ptolomeu, desenvolve-se um conhecimento mais aprofundado das peculiaridades dos movimentos aparentes do Sol e da Lua. As ulteriores tabelas medievais, respaldadas no legado ptolomaico e com refinamentos promovidos pelos astrónomos das regiões islamizadas, permitiam antecipar os eclipses lunares com notável precisão (~1 hora). Mas o verdadeiro salto qualitativo, definitivo no que diz respeito aos eclipses do Sol, só acontecerá mais tarde com as leis da mecânica celeste de Newton. Edmond Halley (1656-1742) foi o primeiro astrónomo a calcular e antecipar com precisão as localizações, "timings" e percursos dos eclipses. Fê-lo para os eclipses solares de 1715 e 1724, cuja totalidade percorreu a Inglaterra. O primeiro eclipse cronometrado por um grupo de astrónomos foi, justamente o de 3 de Maio 1715, data Gregoriana (Stephenson, F. Richard (1982). "Historical Eclipses". Scientific American. vol.247, no.4. pp. 154–163). A partir daí, tornou-se também exequível calcular (retrospectivamente) fenómenos no passado e conhecer a sua cronologia. ![]() O
mapa desenhado por Halley para o eclipse de 1715 foi um dos primeiros
do seu
género (o primeiro parece ter sido desenhado pelo astrónomo Alemão
Erhard Weigel em 1654, vide
Kanas, Nick, Solar System Maps: From
Antiquity to the Space Age, Springer/Praxis Publishing, 2024,
p.224). Após o eclipse, foi corrigido e republicado, adicionando o caminho do futuro eclipse de 1724
que também atravessaria a Inglaterra
A recorrência lunar reconhecida na antiga Mesopotâmia também acomoda os eclipses solares. Normalmente, cada ciclo inclui 70 eclipses (41 solares e 29 lunares). Dado um determinado eclipse, decorrido um destes intervalos assiste-se a outro eclipse com geometria similar (duração, tipo, configuração do percurso de sombra, etc.), todavia observável noutra região geográfica devido ao facto de os períodos relacionados não serem exactamente múltiplos. Em causa está a dinâmica do sistema Sol-Terra-Lua. Como já vimos acima, antes de mais, atendendo a que um saros não corresponde exactamente a 18 anos, a data de cada um dos eclipses do "grupo" vai avançar os 11 dias em excesso. Mas como a diferença é, em rigor, de 11 dias e 8 horas, as horas "remanescentes" traduzem-se na deslocação rotacional do nosso planeta sob a umbra (sombra) lunar que equivale a cerca de 1/3 de um dia ou 120º de longitude (1h=15º). Logo, o eclipse vai acontecer noutra região do globo, deslocada cerca de 120º para Oeste. Logo, é necessário completar 3 saros (669 meses sinódicos, período designado Exeligmos (aparentemente favorecido pelos Gregos) que encontramos mencionado no Isagoge de Geminus (XVIII) ou no Almagesto (IV, 2) de Ptolomeu) para que o eclipse atinja aproximadamente a mesma região do globo, "voltando" à mesma longitude. Porque já se verificou um diferencial de 33 dias (11x3), o Sol estará, todavia, um pouco mais alto (ou baixo), dependendo da estação do ano e do movimento ascendente ou descendente da Lua através do nodo (i.e. deslocamento gradual do nodo lunar, cerca de 0.5º entre eclipses sucessivos), determinando uma faixa e totalidade geograficamente deslocada para norte ou para sul. ![]() Caminho de Totalidade de nove eclipses pertencentes ao saros nº 136, no intervalo 1901-2045 (Espenak, F. & Meeus, J., Five Millennium Canon of Solar Eclipses: –1999 to +3000 (2000 BCE to 3000 CE), NASA/TP–2006–214141, p.38). Eclipses sucessivos dos saros com nº par acontecem deslocados para Oeste e Norte; dos saros com nº ímpar para Oeste e Sul. Todos os eclipses de uma
mesma série acontecem no mesmo nodo
lunar (ascendente ou descendente).
A longo prazo, uma
série (ou "família") saros
começa com um conjunto de eclipses parciais observáveis em
latitudes muito elevadas, seguido de um conjunto de eclipses anulares,
totais ou híbridos (nestes, o cone de sombra não toca a superfície do
nosso planeta nos extremos do seu percurso mas somente numa fase
intermédia devido à curvatura terrestre) em latitudes geográficas
medianas (N.B.: embora existam saros sem eclipses totais, ou sem
eclipses anulares, nenhum tem somente eclipses parciais).
Em resumo, o ciclo começa de modo incipiente, somente penumbral, Após
um intervalo aproximado de dois séculos, a umbra começa a tocar a
superfície do nosso planeta e a proporcionar eclipses mais notáveis
durante cerca de 950 anos. Finalmente,
espiralando ao
longo do globo, e tendo entretanto atravessado o Equador, a série sai
de cena com um conjunto de modestos eclipses parciais próximos do pólo
geográfico oposto, após um intervalo médio de 1300
anos. [Mobberley, M., Total Solar Eclipses and How to Observe
Them, Springer, 2007, pp.15-17): Zirker, J. B., Total Eclipses
of the Sun (Expanded ed.), Princeton University Press, 1995,
pp.37 et seq.; Nordgren, T., Sun, Moon, Earth: The History of Solar
Eclipses..., Basic
Books, 2016, ch. 2]
Como acontecem muitos e não apenas um único eclipse em cada período de (quase) 19 anos, há sempre vários ciclos saros a decorrerem em simultâneo (~40 em curso a qualquer momento). A
interpretação do nome Saros
(Gr. σάρος) é de origem moderna (Neugebauer, O., A History of Ancient Mathematical Astronomy,
Springer, 1995, vol.1, p.497 n.2). Terá sido pela
primeira vez utilizado
(neste contexto) por Edmond
Halley em finais do séc. XVII, enquanto comentava passagens de uma
edição da Naturalis Historia
de Plínio (Emendationes & Notae in tria
loca vitiose edita in textu vulgato Naturalis Historiae C. Plinii).
A palavra foi, supostamente, retirada do "Suda" (ou "Suidas"), um
extenso lexicon
(dicionário) Bizantino do séc. XI (v. trad. entrada relevante
em Inglês, .PDF, 20KB; 1ª nota
denuncia a extrapolação para o tema dos
eclipses, 2ª nota é
pertinente e corrige lapso no original). Otto Neugebauer
procurou descrever o turbulento percurso deste conceito (The Exact Sciences in Antiquity, 2nd ed.,
Dover Publications, 1969, pp.141-2): associado à Astronomia pela
primeira vez no referido dicionário, não tinha qualquer ligação aos
eclipses (mas sim com uma relação trivial entre o ano e o número de
meses do ano). Com suposta origem na Suméria, relacionava-se
primitivamente, segundo Ideler (Handbuch
der Mathematischen und Technischen Chronologie,
I, 1825, p.213), com conceitos como "universo" ou "pluralidade" e, mais
tarde, com o número 3600 (expressão concreta de uma elevada
quantidade). É, de facto, usado por Berossus (circa 290 A.C) como
sinónimo de "3600 anos". Edmond Halley lê em Plínio a descrição da
recorrência
dos eclipses (que sabia serem 223 meses), numa edição que
indicava "222" (edições diferentes grafavam números diversos, incluindo 235, obviamente sugerido pelo Ciclo Metónico, que é diferente,
ainda hoje usado no nosso Calendário Litúrgico).
Presumindo que o texto do séc. XI se baseara em Plínio, decide aplicar
a
"correcção" a ambas as fontes, relacionando erradamente a mais recente
com a temática dos eclipses (não tendo em conta contexto original, que
não faz sentido com a alteração). Esta conjectura (embora criticada por
alguns autores na época) foi todavia publicada por Montucla na
sua célebre Histoire des
mathematiques (1758) e o mito "Saros" não mais se desfez. Em
resumo, Halley interpretou
incorrectamente a descrição original mas a terminologia perpetuou-se no
uso astronómico. Em rigor,
segundo Franz Xaver Kugler (Die
babylonische mondrechnung,
1900), no período Selêucida (mais tardio) os
eclipses eram calculados medindo
cuidadosamente a latitude lunar relativa às sizigias (Lua Nova e Lua Cheia), existindo contudo
indicações da utilização. num período anterior, de um ciclo de
cerca de 18 anos para determinar a sua recorrência (bem como a de
diversos outros fenómenos lunares).
![]() Conhecida
ilustração oitocentista de uma batalha entre Lídios e Medos, relatada
por
Heródoto, supostamente
interrompida por um
eclipse total que motivou a celebração da paz entre os antagonistas
(reproduzida por Todd, Mabel L., Total
Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.95).
Proveniente de
fonte francesa (autoria do artista Georges
Rochegrosse, 1859-1938)
Cronologias Uma vertente interessante consiste no recurso aos eclipses do passado como ferramenta cronológica. Neste âmbito, onde a Astronomia, a História e a Cronologia, se encontraram, há alguns nomes do passado que são referência. No primeiro quartel do séc. XIX, o Barão Franz Xaver von Zach (1754-1832) elencava diversos "éclipsographes": "Scaliger, Petau, Riccioli, Calvisius, Struyck, Ferguson, Lambert, Pingré, etc." (Correspondance Astronomique, vol.3 (1819), p.560). Os académicos do final do século XIX e início do XX (Friedrich Karl Ginzel, John Knight Fotheringham et al.) procuraram interpretar os vagos relatos clássicos, quase sempre literários, presentes em resumos históricos, biografias e até poemas (como um conhecido exemplo de Arquíloco (séc. VII a.C.), fragm. 122, v. Barron and Easterling, 1985, p.125) porque não havia nada mais 'técnico' à disposição. Com a descoberta e tradução de parte dos registos cuneiformes encontrados na Mesopotâmia (quase todos arquivados no Museu Britânico), consegue-se amiudadamente obter informação muito mais precisa. É muitas vezes possível fazer a relacionação com os antigos calendários, em paralelo com as listas disponíveis de reis e soberanos (como o "Canon Basileon" que encontramos nas tabelas de Ptolomeu), e.g., o eclipse ocorrido na data equivalente a 15 de Junho de 763 a.C. surge na chamada "Crónica Assíria", sendo relevante para a cronologia desta civilização. Na tradução fidedigna de Alan R. Millard: (Eponym of) Bur-Saggile of Guzana. Revolt in the citadel; in (the month) Siwan, the Sun had an eclipse (samas attalu). [Assyrian Chronicle; trans. Millard (1994, p.58)] O 'epónimo' ("limmu" no original) refere-se ao governador provincial ou magistrado cujo nome identificava o ano para o qual estava mandatado (comparável aos "arcontes" Gregos e aos cônsules que encontraremos em Roma). Neste caso o seu nome era Bur-Saggile. A partir do "Cânone dos Reis" que Ptolomeu transcreveu (vide G. J. Toomer, Ptolemy's Almagest. Translated and annotated, Duckworth, 1984, p.11), foi possível (nas listagens de eclipses retrospectivamente calculados) localizar o que responde ao ano, mês e localização. Pela tradução de Millard percebemos que o eclipse, sendo na região de Assur, não se refere obrigatoriamente à capital, como é habitual encontrar noutras referências. A sua magnitude também não foi sugerida no registo original. Outro exemplo é o eclipse no dia do novilúnio do mês de Hiyar, equivalendo (numa pesquisa retrospectiva) a de 3 de Maio de 1375 a.C. em Ugarit (antiga cidade do norte da Síria): o Sol foi humilhado e apagou-se em pleno dia ("The sun was put to shame and went down in daytime", vide J. B. Zirker, Total Eclipses of the Sun, Princeton University Press, 1995, chapter 1; a fonte original é a placa cuneiforme KTU 1.78, encontrada em 1948). A verificação das datas cronológicas tem em conta a aceleração orbital da Lua e desaceleração da rotação da Terra (resultado das forças em presença nas marés oceânicas, que em pequenos incrementos se tornam influentes a longo prazo). A primeira explicação matemática detalhada do efeito foi feita pelo notável matemático Pierre-Simon de Laplace (1749-1827) no último quartel do séc. XVIII. Na realidade há múltiplos factores, nomeadamente climáticos, que criam pequenas variações na rotação da Terra, nem todos ainda completamente compreendidos. As cronologias são constantemente ajustadas e refinadas em função do conhecimento destas variáveis e com nova informação de antigos relatos entretanto descobertos. Segundo F. Richard Stephenson, os eclipses cronologicamente válidos enquadram-se em três categorias (por ordem de relevância decrescente): os que também incluem a hora do dia, os que foram relatados como acontecendo próximo do orto ou do ocaso do Sol e, por fim, os que não relatam os "timings" mas são considerados conspícuos, i.e. totais ou quase totais. ("Historical Eclipses". Scientific American. Vol. 247, no. 4., pp.173-74). Refira-se que, curiosamente, não há, aparentemente, qualquer evidência de registos relacionados com eclipses nas fontes do Antigo Egípto. Seria tabu? Segundo os editores da Encyclopedia Britannica: "Some scholars have suggested that perhaps eclipses were highly distressing and were deliberately left unrecorded so as to not "endow the event with a degree of permanence" or tempt the sun god Re (Ra). One Egyptologist has suggested that various references to an apparently metaphorical form of blindness align with historical eclipse dates and may be symbolic records of these events. Or perhaps papyrus records were simply lost to time." (Petruzzello, Melissa. "The Sun Was Eaten: 6 Ways Cultures Have Explained Eclipses". Encyclopedia Britannica, 1 Aug. 2017, https://www.britannica.com/list/the-sun-was-eaten-6-ways-cultures-have-explained-eclipses. Accessed 30 October 2023) A leitura histórica não está, porém, isenta de dificuldades, atendendo à complexidade da interpretação de muitas das fontes, com testemunhos imprecisos, ficcionados ou, de algum modo, "falsificados" (e.g., fenómenos "transladados" para coincidirem com eventos históricos ponderosos). Muitos astrónomos e divulgadores reputados repetem até à saciedade relatos com pífia credibilidade, porque insuficientemente ou equivocamente documentados. Exemplos: o célebre episódio Chinês dos astrónomos Hsi e Ho (nomes que remetem para a antiga mitologia astronómica solar, com ulterior materialização "histórica" na lenda; podemos encontrar um bom resumo em Littmann et al.: Totality: Eclipses of the Sun (3rd ed.), Op. cit., pp.33 et seq.; a fonte confucionista original (uma compilação de diversos discursos antigos e registos de eventos) foi ed./trad. por James Legge: The Chinese Classics, vol. 3, The Shoo King [Shu Ching], Hong Kong University Press, 1960). Fenómeno dataria da (debatida) dinastia Hsia ou Xia e chegou à Europa num tratado de 1732 da autoria do jesuíta Antoine Gaubil. A lenda refere um eclipse que ocorreu supostamente em 2137 a.C. Aos negligentes astrónomos incumbentes, Hsi e Ho, foi prometida severa (capital) punição por não terem antecipado a ocorrência, episódio que J. Needham (na senda de outros autores) considera obviamente espúrio e uma interpolação relativamente recente (Mathematics and Science in China and the West, vol.3, Cambridge University Press, 1959, p.189). Outro célebre fenómeno foi supostamente "previsto" por Tales de Mileto e interrompe uma batalha entre Lídios e Medos (Heródoto, I, 74), Plínio (Nat. Hist. II, 9) ou Cícero (De Divinatione, 49), Foi "validado" no séc. XIX pelo astrónomo G. B. Airy como sendo o eclipse ocorrido na data equivalente a 28 de Maio de 585 a.C. O próprio sítio da batalha, nas margens do rio Halys, é somente mais uma suposição. A polémica começa pela (im)possibilidade de previsão das circunstâncias locais ou geográficas na época de Tales (para os eclipses solares não bastaria conhecer o ciclo saros, seria necessário recorrer a um vasto acervo de datas de eclipses observados na região, dos diversos saroi em curso, para uma estimativa minimamente informada baseada nos pares ou trios ocasionais), De resto, se o filósofo milesiano utilizou um ciclo, convém esclarecer que os ciclos contêm um número integral de meses e a predição apontaria necessariamente o dia, não o ano, como descrito no relato. Simon Newcomb (1835-1909) cedo sugeriu cautelas na leitura crédula destes antigos "relatos" de supostos eclipses. Salientou o facto de Tales apenas ter "previsto" um único eclipse (demais total, na sua região geográfica) e a enorme improbabilidade inerente: "That he predicted only a single eclipse is highly improbable; that, in addition, this one should prove to be total within a hundred miles of his birthplace transcends all reasonable probability" (Researches on the Motion of the Moon..., Washington, Government Printing Office, 1878, p.30). Convém lembrar que Tales ou Pitágoras pertencem a uma categoria de "heróis sapientes" mitificados, aos quais tudo era (e foi sendo) atribuído, muitas vezes anacronicamente (a cosmologia de Tales era ainda muito rudimentar, concebendo uma Terra plana que flutuava numa vasta extensão de água). Para Otto Neugebauer (The Exact Sciences in Antiquity, 2nd ed.. Dover Publications, 1969, pp.142-3) a realidade de tal previsão é liminarmente recusada e a "ligação" babilónica não colhe pois entre estes não existia, na época, qualquer teoria para prever eclipses solares. nem os Babilónios alguma vez desenvolveram uma teoria que tomasse em consideração a latitude do lugar. Citamos da 1ª edição de 1952, p.136: "The myth of the Saros is often used as an 'explanation' of the alleged prediction by Thales of the solar eclipse of -584 May 28. There exists no cycle for solar eclipses visible at a given place; all modern cycles concern the earth as a whole. No Babylonian theory for predicting a solar eclipse existed at 600 B.C., as one can see from the very unsatisfactory situation 400 years later; nor did the Babylonians ever develop any theory which took the influence of geographical latitude into account. One can safely say that the story about Thales’s predicting a solar eclipse is no more reliable than the other story about his predicting the fall of meteors." O ano específico (4º ano da 48ª Olimpíada), muito mais tarde indicado por Plínio (que teria acesso às datas dos eclipses mais conspícuos), coaduna-se, de facto, com o de uma totalidade que se observou na Ásia Menor em 585/4 a.C., v. mapa (F. Espenak, NASA/GSFC, editado). Todavia, neste caso o eclipse teria sido somente observado ao final da tarde, hora pouco usual para este tipo de confronto bélico. De resto, como Ronald R. Newton salienta, a fonte Heródoto (séc. V a.C.) faz numa outra passagem (VII, 37) a clara descrição de um eclipse comprovadamente inexistente, supostamente observado de Sardes circa 446 a.C. pelas forças militares de Xerxes, que se preparavam para atacar os gregos (datação é, neste caso, verificável através de diversas outras fontes fidedignas). Se Heródoto se "enganou" aí, com um intervalo de somente uma década, como acreditar nesse outro relato (mais de um século anterior ao historiador) de um fenómeno concomitante com uma batalha não datável entre Lídios e Medos? (Ancient Astronomical Observations..., Op. cit., 1970, pp.97-9). Newton também refere (p.44): "Since an eclipse was often regarded as an omen, an imaginative writer could place an eclipse before or at the beginning of a great event, such as a military campaign, and interpret it to suit the course of history. This procedure perhaps accounts for the remarkable tendency of people to fight battles during a solar eclipse. The death of a king or an eminent person is often accompanied by prodigies or marvels. A well known example is given by Plutarch [ca 100; Life of Caesar]: The most signal preternatural appearances were the great comet, which shone very bright for seven nights after Caesar's death, and then disappeared, and the dimness of the sun, whose orb continued pale and dull for the whole of that year ...'' Also the fruits dia not ripen properly and a phantom appeared to Brutus." Ainda acerca do "eclipse de Tales", citamos a opinião lúcida de Sir H. C. Rawlinson, em 1858: "The prediction of this eclipse by Thales may fairly be classed with the prediction of a good olive crop, or the fall of an aerolite [predição atribuída a Anaxágoras]. Thales, indeed, could only have obtained the requisite knowledge for predicting eclipses from the Chaldeans; and that the science of these astronomers, although sufficient for the investigation of lunar eclipses, did not enable them to calculate solar eclipses—dependent as such a calculation is, not only on the determination of the period of recurrence, but on the true projection also of the track of the Sun's shadovv along a particular line over the surface of the earth—may be inferred from our finding that in the astronomical canon of Ptolemy, which was compiled from the Chaldean registers, the observations of the Moon's eclipse are alone entered." (Month. Not., Royal Astr. Soc., vol. xviii. p. 148; March 1858) - Excerto (.PDF, 690KB) do estudo de Jack B. Zirker (Total Eclipses of the Sun), que se respalda na opinião de alguns especialistas, transcrevendo a pertinente tipologia de relatos espúrios de R. R. Newton (Op. cit.) e um paper de Miguel Querejeta (de 2011) que resume abordagens pretéritas e analisa mais duas propostas quanto à possibilidade de Tales ter utilizado ciclos para prever um eclipse, concluindo e demonstrando estatisticamente a impossibilidade do procedimento. Já as referências de Tucídides (c. 400 a.C.) são fidedignas e expostas numa linguagem precisa. Na sua História da Guerra do Peloponeso (nomeadamente em II.XXVIII, IV.LII e VII.L) encontramos algumas referências facilmente confirmadas pelos cálculos astronómicos retrospectivos: "Durante este mesmo Verão no princípio do mês lunar, no único momento em que isto pode acontecer, houve um eclipse do Sol depois do meio-dia; tomou a forma dum crescente e depois de novo ficou cheio e algumas estrelas tornaram-se visíveis." (História da Guerra do Peloponeso (trad. Raul M. Rosado Fernandes e M. Gabriela P. Granwher), Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 2013; II.XXVIII) A Literatura Clássica associou amiudadamente os eclipses a acontecimentos históricos ou míticos considerados importantes, como por exemplo ao nascimento e morte de Romulus e à fundação de Roma. A Bíblia parece incluir pelo menos um relato explícito de um eclipse do Sol, em Amos, VIII.9. Já os portentos que nos Evangelhos acompanharam o nascimento e a morte de Jesus Cristo (da estrela de Belém às "trevas" da crucificação) são hoje teologicamente considerados engenhosas narrativas que ilustram ensinamentos religiosos, como acontece amiudadamente na tradição da midrash talmúdica, e não "relatórios" de eventos cósmicos ou de outro tipo. Na crucificação, um eclipse solar teria sido impossível pois o plenilúnio vernal assinalava a Pesah (Páscoa) Judaica (e, como sabemos, não há eclipses do Sol na Lua Cheia). Demais, as "trevas" duraram três horas, segundo três dos Evangelhos, e.g., "E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona." (Mateus, 27:45), Contudo, segundo algumas exegeses, poderá ter acontecido um eclipse lunar pois alguns comentários referem uma Lua "vermelha" ou "cor de sangue". A
"Figura" do céu aquando da Crucificação na "Cronologia Universal" de
Heirico Buntingo (Heinrich
Bünting). O
autor explica: o sol perdeu a sua luz no meio do céu de modo
contranatura (i.e. milagrosa),
não muito longe da cabeça do dragão
[caput draconis, o nodo lunar
ascendente], "de onde naturalmente não podia estar longe". Foi,
portanto, um eclipse sobrenatural: "Hyperphysica
igitur & praeternaturalis fuit haec defectio solis". A Lua,
sem receber luz deste sol "naturaliter
deficere", estava no imum
coeli, nos Antípodas, perto da cauda
do dragão
[cauda draconis, o nodo
lunar descendente]. Acresce que Saturno [a Infortuna maior], emergindo sobre o
horizonte, esteve em quadratura [aspecto astrológico maléfico], e
"olhou" para o Sol e para a Lua ("...solis
et lunae aspexit"), estando estes eclipsados. Termina a
exposição salientando quão terrível foi esta configuração do céu: "Vides ergo quam terribilis haec fuerit
facies coeli." (Chronologia
catholica, omnium hactenus ab initio mundi, ad nostra vsque tempora
editarum, ultima & absolutissima demonstrata. Omnium gentium et
temporum, tam sacris quam alias probatis scriptis. Calculo quoque
astronomico prutenico vt laboriosissimo ita certissimo. Ecclipsium,
stellarum, & calendariorum: Ebræorum, Græcorum, Ægytiorum &
latinorum: vsque ad ipsum mundi initium. Historia item..., Salomon Richtzenhan, Magdebvrgi,
1608, fol.237v.). Uma abordagem horoscópica deste jaez seria,
claramente, censurada pela Igreja de Roma.
Os antigos Chineses foram pródigos no relato de eclipses bem como no de todos os fenómenos relacionados com a regularidade (ou o distúrbio da regularidade) no céu e, consequentemente (por correspondência), no vasto Império do Meio. Os eclipses faziam parte da "astrologia política". Segundo Littmann et al. (Op. cit., p.35), desconheceram todavia as causas concretas destes fenómenos até uma época relativamente tardia: The Chinese were early in recording eclipses but late in recognizing their cause. Not until the third or fourth century a.d. did they understand solar and lunar eclipses well enough to be able to predict them accurately. Utilizavam métodos divinatórios complementares, por exemplo ossos oraculares (também designados "ossos de dragão") e pedaços de carapaças de tartaruga estaladas por aquecimento no fogo, nas quais se observavam e interpretavam as fendas resultantes. Apesar da longa tradição, o primeiro registo fiável é relativamente tardio: "For all its ancient historical tradition China is without a single reliable eclipse record before 720 B.C." (Stephenson, "Historical Eclipses", Scientific American. Vol. 247, no. 4, 1982, p.175) . O conhecimento (entretanto alcançado) de que que um eclipse solar seria causado pela interposição da Lua, mereceu resistência por parte de alguns sábios. O astrónomo Wang Chong (séc. I) questionava, filosoficamente, como seria possível a Lua, que era Yin, causar o obscurecimento do Sol, Yang (i.e. mais forte)? Preferiu acreditar que estava na natureza do próprio Sol "minimizar-se" ou "apagar-se" durante a ocorrência do fenómeno. (Thurston, H., Early Astronomy, Springer-Verlag, 1994, p.85). Num registo Chinês de (i.e. reduzido a) 17 de Julho de 709 a.C. e presumidamente observado em Ch'u-fu (Qufu), "...o Sol foi eclipsado e foi total.": "Duke Yuan, 3rd year, 7th month, day jen-ch'en [cyclical day number = 29], de first day (of the month). The Sun was eclipsed and it was total." (Ch'un-ch'iu, I). Segundo Stephenson, que citamos (Historical Eclipses and Earth's Rotation, Cambridge University Press, 1997, p.226), trata-se da primeira referência explícita à totalidade, em qualquer civilização. ![]() Shih ("comer", "consumir") é, da dinastia Shang em diante, uma palavra relacionada com os eclipses, revelando a persistência no imaginário tradicional do dragão que abocanhava o luminar. A associação entre eclipses e dragões presidiu ao desenho da insígnia da Dinastia Qing (ou Ch'ing, de origem Manchú), a última dinastia imperial Chinesa. Será insígnia e a primeira Bandeira Nacional. Esta versão rectangular (aqui ilustrada em escala de cinzentos) foi adoptada em 1889 (Close, Frank, Eclipses ["What Everyone Needs to Know" Series], Oxford University Press, 2019) Por seu lado, as observações árabes medievais são, segundo F. Richard Stephenson (ibid., p.456), das mais rigorosas de todo o período pré-telescópico. Ibn Yunus (m. 1009 A.D.), que viveu no Cairo (al-Qahirah), compilou num único tratado (al-Zij al-Kabir al-Hakimi, um manual com tabelas dedicado ao Califa al-Hakim), cerca de trinta observações de eclipses lunares e solares ocorridos no período 829-1004 A.D. Os astrónomos sabiam dos perigos da observação do Sol e al-Biruni (no Kitab Tahdid Al-Amakin..., tratado de geografia matemática do séc. XI) aconselha a observação por intermédio do reflexo na água. No contexto Islâmico, as horas eram muitas vezes identificadas aproximadamente pelas orações diárias: Fajr (amanhecer), Zuhr (meio-dia), 'Asr (tarde), Maghrib (poente) e 'Isha (noite). Num exemplo relatado por Ibn Hayyan em Córdova, data equivalente a 17 de Junho de 912 A.D. (299 da Era Islâmica, A.H.), num eclipse vespertino, as pessoas acreditaram tratar-se do ocaso do Sol (cit. por Stephenson, 1997, p.438; trad. nossa): "Neste ano, o Sol foi eclipsado e dele tudo desapareceu na quarta-feira (arbe'a) quando faltava uma noite para completar [o mês de] Shawwal. As estrelas apareceram e a escuridão cobriu o horizonte. Julgando que era o pôr-do-sol, quase toda a gente rezou a oração do Maghrib ["poente"]. Depois disso, a escuridão dissipou-se, o Sol reapareceu por meia hora e depois pôs-se." (al-Muqtabis fi Tarikh al-Andalus (vol. III, p.147; Paris, 1937) John Steele refere (Observation and Predictions of Eclipse Times by Early Astronomers, ("Archimedes", vol. 4), Kluwer Academic Publishers, 2000, p.107) que os registos são escassos para o contexto, situam-se todos entre os séculos. IX-XI e foram observados por apenas seis fontes: "All of these date from the ninth to the eleventh centuries AD, and were observed by only six different people: Habash, al-Mahani, al-Battani, the Banu Amajur [um grupo de astrónomos que observou em Bagdad e, talvez, Shiraz], Ibn Yunus and al-Biruni." No contexto europeu, o mesmo Stephenson (1997, ch. 11) considera as crónicas em geral elucidativas na descrição e datação dos fenómenos. Lavraram-se muitas crónicas monásticas, tão numerosas que raramente foram editadas em compilações e por isso permanecem "escondidas". Na Europa, antes do séc. XVII e da utilização do telescópio, encontramos poucos registos cronometrados: "Indeed, before the beginning of the seventeenth century AD, only seven astronomers are known to have made detailed timed observations of eclipses: Isaac ben Sid, Levi ben Gerson, Jean de Murs, Regiomontanus, Bernard Walther, Nicholas Copernicus, and Tycho Brahe. This trend was radically reversed during the seventeenth century AD, in particular after the invention of the telescope." (John Steele, Op. cit., p.133) ![]() Detalhe de uma das folhas (Blatt nº132) do monumental Canon der Finsternisse ("Cânone dos Eclipses") de Theodor von Oppolzer (Akademie der Wissenschaften, Kaiserlich-Königlichen Hof-und Staatsdruckerei, Wien, 1877), com cerca de 13000 fenómenos (solares e lunares) calculados. Infelizmente, os métodos aproximados usados por von Oppolzer na construção dos seus mapas representavam de modo impreciso as curvas, pois somente calculavam os pontos inicial, médio e final. (vide e.g., Todd, M. L., Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.199, n.15; Mitchell, S. A., Eclipses of the Sun, Columbia University Press, 1935 (1923) p.36). Mas incluía tabelas para extrapolar informação. Foi reeditado pela Dover em 1962 ("Unabridged and corrected republication of the German original") por Owen Gingerich. Todavia, o Canon também não tomava suficientemente em consideração a variabilidade da rotação da Terra. Historiografia Recuando pelo menos a Leovitius (Cyprian Karásek), 1514/1524?-1574, Tycho ou Kepler, a interpretação dos relatos (e a historiografia da mesma) constitui, por si, um estudo muito interessante. Antigas listagens e/ou relatos de supostos eclipses históricos podem ser encontrados na seguinte bibliografia muito resumida, grosseiramente organizada por ordem cronológica (obras anteriores ao início do século passado): Ricciolus (Giovanni B. Riccioli), Almagestum Novum, Bologna, 1651 Johannes Kepler, Astronomies Pars Optica..., Frankfurt, 1604 Tycho Brahe, Historia Coelestis..., Augsburg, Simonem Utzschneiderum, 1666 (miscelânea de relatos e observações editada e impressa por Albert Curtz décadas após o decesso de Brahe) Sethus Calvisius (Seth Kalwitz), Opus chronologicum ex autoritate s. scripturae ad motum luminarium coelestium contextum, Leipzig, 1605 (consultada a 4ª edição: Opus chronologicum ubi Tempus Astronomicum..., Editio Quarta, Francofurti ad Moenum & Embdae, Anthonius Hummius, MDCL) Nicolaas Struyck, Inleiding tot de algemeene geographie, benevens eenige sterrekundige en andere verhandelingen ["Introdução à geografia geral, bem como alguns tratados astronómicos"], Amsterdam, Isaak Tirion, 1740 James Ferguson, Astronomy Explained upon Sir Isaac Newton's Principles, 2nd ed., pp. 167-79. London, 1757 (baseado nos catálogos de Struyck, Riccioli et al.) Nicolas V. de Saint-Allais (ed.), L'Art de verifier les Dates, 1818-9 (1750); listas de eclipses por Alexandre Guy Pingré Mabel L. Todd, Total Eclipses of the Sun, Boston, 1894 Samuel J. Johnson, Historical and Future Eclipses with notes on Planets, Double Stars, and other Celestial Matters, London: James Parker and Co., 1896 (edição pretérita com título Eclipses, Past and Future..., 1874) George F. Chambers, Story of Eclipses, London, George Newnes, 1899 (c/ diversas reedições) Também interessantes: o artigo de G.B. Airy: On the Eclipse of Agathocles, the Eclipse at Larissa, and the Eclipse of Thales (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, vol. 17, Issue 8, June 1857, pp. 243–244), os contributos de John Russell Hind (1823-1895), por exemplo na revista Nature (July 1872, pp. 251-53) ou, por John Knight Fotheringham: Historical Eclipses (Halley Lecture delivered 17 May 1921), Oxford, Clarendon Press, 1921. A crença nas valências cronológicas fez com que alguns destes autores "ajustassem" cronologias, raramente com o respaldo necessário. A exegese dos relatos tornou-se gradualmente mais cautelosa e exigente. Nos trabalhos acima, encontramos um amplo elenco de relatos de fenómenos célebres e supostamente confirmados. Alguns vão recorrendo, consoante a metodologia crítica em presença e a dinâmica intertextual. Primeiro os clássicos, os bíblicos e os medievais. Mais tarde, com Gaubil e outros jesuítas, chegam os extremo-orientais, com datações por vezes prodigiosas. Depois o contingente mesopotâmico entretanto desvelado nas placas cuneiformes. Nos autores do século XIX encontramos, amiudadamente, um eclipse observado na China Antiga na constelação/asterismo Fang ou o famigerado episódio de Ho e Hi (ou Ho e Hsi). Da Bíblia, a profecia de Amos (VIII, 9) e uma duvidosa referência em Isaías, XIII, 10. Assistiu-se entretanto ao início da Assiriologia (com o estudo e tradução dos registos cuneiformes), com referências mais precisas, como a que respeita ao eclipse de Nínive em 783 a.C. Os registos dos eclipses lunares do Almagesto mereciam destaque pela antiguidade e proveniência. Os dez mais antigos eclipses lunares descritos no Almagesto são referidos como tendo sido observados na Babilónia (Steele, J., Observation and Predictions of Eclipse Times by Early Astronomers, (Archimedes, vol. 4), Kluwer Academic Publishers, 2000, p.93). O mais antigo possui data equivalente a 19 de Março de 720 a.C. (Toomer (trans.), Ptolemy's Almagest, 1984, p.191). Entretanto, levantou perplexidade (pelo menos desde Tycho) o relato bíblico no 2º Livro de Reis, 20, 10-11, envolvendo Ezequias e um "milagre" com a sombra do relógio de sol de Acaz (Ahaz), que retrocedeu 10 graus, "atrasando o tempo". Todavia, não parece haver qualquer relação com eclipses. Sem demoras, os historiadores iniciam o desenrolar dos episódios clássicos incluindo o de Tales, o da captura de Larissa (Xenofonte, Anabasis, III, 4), o do exército de Xerxes em Sardes (Heródoto, VII, 37), os relatados por Tucídides na sua História da Guerra do Peloponeso (como o fenómeno supostamente "previsto" por Anaxágoras no primeiro ano das hostilidades, em Atenas, 431 a.C.) ou o eclipse lunar associado ao supersticioso Nícias no cerco de Siracusa (augúrio que determinou uma delonga na retirada e um desastroso resultado para este comandante e restante contingente ateniense). Em contraste, Péricles, na biografia dele lavrada nas Vidas Paralelas de Plutarco (XXXV, 1), mostrou presença de espírito para acalmar os seus subordinados embarcados numa frota prestes a zarpar, mostrando que, tal como a sua capa escondia o Sol (aqui tapando os olhos do aterrorizado capitão da sua armada), assim acontecia num eclipse, somente numa escala maior. Ainda podemos referir o eclipse de 310 a.C., quando Agátocles de Siracusa supostamente rompeu o bloqueio naval imposto pelos Cartagineses e, ao abrigo da escuridão, escapou e atacou território inimigo no Norte de África (vide e.g., Diod. Sículo, Bibl. Hist., lib. xx., cap. I), o de Pelópidas em Tebas, o de Arbela, supostamente antecedendo a decisiva batalha (conhecida como de Arbela ou Gaugamela) com a vitória de Alexandre Magno, o fenómeno lunar de Pidna (Pydna) na Macedónia (na vitória dos Romanos), que foi, segundo Tito Lívio, previsto pelo tribuno Sulpício Galo (Sulpicius Gallus), o que marcou a travessia do Rubicão por César (Dião Cássio, lib. XLI) ou o do cruel Herodes, relatado por Flávio Josefo (Ant. Jud., 17.6.4). Entre muitos outros, que se estendem pela Idade Média e envolvem a morte do Imperador Constantino, a chegada de Alarico às imediações de Roma, outro no ano da Hégira (advento do Islão), mais um no ano em que Saladino conquistou Jerusalém aos Cruzados de Guy de Lusignan (Batalha de Hattin, 1187), o eclipse solar "Português" de 19 de Setembro de 1438 aquando (i.e. quase coincidente com a data) da morte de D. Duarte (v. supra) ou o célebre "Eclipse de Colombo". São centenas de relatos. Alguns relacionam eclipses e terramotos, uma ideia que persistiu demasiado tempo. ![]() Eclipses e terramotos. (André do Avelar, Chronographia ou Reportorio dos Tempos..., 1602, L.III, cap. 40) Em resumo, é tarefa complexa interpretar muitos dos relatos, particularmente os "literários", os isolados e os tecnicamente lacónicos ou incompletos. Podemos estar perante assimilações de fenómenos não relacionados, "colagens", ficções literárias, etc. Problemas recorrentes residem nos insuficientes detalhes, registos não coevos ou indirectos, transferências, interpolações, paráfrases, anacronismos, etc. Outros relatos, pelo contrário, constituem insubstituível ferramenta cronológica. Muitos continuam a fascinar e a ocupar a erudição de especialistas (astrónomos, arquivistas e historiadores). Por exemplo, um paper recente de Colin Humphreys e Graeme Waddington argumenta que a célebre passagem bíblica em que Josué orou e o Sol parou (Josué, 10:12–13) pode ser explicada pelo eclipse anular de 30 de Outubro de 1207 a.C. (Astronomy & Geophysics, vol. 58, Issue 5, October 2017, pp. 5.39–5.42). ![]() Eclipsis solis, xilogravura (Sphaera mundi, edição de Boneto
Locatelli (Bonetus Locatellus)
para Octavianus Scotus,
Veneza, 1490)
Astrologia "De longas obseruaçoes vieram os Astrologos aueriguar que os eclipses, & cometas significauam seus efeitos em diversas partes do mundo, conforme ao signo em que se faziam, ou appareciam, & e assi forão attribuindo a cada hum dos doze signos do Zodiaco, suas prouincias, & cidades, segundo acharam succedr os efeitos..." (Avelar, Op. cit., Tractado sexto, 16) A preocupação com os eclipses estava, no passado, principalmente relacionada com a suposição de que estes, como as conjunções e oposições da Lua, eram determinantes das condições climáticas, atmosféricas, até de alguns eventos históricos, Como curiosidade, acreditava-se que os minerais conhecidos como glossopetra ("lingua de pedra", na realidade restos fósseis, nomeadamente dentes em forma de cúspide) caíam do céu durante os eclipses da Lua ("deficiente luna"): "Glossopetra, linguae similis humanae, in terra non nasci dicitur, sed deficiente luna caelo decidere, selenomantiae necessaria." (Plinius, Nat. Hist., XXXVII, 59). Outra interpretação muito disseminada prolongava os efeitos dos eclipses solares por tantos anos quantas as horas que o fenómeno demorava; a dos lunares por tantos meses quantas as horas: "...and the writers affirmed, that the effects of an Eclipse of the Sun continued as many years as the Eclipse lasted hours; and that of the Moon as many months." (James Ferguson, Astronomy Explained upon Sir Isaac Newton's Principles, 9th ed., 1794, p.273). A significação dos eclipses estava associada às coisas mais vastas, de ordem geral, cidades e nações: “... the next task (is) to deal briefly with the procedure of the predictions, and first with those concerned with general conditions of countries and cities. The method of inquiry will be as follows: The first and most potent cause of such events lies in the conjunctions and oppositions of the sun and moon at eclipse and the movements of stars at that time.” (Tetrabiblos, II, 4; trans. Robbins (1940, p.161)). Zacuto, num texto de teoria da História na perspectiva Judaica*, já redigido no Norte de África após a expulsão, revela a convicção de que os eclipses e as conjunções planetárias desvelariam astrologicamente a "Salvação de Israel" e a vinda do Messias, que previa para 1503/4 (Chabás and Goldstein, "Astronomy in the Iberian Peninsula: Abraham Zacut and the Transition from Manuscript to Print", Transactions of the American Philosophical Society, New Series, Vol. 90, No. 2, 2000, p.15). * Goldstein, B. R. 1998. "Abraham Zacut and the Medieval Hebrew Astronomical Tradition", Journal for the History of Astronomy, 29:177-186; Beit-Arie, M., and M. Idel. 1979 (5739 A.M.). "Treatise on Eschatology and Astrology by R. Abraham Zacut," Kiryat Sefer, 54:174-194 [em Hebraico] Contributos científicos Os filósofos da Grécia Antiga utilizaram os eclipses e as ocultações para delinear a primeira concepção de um universo tridimensional. Pelos eclipses lunares, Aristóteles compreendeu a curvatura, logo a esfericidade, da Terra. Como Frank Close refere (Eclipses, Op. cit., 3.1) esta conclusão é brilhante pois demonstra 1) a compreensão de que a luz viaja em linha recta; 2) de que a Lua funciona como um "écran" sólido; 3) de que a sombra é efectivamente a do nosso planeta. Ptolomeu descreveu um método utilizado por Hiparco: se no ápice de um eclipse (lunar) a Lua se encontra diametralmente oposta ao Sol, então podemos determinar a longitude solar a partir da sua declinação (medindo a altura solar ao meio-dia); consequentemente, a distância de uma qualquer estrela à Lua em pleno eclipse permite conhecer a sua "longitude" (i.e. a sua distância relativamente ao equinócio vernal). Foi o método utilizado para a descoberta e cálculo do valor da Precessão (comparando com estimativas de longitudes estelares feitas em gerações anteriores por Timocharis (320–260 a.C.) e Aristillus (~280 a.C.). Em 130 a.C., o mesmo Hiparco utilizou um eclipse solar para estimar a distância da Lua (utilizando trigonometria, a partir de observações simultâneas do mesmo fenómeno a partir de dois locais diferentes cuja distância entre si era previamente conhecida). O astrónomo e matemático já sabia reconhecia a utilidade da observação dos eclipses para determinar a diferença de longitude (distância leste-oeste) entre dois pontos geográficos, utilizando medições comparadas (Estrabão, Geog. I, 1, 12; Loeb). Os astrónomos Árabes serão pioneiros na implementação desta técnica, logisticamente exigente, que será utilizada na Europa até ao século XVIII. O próprio Ptolomeu, segundo a anotação de G. J, Toomer, teria apenas à disposição um único registo de observações simultâneas em lugares suficientemente separados: a do fenómeno de 20 de Setembro de 330 a.C., observado em Arbela e Cartago (Ptolemy's Almagest: Translated and Annotated, Duckworth, 1984, p.75). Debruçou-se, no seu importante tratado, sobre dezanove eclipses lunares (v. relação em Britton J. P., Models and Precision: The Quality of Ptolemy's Observations and Parameters, Garland Publishing, 1992, p.52). O alexandrino explicou que dez destes foram observados na Babilónia, cinco por astrónomos gregos anteriores à sua época (em Alexandria e Rodes), e outros quatro por si em Alexandria (J. M. Steele, Ptolemy, Babylon and the rotation of the Earth, Astronomy & Geophysics, vol. 46, issue 5, Oct. 2005, 5.11–5.15). Através dessas observações estudará (comparativamente) os parâmetros e movimentos lunares, incluindo as principais 'anomalias' do seu movimento. O movimento da Lua é extremamente complexo, Cedo se reconheceu a não uniformidade do movimento no seu epiciclo. O problema é evidente até numa sequência de observações superficiais: o seu movimento em longitude é irregular, com uma velocidade angular que pode variar entre 10º e 14º por dia (Olaf Pedersen (Alexander Jones, ed.), A Survey of the Almagest: Revised Edition, Springer, 2008, p.160). Pode acontecer em qualquer ponto da órbita. Esta irregularidade resulta, na realidade, da forma elíptica da órbita da Lua, com a Terra num dos focos. Hiparco estudou esta "anomalia" e Ptolomeu procurou melhorar a solução, A irregularidade obriga à definição de um novo período: o mês anomalístico, quando a Lua retorna à mesma velocidade (a variação em latitude da órbita lunar determina este período específico, no qual a Lua retorna à mesma latitude, i.e. ao mesmo nodo). A teoria lunar no Livro IV do Almagesto respalda-se no estudo de 15 eclipses espalhados por um período de quase 900 anos, o primeiro dos quais foi observado na Babilónia em 721 a.C. (ibid., p.169). Ptolomeu verifica os parâmetros de cada um e compara com as mais "fiáveis" posições do Sol, pois qualquer eclipse envolve sempre ambos os luminares. A Teoria Lunar de Ptolomeu responde às insuficiências da de Hiparco e, nesse processo, desvela e acautela uma segunda "anomalia" (que será muito mais tarde chamada evecção, que hoje sabemos dever-se à atracção solar) sendo a maior irregularidade periódica. Todavia, conduziu, por uma consequência lógica da solução geométrica encontrada (obviamente a combinação de movimentos circulares com diferentes raios e centros, como foi feito até à época de Newton e Kepler), ao desfasamento entre a variação expectável no diâmetro aparente da Lua (devido às diferentes distâncias do seu movimento no seu suposto epiciclo) e a que se verificava (quase diminuta) na realidade observacional. Será objecto de crítica por parte de ulteriores astrónomos. Uma terceira anomalia (variação) passará despercebida a Ptolomeu. (Vide Dreyer, J. L. E., A History of Astronomy from Thales to Kepler, Dover Books, 1953 (1906), p.193 et seq.) Ptolomeu recorreu quase sempre, por comodidade, a uma contagem dos anos baseada no início do reinado babilónico de Nabu-nasir: a chamada "Era de Nabonassar" (nesta, o 1º dia do 1º mês (Thoth) corresponde a 26 de Fevereiro de 747 a.C.; ou 746 a.C. se utilizarmos, segundo o critério astronómico, um "ano zero"). Como o próprio astrónomo escreve, a partir dessa época há, no geral, registos ininterruptos de observações: "For that is the era beginning from which the ancient observations are, on the whole, preserved down to our own time." (Toomer, p.166). Quando se refere a observações noutros sistemas, elenca-os. Embora as datas originais dos exempla mesopotâmicos fossem registadas no calendário lunissolar de origem, Ptolomeu converte-as para os meses do eficiente calendário Egípcio, tendo o cuidado de utilizar datas "duplas" para identificar os dias (somente necessário para as observações nocturnas), e.g. "Pachon 17/18", lit. "do décimo sétimo para o décimo oitavo" (Toomer, p.12), pois embora o dia começasse ao pôr do Sol para os povos da Mesopotâmia, no Egipto começava convencionalmente ao nascer do Sol do dia seguinte (tendo o astrónomo escolhido o meio-dia como ponto de partida convencional). A Descrição Científica e os Fenómenos Observados (com destaque para a Corona) A descrição propriamente científica dos eclipses totais do Sol e o eventual estudo dos relatos pretéritos parece começar apenas com Johannes Kepler e Giovanni D. Cassini (eclipse de 1706). Os primeiros registos detalhados da era telescópica devem-se a astrónomos como Don Antonio de Ulloa, militar, naturalista e escritor Espanhol (Observación en el mar de un eclipse de sol (1778)), José Joaquín de Ferrer (astrónomo Basco que foi eleito membro da American Philosophical Society) e que, no fenómeno total de 1806 observando em Kinderhook (Nova Iorque), cunhou o termo "corona". e Francis Baily, que observou o fenómeno anular de 15 de Maio de 1836 na Escócia (mencionando pela primeira vez o efeito de luz que ficará conhecido como "Baily's Beads"), bem como o total de 8 de Julho de 1842, observado em Pavia (Memoirs of the Royal Astronomical Society, vol.15, 1846). Muito antes, Firmicus Maternus (séc. IV) parece ter sido o primeiro autor a referir incontestavelmente as protuberâncias solares, no eclipse de 334 A.D. na Sicília. Kepler (que estudou os testemunhos) referir-se-á a estas como "chamas vermelhas", designação utilizada até uma época recente. A célebre corona parece estranhamente ausente da esmagadora maioria das antigas descrições. A primeira referência inequívoca e datável surge numa crónica de Constantinopla (Leonis Deaconis Historiae, lib. IV, cap. 11; Niebuhr (1828), p.72; orig. em Grego e vertido em Latim pelo ed.), descrevendo um eclipse ocorrido em Dezembro de 968 A.D.: "...um certo brilho opaco e fraco, como uma faixa estreita brilhando em torno das partes extremas do limbo do disco." [trad. nossa] Mas verifica-se uma breve referência literária pretérita na obra De facie quae in orbe lunae apparet ("Sobre a face visível no orbe da Lua") de Plutarco (Cherniss and Helmbold (eds., trans.), Moralia, vol. XII, Loeb, 1957; 932-B): "Even if the moon, however, does sometimes cover the sun entirely, the eclipse does not have duration or extension; but a kind of light is visible about the rim which keeps the shadow from being profound and absolute." Halley descreverá a notável e diáfana característica (que se tornará a mais apetecida nas ulteriores observações), como “a luminous ring of pale whiteness”. Pierre Guillermier e Serge Kouthmy (Eclipses Totales: Histoire, Decouvertes, Observations, Masson, 1998) referem como o sábio Inglês supunha que que esse "halo" seria resultante de uma suposta "atmosfera lunar". Segundo Arago, o astrónomo Maraldi, em 1724, verificou que não era concêntrico relativamente à Lua e conjecturou que seria somente fenómeno de difracção (Astronomie Populaire, vol. III, p.594). O século XIX, em particular a segunda metade, com o seu desenvolvimento científico-tecnológico (também o exacerbar dos nacionalismos) assistiu a uma autêntica "corrida" aos eclipses e às descobertas que estes poderiam proporcionar, no estudo da física e química do Sol, recorrendo à fotografia e à fundamental espectroscopia (que está na origem da Astrofísica). É a partir de 1851 que as verdadeiras 'expedições' se começam a realizar assiduamente, percorrendo o mundo em busca de minutos de umbra: únicas circunstâncias nas quais, não ofuscados pelo intenso brilho solar, seria possível estudar a ténue corona, as protuberâncias e filamentos, em que se procuravam planetas intra-mercuriais (como veremos adiante) ou até eventuais cometas de outro modo invisíveis. O coronógrafo, instrumento que permite o estudo sistemático das mencionadas características sem a necessidade de um eclipse total, somente foi introduzido por Bernard Lyot, no Observatório de Meudon, em 1931 (pode ser interessante ler os comentários, cépticos, de Arago acerca de uma experiência de La Hire e Delisle, em 1715, que nos parece precursora; ibid., vol. III, pp.603 et seq.). O eclipse de 1860 constituiu um ponto de viragem, sendo o primeiro no qual a fotografia teve um papel relevante. Há um antecedente em 8 de Julho 1842: daguerreótipo feito por Alessandro Majocchi que demorou 2 minutos a captar e somente registou a fase parcial, sem a corona. Todavia, a mais antiga imagem cientificamente relevante de um eclipse total do Sol foi o daguerreótipo (com exposição de 84 segundos) obtido por Julius Berkowski no Observatório Real de Königsberg (então na Prússia) em 28 de Julho de 1851. A partir do eclipse de 18 de julho de 1860, a fotografia torna-se uma tecnologia absolutamente incontornável. Warren de la Rue e Angelo Secchi utilizaram placas de colódio, que permitiam exposições mais curtas e eficientes. Eram revestidas de uma espécie de verniz que era aplicado líquido a placas fotográficas de vidro, sensibilizado com nitrato de prata; chamado "colódio húmido" porque a placa deveria permanecer húmida durante o procedimento. Foi no eclipse de 1860, em Miranda de Ebro, Espanha, que foram obtidas as primeiras fotografias da corona, por de la Rue. Em 1870, aquando de mais um eclipse total, os peritos ainda discutiam se esta (na realidade um envelope luminoso de plasma, a parte exterior da atmosfera solar) seria inteiramente solar (Charles A. Young), se se devia à atmosfera terrestre (Norman Lockyer, o fundador da revista Nature em 1869) ou se era efeito de ambas (Joseph Winlock).. O termo específico ("corona") havia sido utilizado pela primeira vez, como mencionao, pelo astrónomo José Joaquín de Ferrer. Todavia, a sua natureza continuava a desafiar os cientistas. Em 1891, na Royal Institution em Londres, Arthur Schuster elencava as alternativas (cit. por Zirker, Op. cit., pp.19-20): It consists of matter either (1) forming a regular atmosphere around the Sun, or (2) matter projected from the Sun, or (3) matter falling into the Sun, or finally (4) matter circulating around the Sun with planetary velocity. We may at once reject the first and fourth, for it may be proved that the Sun could have no regular atmosphere to the extent indicated by the outlines of the corona, and spectroscopic results exclude the hypothesis that the bulk of its matter revolves with planetary velocity, though probably there is some meteoric material which does revolve around the Sun. Mabel Todd (Op. cit., 1894, pp.73-4), baseada em Huggins (Proceedings of the Royal Society, xxxix. (1885), 120.) refere a diversidade de teorias em presença: "...that the corona is a gaseous atmosphere carried round with the Sun,— that it is gaseous matter ejected from the Sun or received by it, in motion from the forces of ejection, gravity, solar rotation, or perhaps repulsion of some kind, — that, like the ring of Saturn, it consists of swarms of meteoric particles too swiftly revolving to fall into the Sun, — or again, that it is due to the cease- less downfall of meteoric matter, and the debris of disintegrating comets.". Também são aí referidas a teoria mecânica de Schaeberle e a magnética de Bigelow. As hipóteses "lunar" e "atmosférica" só foram definitivamente abandonadas quando placas de um mesmo eclipse obtidas em diferentes localizações comprovaram que a corona(tal como as protuberâncias) não "seguia" a Lua e muito menos seria um efeito da nossa atmosfera. Era um fenómeno solar, como provado verificado por Deslandres nas observações do eclipse de 1893 O Coronium e o Hélio Em 18 de Agosto de 1868, um eclipse total avançou pela Índia e Malásia. O espectroscópio foi utilizado pela primeira vez nestas circunstâncias. Na vanguarda da espectroscopia estiveram James Tennant, Norman Pogson, Georges Rayet, Jules Janssen e Norman Lockyer, entre outros. Doravante era possível identificar os elementos químicos e até a temperatura e densidade da fonte emissora. A análise do espectro solar levou à ponderação da existência de um novo elemento químico, com uma emissão peculiar e "desconhecida" (associada à risca de emissão nos 530,3 nm no espectro), a que se chamou "Coronium". Somente nos anos 30 do século passado (a partir das investigações do alemão Walter Grotrian e das novae pelo sueco Bengt Edlen) é que se compreendeu que essa assinatura espectral resultava, em parte, das elevadíssimas temperaturas e consequentes alterações verificadas em elementos conhecidos, nomeadamente o átomo de ferro altamente ionizado (Fe13+) na zona da coroa solar (incidentalmente, também um novo "elemento" inexistente, o nebulium, foi ponderado como resposta a anomalias no espectro das nebulosas). Pierre Jules Janssen foi o primeiro a usar um espectroscópio "no terreno" durante o mencionado eclipse (que observou na Índia). Percebeu que uma linha amarela do espectro não coincidia exactamente com as posições das linhas (D1 e D2) que denunciam a presença do Sódio. Designou-a D3 e o gás até então desconhecido foi baptizado como Helium (Hélio). O já mencionado N. Lockyer descobriu-o simultaneamente de modo independente. Esse elemento foi, décadas mais tarde (1895), também encontrado na Terra e isolado em laboratório. Proeminências Quanto às proeminências solares, enormes e brilhantes estruturas que se destacam da superfície do Sol, geralmente em forma de laço, pareciam iguais observadas a partir de diferentes locais (i.e. através de diferentes zonas da atmosfera). Verificou-se que o espectro apresentava linha de hidrogénio, logo eram de natureza gasosa. Também se concluiu que eram fenómenos que aconteciam no próprio Sol. Vulcano Os eclipses solares também estiveram, no final do séc. XIX, ligados à busca do hipotético planeta "Vulcano" (ou de outros eventuais planetas intra-mercuriais), segundo a teoria de Urbain Le Verrier (o matemático que, estudando as perturbações da órbira de Úrano, determinou os parâmetros da órbita de Neptuno e indicou onde este novo planeta seria encontrado). O Francês verificou (em publicação datada de 1859) que erros nas posições assumidas no periélio e a lenta precessão na órbita de Mercúrio em torno do Sol era inexplicável segundo a mecânica newtoniana. Deveria pois existir um planeta interior responsável por esse efeito. Após a sua "localização" por um tal Edmond Lescarbault (médico de província e astrónomo amador), "validada" por Le Verrier mas sempre interpretada com enorme cepticismo por reputados astrónomos como E. Liais ou C. Flammarion, alguns observadores (e.g., James Craig Watson, Lewis Swift) ulteriormente confirmaram ter observado o esquivo planeta (todavia, observações eram discordantes entre si e, para mais, de múltiplos objectos, não apenas do suposto Vulcano). De facto, não há qualquer planeta intra-mercurial. A explicação científica para as perturbações orbitais de Mercúrio, insuspeitada na época, surgiu apenas quando Albert Einstein publicou a sua Teoria Geral da Relatividade em 1915 e está relacionada com a poderosa interferência do campo gravitacional do Sol. Terramotos No início do século XX, ainda se ponderava seriamente uma relação entre eclipses e terramotos, doravante numa correlação estatística que estaria "relativamente estabelecida", vide G. F. Chambers, The Story of Eclipses, D. Appleton and Company, 1912, p.65, onde se refere uma investigação (terramotos registados na Califórnia entre 1850 e 1888) de F. K. Ginzel (Die Californischen Erdbeben 1850-1888 in ihrer Beziehung zu den Finsternissen, 255-309; in: Meyer, M. W. (Redacteur), "Himmel und Erde", (vol.II), H. Paetel, 1890). A Rotação da Terra e a Duração do Dia A informação proveniente da observação dos eclipses foi (e ainda é) também extremamente útil no estudo da rotação da Terra (variações de longo prazo). As variações das velocidades orbitais (devido, por exemplo, ao "efeito de maré" dos oceanos) tem como consequência abrandar a rotação da Terra, determinando um aumento da duração do dia. A rotação não é constante (∆T é a diferença entre o "Tempo Terrestre" e o Tempo Universal, UT), existindo todavia outros factores complexos. O efeito da fricção é inferido a partir do desvio em longitude dos percursos dos eclipses e "calibrado" a partir de registos do passado. Existem evidências de factores de aceleração que contrabalançam o referido efeito (ou seja, existem factores que aceleram, em vez de travar, a rotação terrestre, talvez relacionados com o nível os oceanos, com a contracção do planeta ou com a expansão do seu núcleo). Quanto aos testemunhos do passado, Stephenson afirma: "Ancient and medieval astronomers were in the habit of timing the various phases of eclipses to improve the accuracy of future prediction. Often astrology provided the ultimate impetus, although medieval Arab astronomers sometimes timed lunar eclipses to determine geographic longitude. Historians and annalists (especially in Europe) usually noted eclipses because of their spectacular nature." ("Historical eclipses and Earth's rotation" (Harold Jeffreys Lecture 2002), Astronomy & Geophysics, Volume 44, Issue 2, April 2003, Pages 2.22–2.27; p.2.24). Acrescenta que tendo sido quase todos registados por cronistas, a informação que encerram raramente é quantitativa. ![]() Tomando apenas em consideração a desaceleração promovida na rotação da Terra pelo efeito de maré, o eclipse solar total de 136 a.C., cuidadosamente registado, devia ter acontecido com uma deslocação de 22º para Leste da Babilónia. Existem, pois, outros factores que tendem a acelerar, em vez de desacelerar, a rotação da Terra. O mapa representa o caminho (verificado) do eclipse de 136 a.C., linha 1, que passou na Babilónia (2); a linha da esquerda (3), desfasada cerca de 50 graus para Oeste representa o caminho caso a rotação da Terra fosse constante, uniforme (∆T=0); a da direita (4), deslocada 22 graus para Leste, o caminho que seria expectável tomando em conta apenas o aumento da duração do dia devido ao efeito de maré. (Retirado de Vanin, Gabriele, Les Eclipses: Comment les Observer et les Comprendre, Paris, Éditions Grund, 1999; orig. Arnoldo Mondadore Editore, Milan, 1997) Como se pode ler no artigo Ocean Tides and the Earth's Rotation [Global Geophysical Fluid Center], as marés afectam a rotação do nosso planeta de duas maneiras contrastantes: uma e á fricção de maré [pela acção do torque de maré], determinando uma variação secular extremamente lenta; outra, determinada pelo contínuo movimento das marés, produz variações pequenas mas muito rápidas na rotação. A variação secular da rotação é um tópico clássico da Geofísica. A especulação acerca do tema recua a 1695 quando Edmond Halley, nas páginas finais de "Some Account of the Ancient State of the City of Palmyra, with Short Remarks upon the Inscriptions Found there" (Phil. Trans., vol.19 (1695–1697), pp. 160–175), colocou a hipótese de a Lua estar a acelerar na sua órbita: "And if any curious Traveller, or Merchant refiding there, would please to observe, with due care, the Phases of the Moons Eclipses at Bagdat, Aleppo and Alexandria, thereby to determine their Longitudes, they could not do the Science of Astronomy a greater Service. For in and near these Places were made all the Observations whereby the Middle Motions of the Sun and Moon are limited. And I could then pronounce in what Proportion the Moons Motion does Accelerate; which; if hat it does, I think I can demonstrate and shall (God willing) one day, make it appear to the Publick." Na realidade, grande parte dessa "aceleração" era aparente. Era a rotação da Terra que desacelerava, fazendo com que a Lua parecesse acelerar. A causa mais importante é, como hoje sabemos, a "travagem" provocada primariamente pela "fricção" nos oceanos, um processo plural com um número diversificado de mecanismos (e.g., fricção induzida por correntes ao longo do leito dos mares, diversos e complexos efeitos da ondulação ou ondas de maré). Há ainda o contributo das alterações atmosféricas e dos movimentos no núcleo fluido do planeta. O diferencial vem sendo confirmado por comparação com a duração do dia medido por relógios atómicos (disponíveis desde 1955). - Ver artigo Aceleração de Maré (Wikipedia) A monitorização precisa é possível até cerca de 700 a.C. devido à mencionada interpretação dos relatos de eclipses. Equivale a cerca de 2.3 milissegundos por século: "Together with a further small solar contribution (the semi-diurnal atmospheric tide), these produce a steady increase in the LOD ["length of the day", duração do dia] of about 2.3 milliseconds per century (ms/cy)". (Stephenson, "Historical eclipses...", 2003, p.2.22) Segundo o mesmo autor (ibid.), o desenvolvimento de relógios de pêndulo precisos constituiu um enorme avanço, levando à adopção do chamado "Tempo Médio" baseado no Dia Solar Médio e, em 1884, à escolha do Tempo Médio de Greenwich (GMT), do qual deriva o Tempo Universal (UT) que na prática utilizamos. Historicamente, a maioria dos astrónomos mostrava pouca empatia pela teoria do efeito de maré. Depois das abordagens de F. Ginzel, S. Newcomb e outros, Philip H. Cowell (em 1905) descobriu uma interessante "aceleração" solar e especulou se esta não seria somente aparente. Aoesar das conclusões não terem sido bem acolhidas na época, revelaram-se um passo importante para compreender e dirigir a atenção para o que efectivamente se verificava com a rotação do nosso planeta. O rácio da dissipação provocado pelas marés somente começou a ser quantificável a partir de 1920. Mais tarde, em 1939, na sequência de investigações pretéritas, Sir Harold Spencer Jones demonstrou que o Dia Solar Médio não era uma unidade de tempo "ideal", atendendo às flutuações em presença. A Deflexão da Luz segundo Einstein Numa outra contribuição decisiva, o eclipse de 1919 assinalou a primeira de diversas confirmações de uma das consequências previstas nas teorias de Albert Einstein; a deflexão da luz das estrelas (determinando pequenas alterações nas suas posições aparentes) provocada pela interposição do campo gravitacional do Sol. Como David H. Levy explica, a teoria de Einstein descreve a gravidade geometricamente: Any object moving in space follows a geometric path shaped by the unified effect of mass and energy. (David Levy's Guide to Eclipses, Transits, and Ocultations, Cambridge University Press, 2010, p.19). A dupla expedição, liderada por Arthur S. Eddington, fotografou o eclipse total na roça "Sundy" na ilha do Príncipe (arquipélago de São Tomé e Príncipe, na época uma colónia portuguesa), e em Sobral (no Brasil). Os resultados contribuiram para a aceitação e visibilidade da Teoria da Relatividade Geral. (Todavia, alguns especialistas actuais colocam em causa que os resultados devolvessem a enorme precisão exigida para as conclusões que foram extraídas, um exemplo típico de "predictor effect", v. Physics Today 62 (Issue 3), 37–42 (2009)). Novas experiências foram repetidas em eclipses ulteriores até aos anos setenta, confirmando as expectativas teóricas. Entretanto surgiram novos métodos, recorrendo a radiotelescópios e aos quasares (um quasar é um núcleo galáctico activo alimentado por um buraco negro de enorme massa rodeado por um disco de acreção gasoso), sendo possível medir a deflexão da luz a qualquer momento com maior eficácia. No efeito previsto, a alteração na geometria do espaço circundante provocada pelo Sol deflecte a luz e as estrelas fotografadas durante o eclipse deverão aparecer ligeiramente mais afastadas entre si do que nas fotografias "normais" captadas no céu noturno. Ou seja, um raio de luz rasante ao limbo solar altera a sua direcção em 1.75" (i.e. o dobro do antecipado pela teoria newtoniana). Isto foi verificado por Arthur Eddington no célebre eclipse solar total de 1919, resultado das expedições Inglesas a terras lusófonas: à ilha do Príncipe e a Sobral, no Brasil. Cometas Refira-se, ainda, uma almejada possibilidade acarinhada na “golden age” de finais do séc. XIX e início do sequente: a possibilidade da descoberta de cometas durante a totalidade. Owen Gingerich documentou duas: em 1882 e em 1893 (“Eclipses”, in Collier's Encyclopedia, P. F. Collier & Macmillan Educational Company, 1990, vol. 8, p.513). Outras fontes, mais antigas e decerto menos rigorosas, referem mais "descobertas". O Diâmetro do Sol Outra potencial utilização científica dos eclipses seria a avaliação de variações no diâmetro do Sol. Em 1979, John Eddy e Aram Boornazian formularam a hipótese de o diâmetro estar a diminuir (supostamente 2 segundos de arco por século). As evidências, todavia, não confirmaram essa teoria. Outros investigadores continuam pesquisas afins ou relacionadas mas, neste momento, o máximo que podemos afirmar é que os resultados são inconclusivos. Hoje, a Física Solar intersecta muitas disciplinas: dinâmica de fluidos, plasmas, partículas, espectroscopia, fotometria, processamento de sinais, física nuclear, computacional, magneto-hidrodinâmica, meteorologia, sismologia, etc. O Sol é a única estrela ao alcance para uma abordagem tão completa. E assim chegámos ao estudo do Sol suportado por sofisticados observatórios e sondas em órbita (SOHO, HINODE, PSP, etc.). Magnetismo Solar - Existe um ciclo (quase) periódico de 11 anos das manchas solares (ciclo solar, também conhecido como ciclo de atividade magnética solar, ou ciclo de Schwabe, em honra do astrónomo alemão que, após longas e persistentes observações, o anunciou em 1843). É obviamente muito importante para o nosso planeta (dos fenómenos naturais como as auroras até à interferência potencialmente disruptiva nas nossas tecnologias). Próximo do máximo desse ciclo, a corona solar é simétrica (tende a ser circular); próximo do mímimo apresenta-se ovalada e podemos esperar menos proeminências. A máxima actividade do ciclo corrente (nº 25) está prevista para Julho de 2025 (NOAA - National Oceanic and Atmospheric Administration).
![]()
Animação:
eclipse de 12 Agosto de 2026 (Sonnenfinsternisse: https://www.youtube.com/watch?v=VOXGRxrMXNk)
![]() Percentagem mediana de cobertura de nuvens em Agosto, a partir de dados de satélite (CM SAF/EUMETSAT), intervalo 2000-2020; Jay Anderson, eclipsophile.com; detalhe do mapa orig.)
26 de Janeiro de 2028 (Anular)
- Um Trânsito é a
passagem de um astro de dimensão menor
em frente de outro maior. Mais especificamente, chamamos trânsito planetário à passagem de um
planeta através do disco do Sol. Da Terra, conseguimos
observar os trânsitos dos
dois planetas interiores. Ocorrem, em média, 13 trânsitos de Mercúrio
em cada século.
Historicamente,
a
observação de um trânsito do diminuto Mercúrio precedeu a dos trânsitos
de Vénus: em 1631, Pierre Gassendi observou um desses fenómenos,
previsto nas Tabulae Rudolphinae,
efemérides compiladas por Kepler. Como a órbita de Vénus
é consideravelmente maior do que a do primeiro planeta, os seus trânsitos
são muito
mais raros: acontecem em pares (fenómenos separados 8 anos entre si)
segundo um padrão de
243 anos, com longos intervalos de 121,5 e 105,5 entre cada par. Os
últimos foram em 2004 e 2012, os próximos serão em 2117 e 2125. Os
trânsitos de Vénus foram usados para medir distâncias astronómicas,
como a distância ao Sol (v. infra).
A órbita de Vénus é quase circular (excentricidade de apenas 0,007). Atendendo a que oito anos terrestres equivalem, com aproximação, a treze translações ou "anos" de Vénus, a um trânsito segue-se outro após 8 anos, quando ambos os planetas e o Sol estão (quase) na mesma configuração. O primeiro trânsito de Vénus foi observado em 24 de Novembro de 1639 (data no calendário Juliano) por Jeremiah Horrocks (latiniz. Horrox), um jovem ligado à igreja do pequeno povoado de Hoole, Lancashire. Horrocks confrontou resultados das Tabelas de Lansberg (que eram pouco precisas) com as de "Rudolfinas" de Kepler. Ambas previam que Vénus estaria muito próximo do Sol. As primeiras indicavam que o planeta passaria na parte superior do disco e as de Kepler um pouco abaixo do disco solar. Esta "ambiguidade" e a sua experiência observacional do planeta permitiu-lhe refinar o resultado tabulado e ponderar que muito provavelmente aconteceria um trânsito. E assim foi, aconteceu! Foi observado projectando a imagem do Sol através de um telescópio num quarto obscurecido. O seu amigo William Crabtree, outro entusiasta da astronomia, foi avisado e também observou fugazmente o trânsito ("Venus in Sole Visa", escreveu) a partir de Broughton, próximo de Manchester. ![]() Diagrama da
observação do trânsito de Vénus de 1769, desenhado pelo pioneiro David
Rittenhouse (1732-1796)
- 13 de Novembro de 2032: Sol nasce às 07H18 e Mercúrio já estará em trânsito. Ponto intermédio acontecerá às 08H55. Quarto contacto (término) às 11H08 (Aveiro, Horas UT, equiv. Hora Legal). - 7 de Novembro de 2039: Sol nasce às 07H11. Intervalo do fenómeno: 07H19 - 10H15 (Aveiro, Horas UT, equiv. Hora Legal)
Os
Trânsitos de Mercúrio acontecem sempre em Maio ou em Novembro. O
primeiro foi observado em 1631, por Pierre Gassendi. Esquema
da esquerda inclui trânsitos recentes e futuros, até 2078 (Michael
Maunder &
Patrick Moore, Transit: When Planets
Cross the Sun, Springer, 1999). Disponibilizamos esta imagem editada
do esquema, apenas com os percursos dos dois próximos trânsitos (2032 e
2039), invertida para observação telescópica (.JPG, 87KB). À direita, o
próximo trânsito (13 de Novembro de 2032) observado a partir de Aveiro,
assinalando parte da corda percorrida pelo planeta e posições do
planeta na hora a que o Sol nasce,
no ponto intermédio e no final do trânsito; invertida para reproduzir
habitual observação telescópica; horas UT, info exportada pelo
programa COELIX APEX)
A Terra
passa pelos nodos da órbita
de Mercúrio aproximadamente a 10 de
Novembro e 9 de Maio (datas deslizam lentamente de século para século).
Um trânsito é possível apenas quando o planeta chega a um dos nodos na
proximidade dessas datas. Os trânsitos predominam em Novembro devido à
proximidade do periélio na
órbita mercurial, que é acentuadamente elíptica e inclinada 7º
relativamente ao nosso plano orbital. Em Maio o planeta está próximo do
afélio, mais perto da
Terra, o que reduz a probabilidade de trânsito. Segundo Joseph Ashbrook
(1970 Yearbook of Astronomy,
Sidgwick & Jackson, London, 1969, p.113), o fenómeno recorre
segundo um ciclo de aproximadamente 46 anos (porque este
intervalo é quase coincidente com 191 revoluções de Mercúrio) e
outro, mais preciso, de 217 anos (equivalente a 901 revoluções do
planeta).
Uma Ocultação
é, por definição, um fenómeno que acontece quando um objecto é
totalmente escondido (eclipsado) por outro que se interpõe entre este e
o
observador. O
generoso tamanho aparente da Lua (~ 0.5º), a sua paralaxe mensurável e
rápido
movimento sobre o "pano de fundo" do céu propiciam numerosas ocultações
lunares. A cada duas horas, a Lua percorre cerca de 1º do Zodíaco (13º
por dia). Pode, neste seu percurso para Leste, ocultar qualquer objecto
que (aparentemente) se encontre no seu caminho (uma faixa que se
estende 6.5º para cada lado da eclíptica). São fenómenos dinâmicos que
disponibilizam uma demonstração surpreendente do movimento orbital dos
astros, tendo sido extremamente importantes no percurso da Astronomia
(ocasiões
privilegiadas de medida, teoria lunar, rotação do nosso planeta,
verificação da precisão das efemérides,
estudo do relevo lunar, identificação
de estelas duplas, etc.) e da Geodésia.
Foi a partir de fenómenos de ocultação de Marte que Aristóteles concluiu que a Lua está mais perto de nós. O planeta não transita, é ocultado pela Lua. Provou assim que Marte estava mais longe do que a Lua. As ocultações são
fenómenos
"locais", com "timings" calculados para a posição específica do
observador. Uma
vez que a Lua está muito próxima, verifica-se uma paralaxe assinalável;
57' em média no plano equatorial horizontal (1º era o valor de
Ptolomeu). Este fenómeno é evidente nas ocultações observadas a partir
de locais diferentes.
As ocultações duram até cerca de 1 hora. As observações são muito facilitadas quando o brilho lunar não é demasiado intenso, longe do plenilúnio. Particularmente interessantes quando acontecem no limbo não iluminado. Podemos observar a ocultação de imensas estrelas, nas quais se incluem algumas de 1ª grandeza (Regulus, Spica e Antares). A Lua pode ainda, mais raramente, ocultar corpos do Sistema Solar, como os planetas. ![]() ![]() Os observadores em diferentes locais geográficos não vêem a ocultação em simultâneo. Na ilustração da esquerda, enquanto o observador A observa a Lua a uma determinada distância da estrela, o observador B já observa o momento da ocultação no limbo lunar não iluminado (Ronan, C., The Practical Astronomer, Pan Books Ltd., 1981). Ilustração da direita explica como a ocultação é observada em diferentes pontos geográficos ao longo da faixa abrangida. No ponto 4 é "rasante" e acontece no limbo escuro (ver inset), permitindo visualizar o revelo lunar (Chartrand, M. R., Amateur Astronomy Pocket Skyguide, Newnes Books, 1984; editada) - Ocultações lunares dos planetas visíveis a olho nu (dados para os próximos anos, timings para coordenadas de Aveiro, PT. Horas UT; export. COELIX APEX)
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