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Eclipses, trânsitos e ocultações

introdução | mito e ciência | cronologias | contributos científicos | eclipses lunares | eclipses solares | trânsitos | ocultações lunares

eclipses "portugueses" até 1600 | próximos eclipses solares


"...quod luce inter horam tertiam ferme et quartam tenebrae obortae fuerant."
(T. Livius, Ab urbe cond., XXXVIII, 36, 4)

"Quando a Lua está em eclipse, deverás observar com exactidão o mês, dia, o turno da noite [i.e. a hora], o vento, direcção, a posição das estrelas em cuja região o eclipse acontece. Os augúrios relacionados com esse mês, esse dia, essa hora, esse vento, essa direcção e essa(s) estrela(s) deverás indicar." (Charles Virolleaud, L’Astrologie Chaldéenne, Paris, 1908-12, "Sin" [a Lua] XIX, pp.19-20; v. também E. F. Weidner, Alter und Bedeutung der babylonischen Astronomie..., Leipzig, 1914, p.23 [trad. nossa])

“The impression is singularly vivid and quieting for days, and can never be wholly lost. A startling nearness to the gigantic forces of nature and their inconceivable operation seems to have been established. Personalities and towns and cities, and hates and jealousies, and even mundane hopes, grow very small and very far away." (Mabel L. Todd, Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.25)

Eclipse lunar - Apianus "Astronomicum Caesareum" (1540)


Os eclipses (em geral, tanto lunares como solares) estiveram presentes em momentos fundamentais para o nosso entendimento do Universo: a esfericidade da Terra, através da curvatura da sombra por esta projectada na Lua durante um eclipse lunar (Aristóteles), o cálculo do rácio das distâncias relativas do Sol e da Lua por Aristarco, a estimativa das longitudes, pelo menos desde a época de Ptolomeu (condicionando a nossa percepção da dimensão do mundo conhecido até à época da expansão marítima europeia, com consequências nas viagens empreendidas), a determinação da velocidade da luz (por Ole Rømer, observando os eclipses dos quatro principais satélites de Júpiter), a busca de hipotéticos planetas intra-mercuriais como o “esquivo” e inexistente Vulcano (preconizado por Le Verrier devido a anomalias orbitais de Mercúrio), a verificação da precisão de elementos orbitais (retrospectivamente, a análise dos eclipses históricos permite, dependendo da sua fiabilidade, estimar alterações verificadas na velocidade de rotação, i.e. na duração do dia do nosso planeta), a optimização de técnicas fotográficas, o estudo detalhado da atmosfera de uma estrela (o Sol), a sua análise espectrográfica e a descoberta de um novo elemento químico por Jules Janssen e Norman Lockyer (o Hélio, He, mais tarde também detectado no nosso planeta), a natureza gasosa da cromosfera solar e a confirmação de um efeito previsto na teoria de Albert Einstein, etc.

Planos orbitais Terra e Lua
Planos orbitais da Terra e da Lua. A e B são pontos da linha de nodos, na intersecção dos dois planos (Máximo Ferreira e Guilherme de Almeida, Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas (2ª ed.), Plátano, Edições Técnicas, 1995)

Introdução: o fundamental, ciclos

Um eclipse solar só pode acontecer na Lua Nova; um eclipse lunar acontece sempre na Lua Cheia. Os planos da órbita da Terra e da Lua não coincidem
(ou teríamos sempre um eclipse solar em cada Lua Nova e um eclipse lunar total em cada Lua Cheia). Assim seria se as órbitas da Lua e da Terra fossem complanares (i.e. se desenvolvessem exactamente no mesmo plano). Mas ambos estão desafasados cerca de 5º (em rigor 5.145°), o que faz que em cada metade do seu período orbital, a Lua esteja acima ou abaixo da Eclíptica, não se verificando o alinhamento exigido entre o Sol, a Terra e a Lua.  As órbitas dos luminares intersectam-se em dois pontos chamados nodos. São os pontos (historicamente designados Caput e Cauda Draconis) onde a órbita lunar cruza a Eclíptica (literalmente "o lugar dos eclipses"). O período que o Sol (no seu movimento aparente) demora a voltar ao mesmo nodo é o chamado "ano de eclipse" (ou "dracónico"), equivalendo a cerca de 346.6 dias. Os eclipses somente acontecem quando o Sol e a Lua estão nesses pontos (um eclipse solar acontece quando ambos os luminares estão no mesmo nodo; um eclipse lunar quando cada qual está num dos nodos. i.e. a 180º, ou muito perto). A Eclíptica, percurso do Sol, era, desde a Antiguidade, acima de tudo definida (como o seu nome indica) pela sua relação com os eclipses. No séc. XVI, Robert Recorde explicava: "bicause there can be no eclipse of Sonne or Moone, onles [unless] the Moone be vnder that lyne" (The Castle of Knowledge, 1556). Como o Sol não é um ponto mas sim um objecto extenso, a sombra produzida consiste em dois círculos concêntricos: a umbra ("sombra", círculo interior) e a penumbra (círculo exterior).

Diagrama "Ano de eclipse"
Diagrama representando um "ano de eclipse". Somente quando os nodos se "alinham" pode acontecer eclipse, o que se verifica duas vezes neste ciclo (proporcionando dois ou mais fenómenos). (Diagrama original in: Harrington, Philip S., Eclipse!, John Wiley & Sons, 1997). O chamado "ano de eclipse" é o intervalo entre duas passagens sucessivas do Sol por um dos nodos e, como o nodo se vai deslocando ao encontro do avanço do Sol, esse intervalo é 18.6 dias menor do que o ano tropical (o das estações, ou comum). Por isso, num ano comum podem acontecer não apenas dois mas até 5 eclipses. Dois eclipses solares são inevitáveis, um em cada nodo.


Por efeito das forças gravitacionais, a linha dos nodos desloca-se lentamente, fazendo com que os alinhamentos se verifiquem a cada 173 dias. É a chamada "temporada dos eclipses". Como Kepler de Souza Oliveira Filho & Maria de Fátima Oliveira Saraiva explicam: "Se o plano orbital da Lua coincidisse com o plano da eclíptica, um eclipse solar ocorreria a toda Lua nova e um eclipse lunar a toda Lua cheia. Entretanto, o plano está inclinado 5,2° e, portanto, a Lua precisa estar próxima da linha de nodos (cruzando o plano da eclíptica) para que um eclipse ocorra. Como o sistema Terra-Lua orbita o Sol, aproximadamente duas vezes por ano a linha dos nodos está alinhada com o Sol e a Terra. Estas são as temporadas dos eclipses, quando os eclipses podem ocorrer. Quando a Lua passar pelo nodo durante a temporada de eclipses, ocorre um eclipse. Como a órbita da Lua gradualmente gira sobre seu eixo (com um período de 18,6 anos de regressão dos nodos*), as temporadas ocorrem a cada 173 dias, e não exatamente a cada meio ano. A distância angular da Lua do nodo precisa ser menor que 4,6° para que ocorra um eclipse lunar, e menor que 10,3 ° para um eclipse solar, o que estende a temporada de eclipses para 31 a 38 dias, dependendo dos tamanhos aparentes e velocidades aparentes do Sol e da Lua, que variam porque as órbitas da Terra e da Lua são elípticas, de modo que pelo menos um eclipse ocorre a cada 173 dias." (http://astro.if.ufrgs.br/eclipses/eclipse.htm; aced. em 16 de Julho de 2024).

* i.e. no sentido contrário relativamente ao movimento directo dos luminares ao longo do Zodíaco. A órbita da Lua desloca-se devido ao efeito de maré combinado da Terra e do Sol. A linha dos nodos regride por ano 19.4° para Oeste. Devido a esta "precessão" dos nodos, os eclipses acontecem nos anos sequentes com um avanço de 18.52 dias relativamente ao ano anterior. (vide Vanin, Gabriele, Les Eclipses: Comment les Observer et les Comprendre, Paris, Éditions Grund, 1999, p.34).


Probabilidade de Eclipse ("danger zone")
Probabilidade de ocorrência de um eclipse solar,"danger zone" (Littmann, Espenak & Willcox, Totality: Eclipses of the Sun (3rd ed.), p.13)

Portanto,
como Littmann, Espenak e Willcox explicam, duas vezes por ano, grosso modo, acontece o "período perigoso", a mencionada "temporada" quando o Sol atravessa a região dos nodos e um eclipse é possível. Acontece um qualquer tipo de eclipse solar se, na Lua Nova, a distância do Sol a um nodo lunar for: 18°31' (máx.), 15°21' (mínimo), 16°56 (médio). Será central (i.e. os centros dos dois luminares vão coincidir) se estas distâncias estiverem nos intervalos: 11°50' (máx.), 9°55' (mínimo),  10°52 (médio). Estes limites são, como sabemos, variáveis devido a variações aparentes nos diâmetros angulares e velocidades do Sol e da Lua devido às órbitas elípticas da Terra e da Lua. (Totality: Eclipses of the Sun, 3rd ed.,, Oxford University Press, 2008, p.14).

"Um alerta de eclipse começa quando o Sol entra na zona perigosa, 15 graus e 1/3 a Oeste de um dos nodos da Lua, e não termina enquanto este não escapar para além de 15 graus e 1/3 a Leste desse nodo. Viajando 1 grau por dia, o Sol estará na zona perigosa por cerca de 31 dias. Uma vez que a Lua completa o seu circuito (com todas as fases) alcançando o Sol a cada 29,53 dias, o Sol não consegue percorrer toda a zona perigosa antes que a Lua aí chegue. Um eclipse solar deve acontecer, sensivelmente a cada meio ano, sempre que o Sol se aproxime de um nodo e entre numa destas zonas perigosas."(ibid.; trad. nossa).


O
Saros

A sequência mais ampla dos eclipses obedece a um período chamado
Saros (i.e. "repetição"), perfazendo 223 meses sinódicos (mês sinódico: lunação, tempo transcorrido entre duas luas novas consecutivas) e aproximadamente equivalente ao ciclo de regressão dos nodos da órbita lunar, no qual os centros dos dois luminares e a linha dos nodos quase voltam às mesmas posições relativas. Traduz-se num intervalo de quase 19 anos solares: 18 anos, 11 dias (ou melhor, entre 10 e 12 dias, variação dependendo da hora específica do fenómeno e do nº de anos bissextos [diz-se "bissexto", i.e. Bis VI Kal. Martii, pois no sistema de contagem romano era repetido o sexto dia das Calendas de Março] que acontecem nesse período de dezanove anos no nosso calendário Gregoriano (e.g., 10 dias se acontecerem 5 bissextos) e cerca de 8 horas (7 horas e 42 minutos). Os eclipses assim separados pertencem a um mesmo saros e todos os ciclos são, hoje, astronomicamente numerados, Convencionou-se que os eclipses com número ímpar (na sua série) são os que acontecem no nodo ascendente; atribui-se número par aos que acontecem no nodo descendente.

Utilizando o exemplo dos eclipses solares, como um saros não corresponde exactamente a 18 anos, a data de cada um dos eclipses de uma "série" deve avançar os referidos 11 dias suplementares. Mas como a diferença é, em rigor, de 11 dias e 8 horas, estas horas "a mais" traduzem-se numa deslocação rotacional do nosso planeta debaixo da umbra (sombra) lunar que equivale a cerca de 1/3 de um dia ou 120º de longitude (1h=15º). Logo, o eclipse vai acontecer noutra região do globo, deslocada cerca de 120º para Oeste (v. mapa com exemplo infra nesta pág., onde também se explica a evolução dos eclipses de uma "série" no longo prazo).


Há outros ciclos, como o "inex" de cerca de 29 anos, relacionando 358 meses sinódicos com 388.5 meses dracónicos, i.e., dos nodos, retorno da Lua ao mesmo nodo da sua órbita. Foi detectado por
van den Bergh na sua análise dos dados coligidos no vasto Canon der Finsternisse de Oppolzer (vide G. van den Bergh: Periodicity and Variations of Solar and Lunar Eclipses, T. Jeenk Willink & Zoon N. V., Haarlem, 1955).

Em resumo, o Saros é um período que equivale ao ciclo de regressão dos nodos da órbita lunar. Esta propriedade advém de ser um múltiplo inteiro tanto da lunação como do período dracónico (ou "draconítico"). Após três períodos, o eclipse repete-se aproximadamente na mesma localização geográfica. Permitia apenas saber se aconteceria um eclipse num determinado dia, sem definitivamente classificar se seria parcial, total ou anular (não tinha em consideração as distâncias do Sol e da Lua), ou se podia ser observado da mesma localização que o seu antecessor. Não se sabia a razão da recorrência ou da periodicidade específica, apenas compeendida após o detalhado estudo dos movimentos lunares. Já não é usado há muito tempo. A complexa mecânica (relacionada com o célebre "problema dos três corpos", que ocupou matemáticos como d’Alembert, de Clairaut ou Leonhard Euler, em Setecentos), bem como a ponderação de outras eventuais e minuciosas interacções gravitacionais, permite actualmente prever estes fenómenos com enorme precisão, i.e. ao segundo.

A designação nasceu de um equívoco (como procuraremos elucidar mais adiante): "It is common in 20th century literature to say that this cycle is the interval that the Babylonians or other ancients called the Saros, and it is probably hopeless to try to correct this error. Sarton [1952, p. 119] and Neugebauer [1957, p.142] point out that the mistake arose in the 17th century. Halley started it by misreading a poorly edited text of Pliny's Natural History." (Newton, R. R., Ancient Astronomical Observations..., The Johns Hopkins Press, 1970, p.94).

Eclipses, Asa Smith, 1849
A magnitude dos eclipses era medida em dígitos ("dedos") ou "pontos" (doze avos do diâmetro), como se pode ver na fig. 6, representação do eclipse lunar. Em baixo, tipologia dos eclipses do Sol (Asa Smith, Smith's Illustrated Astronomy, Cady & Burgess, 1849)


Ekleipsis


Esta palavra, que foi transliterada do Grego como "eclipse", significa abandono ou falha (
no sentido de algo "disfuncional"); defectus solis, dizia-se em Latim, "desfallecimento ou ausencia", como explicava Frederico Oom no seu livro acerca do eclipse de 28 de Maio de 1900 (v. infra). Num passado remoto, sem entendimento da mecânica celeste ou tecnologia adequada, seria extremamente difícil compreender a causa dos inusitados fenómenos. Num eclipse solar, os nossos antepassados remotos observavam o Sol a ser lentamente reduzido mas o brilho intenso não permitiria facilmente perceber que se tratava da Lua, apesar da sua fase permitir suspeitar da proximidade. É necessário "esquecer" o que conhecemos (as órbitas, a interacção Sol-Terra-Lua) para procurar imaginar as interpretações míticas, que coincidiam na ideia-base de que a ordem e a regularidade eram seriamente ameaçadas. Nas mais disseminadas tradições, encontramos o mitema do "monstro que devora o luminar": um dragão no Extremo Oriente, um demónio chamado Rahu na Índia (que se disseminou para o sudeste asiático, bem como para nordeste, até à Mongólia e Sibéria, e.g., através do Arakho do folclore dos Buriates), na Mitologia Nórdica eram dois infatigáveis lobos gigantes criados por Loki, rei das artimanhas (Hati perseguia a Lua e Skoll perseguia o Sol); no Egipto, a enorme serpente Apep atacava a barca do Sol (), tema provavelmente relacionável com os eclipses solares, etc.

Kala Rau (Rahu)
Na indonésia chama-se Kala Rau ao asura Rahu, referido no Mahabharata. Na tradição Hindu, os Asuras são demónios antagonistas dos benevolentes Devas, ou deuses. O arteiro Rahu terá sido rapidamente decapitado por Vishnu (enquanto Narayana) após cometer o sacrilégio de beber do elixir da imortalidade reservado aos deuses. O corpo pereceu mas a sua cabeça tornou-se imortal. O demónio vinga-se perseguindo o Sol e a Lua, que o terão denunciado. Por vezes "engole" um destes (eclipse) mas o luminar acaba por sair pela goela cortada. (Desenho efectuado a partir de pintura tradicional Balinesa por Joseph Bientasz, Griffith Observatory, in: Krupp. E. C., Beyond the Blue Horizon..., Oxford University Press, 1992 (1991), p.168)

Flammarion - eclipse Tashkent
Um eclipse lunar em 16 de Dezembro de 1880 (data Gregoriana) foi recebido ruidosamente em Tashkent (Uzbequistão) com tambores e címbalos (gravura recolhida numa edição de 1900, em Russo, da célebre Astronomie Populaire de C. Flammarion)


Fontenelle (1657-1757), escritor e pensador Iluminista, expôs diversas superstições e medos relacionados com os eclipses em algumas culturas extra-europeias, mas também ironizou com pretéritas superstições dos "refinados" (raffinés) gregos e com o pânico ainda recente dos seus contemporâneos franceses, quando, durante um eclipse, muitos se trancaram em caves e porões
:
 
"Ah! vraiment, répondis-je, il y a bien des peuples qui, de la manière dont ils s’y prennent, ne la devineront encore de longtemps. Dans toutes les Indes orientales on croit que quand le Soleil et la Lune s’éclipsent, c’est qu’un certain dragon* qui a les griffes fort noires, les étend sur ces astres dont il veut se saisir ; et vous voyez pendant ce temps-là les rivières couvertes de têtes d’Indiens qui se sont mis dans l’eau jusqu’au col, parce que c’est une situation très dévote selon eux, et très propre à obtenir du Soleil et de la Lune qu’ils se défendent bien contre le Dragon*. En Amérique on était persuadé que le Soleil et la lune étaient fâchés quand ils s’éclipsaient, et Dieu sait ce qu’on ne faisait pas pour se raccommoder avec eux. Mais les Grecs qui étaient si raffinés n’ont-ils pas cru longtemps que la Lune était ensorcelée, et que des magiciennes la faisaient descendre du ciel pour jeter sur les herbes une certaine écume malfaisante? Et nous, n’eûmes-nous pas belle peur il n’y a que trente-deux ans, à une certaine éclipse de soleil [refere-se a 1654], qui à la vérité fut totale? Une infinité de gens ne se tinrent-ils pas enfermés dans des caves, et les philosophes qui écrivirent pour nous rassurer n’écrivirent-ils pas en vain ou à peu près? Ceux qui s’étaient réfugiés dans les caves en sortirent-ils?" (Bernard Le Bouyer de Fontenelle, Entretiens sur la pluralité des mondes, "second soir", 1742 (1686); excerto é do texto-base, a última edição revista pelo autor; seguimos a Edição Crítica de Alexandre Calame, Paris, Librairie Marcel Didier, 1966, pp.56-57)
 
* "Demon" nas edições de 1886 e 1724.

Numa tradução deste trecho em Português (baseada noutra edição):

"Ah! respondi eu, quantos povos ha ainda que pela sua maneira de discorrer sobre os Eclipses estarao longo tempo ainda sem adivinha-la. Em todas as Indias Orientaes se crê que, quando o Sol, e a Lua se eclipasam, é porque um certo Demonio, que tem as Garras muito negras, se estende sobre estes Astros, quaes pretende apossar-se; e, se alli podesseis transportar-vos, verieis em todo o tempo que dura o Eclipse os rios coalhados de cabeças de Indios [i.e. hindus], que se mettem na agua até ao pescoço, por ser esta uma situação muito devota, segundo a sua crença, e muito propria para obter do Sol, e da Lua que se defendam bem do Demonio, que procura agarra-los. Na America persuadem-se que o Sol, e a Lua estão enfadados, quando se eclipsam, e Deos sabe o que aquelles povos são capazes de fazer para se reconciliarem com elles! E os Gregos, que eram tão subtis nas suas pesquizas, não acreditaram longo tempo que a Lua cedia aos encantos, e feitiços com que algumas Magicas a faziam descer do Ceo para espalhar sobre as ervas certa espuma venenosa? E entre nós mesmos não se experimentou, haverá talvez sessenta anos, o maior susto occasionado por um Eclipse do Sol? não se conservaram uma infinidade de pessoas encerradas em subterraneos, a pezar de tudo quanto os Philosophos escreveram para destruirem tão ridiculo susto?" (Conversações sobre a Pluralidade dos Mundos: Vertidas de Francez em Vulgar pela Senhora D. Francisca de Paula Possóllo da Costa. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1841, pp.75-6).


O pânico foi descrito na gazeta burlesca semanal de Jean Loret, do dia 15 de agosto. Eis as últimas rimas:
"Beaucoup de gens, et des plus braves,
Se cachèrent au fond des caves,
Et tel fut au grenier exprés
Pour voir le soleil de plus prés..."


O Eclipse é, na alargada abordagem antropológica resumida por Jean-Pierre Verdet (Le Ciel: Ordre et Désordre, Gallimard, 1988), um culminar da desordem cósmica: "...cas extrême des phases de la lune ou de la disparition quotidienne du soleil - est celui du grand désordre cosmique." (p.76). Os valores simbólicos do eclipse e os do incesto, tabu universal ("le signe même du désordre social") são também relacionáveis e surgem em algumas interpretações (ibid.).

Na arte, na literatura, na Sci-Fi (ficção científica) ou na BD, o interesse pelos eclipses é evidente, da Odisseia de Homero a Tintin, passando por Shakespeare e Asimov (Nightfall, 1941), pela pintura de Taddeo Gaddi, Rafael (Raffaello Sanzio) ou Hendrick ter Brugghen. Os portentos disseminaram o seu fascínio
.

Gaddi - Anunciação aos Pastores (pormenor)vaziaRafael - Isaac e Rebeca
Taddeo Gaddi, L'Apparizione dell'angelo ai pastori (pormenor); fresco, Cappella Baroncelli, Santa Croce, Florença (década de 1330). Gaddi representou os efeitos luminosos que observou no eclipse de 16 de Julho de 1330 (Pasachoff, J., Olson, R. Astronomy: Art of the eclipse. Nature 508, 314–315 (2014); à direita: Isacco e Rebecca spiati da Abimelech (Gn:26); fresco de Rafael, Logge di Raffaello, Vaticano, 1518–19


Historicamente, a confirmação de padrões significativos na recorrência e tipologia dos eclipses da Lua foi muito facilitada pelo facto de estes serem
sempre observáveis a partir de todo um hemisfério do nosso planeta (na verdade, em mais de metade do planeta devido ao movimento de rotação), enquanto os eclipses solares estão confinados a restritas regiões geográficas, afastadas entre si. O registo cuidadoso dos fenómenos permitiu antecipar os eclipses lunares, reconhecer repetições e, provavelmente, as "lacunas" (eclipses não observados). Os povos da Mesopotâmia foram os primeiros a compreender que os eclipses (lunares) se manifestavam num ritmo próprio. Obedeciam a ciclos. E o saros, já mencionado acima, será o mais importante:
 
"(,,,) As time passed and they accumulated more records, the Chaldeans and other ancient peoples recognized that a specific eclipse occurred a precise number of days after a previous eclipse and before a subsequent one. Eclipses had a long-term rhythm of their own. The most famous and, perhaps, most useful of these eclipse rhythms was the saros, discovered by the Chaldeans and inscribed on clay tablets in their cuneiform writing. The Chaldeans noticed that 6,585 days (18 years 11 days) after virtually every lunar eclipse, there was another very similar one. If the first was total, the next was almost always total." (Littmann, Espenak & Willcox: Totality: Eclipses of the Sun (3rd ed.), Oxford University Press, 2008, p.21).

É um múltiplo quase exacto de vários outros períodos: 18 anos e onze dias perfazem 6585 dias, representando 223 lunações (retorno da mesma fase da Lua à mesma data do calendário solar (Juliano), i.e. o chamado Ciclo Metónico*), 242 revoluções dracónicas (cada uma é o retorno ao mesmo nodo, 27,21 dias) e 238 revoluções anomalísticas (cada uma é o intervalo entre duas passagens da Lua pelo seu perigeu, o ponto mais próximo da Terra, 27,55 dias). Está atestado num texto babilónico encontrado em duas placas cuneiformes identificadas e coligidas por Abraham Sachs em 1953 (Olaf Pedersen (Alexander Jones, ed.), A Survey of the Almagest..., Springer, 2008, p.162, n.1).

* Ou Enneadecaeteris: mínimo múltiplo comum (aproximado) da duração, em número de dias, do ano trópico (o das Estações) e do mês sinódico lunar (o das lunações). Ciclo tradicionalmente utilizado na “harmonização” dos ritmos convencionais do Sol e da Lua no Calendário Litúrgico, com a sua gestão do excesso de dias do ano solar sobre o lunar - a Epacta).

 

Dresden Codex
Uma serpente emplumada engole o Sol. É um tema recorrente em diversas mitologias dos eclipses, protagonizado por dragões (no Extremo Oriente), lobos (entre os povos nórdicos), jaguares (em algumas culturas Pré-Colombianas), demónios de toda a espécie. O eclipse solar assume, na perspectiva antropológica, uma ideia de perigo, desordem (cósmica, social), desequilíbrio e caos. A técnica para afastar a "ameaça" e acabar com o momento disruptivo era, em quase todas as culturas, fazer o maior barulho possível. Na ilustração, desenho de detalhe da tabela de eclipses do chamado Códice de Dresden (Akademische Druck- u. Verlagsanstalt Graz; p. 57b). Os Maias utilizaram calendários complexos, tendo enorme abrangência na Mesoamérica um ano ritual de 260 dias. Respaldavam-se em ciclos diferentes dos utilizados no chamado "Velho Mundo", com abordagens e interpretações simbólicas específicas. Reconheciam o período de 177 (ou 178) dias que intervalava os eclipses. Sabiam, empiricamente, que os eclipses somente se podiam repetir em semestres, ou ocasionalmente em cinco meses (porque, como hoje diremos, o Sol e a Lua precisam estar situados nos nodos, onde ambas as órbitas, i.e. a Eclíptica e a órbita da Lua, se intersectam)


Também os Maias, na Mesoamérica, após registarem um número suficiente de eclipses, verificaram recorrências, nomeadamente que os fenómenos de maior magnitude se verificavam apenas em intervalos de seis meses lunares ou cinco meses lunares. Descobriram empiricamente a duração aproximada do "ano de eclipse", bem como do meio-ano de 173.3 dias. Recorrendo à data de um eclipse lunar ou solar observado, existia a possibilidade de nova ocorrência, embora em muitos casos o eclipse não acontecesse ou não fosse observável a partir da localização geográfica habitada por estes povos.

Todavia, não existia ainda, em qualquer civilização, uma teoria que explicasse o padrão. No caso dos eclipses solares, confinados na área que abrangem e (numa mesma série) "reincidindo" em regiões geográficas afastadas, é provável que, no máximo, num ou outro caso particular, se pudesse inferir uma vaga "possibilidade" de recorrência. Mas seria inexequível antecipar. Com os Gregos desenvolve-se uma perspectiva geométrica na qual os "planetas" (no sentido lato tradicional, que incluía os luminares) descreviam órbitas, e estas eram circulares. Com Hiparco, e depois com Ptolomeu, desenvolve-se um conhecimento mais aprofundado das peculiaridades dos movimentos aparentes do Sol e da Lua. As ulteriores tabelas medievais, respaldadas no legado ptolomaico e com refinamentos promovidos pelos astrónomos das regiões islamizadas, permitiam antecipar os eclipses lunares com notável precisão (~1 hora). Mas o verdadeiro salto qualitativo, definitivo no que diz respeito aos eclipses do Sol, só acontecerá mais tarde com as leis da mecânica celeste de Newton. Edmond Halley (1656-1742) foi o primeiro astrónomo a calcular e antecipar
com precisão as localizações, "timings" e percursos dos eclipses. Fê-lo para os eclipses solares de 1715 e 1724, cuja totalidade percorreu a Inglaterra. O primeiro eclipse cronometrado por um grupo de astrónomos foi, justamente o de 3 de Maio 1715, data Gregoriana (Stephenson, F. Richard (1982). "Historical Eclipses". Scientific American. vol.247, no.4. pp. 154–163). A partir daí, tornou-se também exequível calcular (retrospectivamente) fenómenos no passado e conhecer a sua cronologia.

Halley - mapa caminho eclipse 1715
O mapa desenhado por Halley para o eclipse de 1715 foi um dos primeiros do seu género (o primeiro parece ter sido desenhado pelo astrónomo Alemão Erhard Weigel em 1654, vide Kanas, Nick, Solar System Maps: From Antiquity to the Space Age, Springer/Praxis Publishing, 2024, p.224). Após o eclipse, foi corrigido e republicado, adicionando o caminho do futuro eclipse de 1724 que também atravessaria a Inglaterra


A recorrência lunar reconhecida na antiga Mesopotâmia também acomoda os eclipses solares. Normalmente,
cada ciclo inclui 70 eclipses (41 solares e 29 lunares). Dado um determinado eclipse, decorrido um destes intervalos assiste-se a outro eclipse com geometria similar (duração, tipo, configuração do percurso de sombra, etc.), todavia observável noutra região geográfica devido ao facto de os períodos relacionados não serem exactamente múltiplos. Em causa está a dinâmica do sistema Sol-Terra-Lua. Como já vimos acima, antes de mais, atendendo a que um saros não corresponde exactamente a 18 anos, a data de cada um dos eclipses do "grupo" vai avançar os 11 dias em excesso. Mas como a diferença é, em rigor, de 11 dias e 8 horas, as horas "remanescentes" traduzem-se na deslocação rotacional do nosso planeta sob a umbra (sombra) lunar que equivale a cerca de 1/3 de um dia ou 120º de longitude (1h=15º). Logo, o eclipse vai acontecer noutra região do globo, deslocada cerca de 120º para Oeste. Logo, é necessário completar 3 saros (669 meses sinódicos, período designado Exeligmos (aparentemente favorecido pelos Gregos) que encontramos mencionado no Isagoge de Geminus (XVIII) ou no Almagesto (IV, 2) de Ptolomeu) para que o eclipse atinja aproximadamente a mesma região do globo, "voltando" à mesma longitude. Porque já se verificou um diferencial de 33 dias (11x3), o Sol estará, todavia, um pouco mais alto (ou baixo), dependendo da estação do ano e do movimento ascendente ou descendente da Lua através do nodo (i.e. deslocamento gradual do nodo lunar, cerca de 0.5º entre eclipses sucessivos), determinando uma faixa e totalidade geograficamente deslocada para norte ou para sul.

Eclipses do saros 136
Caminho de Totalidade de nove eclipses pertencentes ao saros nº 136, no intervalo 1901-2045 (Espenak, F. & Meeus, J., Five Millennium Canon of Solar Eclipses:
–1999 to +3000 (2000 BCE to 3000 CE), NASA/TP–2006–214141, p.38). Eclipses sucessivos dos saros com nº par acontecem deslocados para Oeste e Norte; dos saros com nº ímpar para Oeste e Sul.

Todos os eclipses de uma mesma série acontecem no mesmo nodo lunar (ascendente ou descendente). A longo prazo, uma série (ou "família") saros começa com um conjunto de eclipses parciais observáveis em latitudes muito elevadas, seguido de um conjunto de eclipses anulares, totais ou híbridos (nestes, o cone de sombra não toca a superfície do nosso planeta nos extremos do seu percurso mas somente numa fase intermédia devido à curvatura terrestre) em latitudes geográficas medianas (N.B.: embora existam saros sem eclipses totais, ou sem eclipses anulares, nenhum tem somente eclipses parciais). Em resumo, o ciclo começa de modo incipiente, somente penumbral, Após um intervalo aproximado de dois séculos, a umbra começa a tocar a superfície do nosso planeta e a proporcionar eclipses mais notáveis durante cerca de 950 anos. Finalmente, espiralando ao longo do globo, e tendo entretanto atravessado o Equador, a série sai de cena com um conjunto de modestos eclipses parciais próximos do pólo geográfico oposto, após um intervalo médio de 1300 anos. [Mobberley, M., Total Solar Eclipses and How to Observe Them, Springer, 2007, pp.15-17): Zirker, J. B., Total Eclipses of the Sun (Expanded ed.), Princeton University Press, 1995, pp.37 et seq.; Nordgren, T., Sun, Moon, Earth: The History of Solar Eclipses..., Basic Books, 2016, ch. 2]

Como acontecem muitos e não apenas um único eclipse em cada período de (quase) 19 anos, há sempre vários ciclos saros a decorrerem em simultâneo (~40 em curso a qualquer momento).

A interpretação do nome Saros (Gr. σάρος) é de origem moderna (Neugebauer, O., A History of Ancient Mathematical Astronomy, Springer, 1995, vol.1, p.497 n.2). Terá sido pela primeira vez utilizado (neste contexto) por Edmond Halley em finais do séc. XVII, enquanto comentava passagens de uma edição da Naturalis Historia de Plínio (Emendationes & Notae in tria loca vitiose edita in textu vulgato Naturalis Historiae C. Plinii). A palavra foi, supostamente, retirada do "Suda" (ou "Suidas"), um extenso lexicon (dicionário) Bizantino do séc. XI (v. trad. entrada relevante em Inglês, .PDF, 20KB; 1ª nota denuncia a extrapolação para o tema dos eclipses, nota é pertinente e corrige lapso no original). Otto Neugebauer procurou descrever o turbulento percurso deste conceito (The Exact Sciences in Antiquity, 2nd ed., Dover Publications, 1969, pp.141-2): associado à Astronomia pela primeira vez no referido dicionário, não tinha qualquer ligação aos eclipses (mas sim com uma relação trivial entre o ano e o número de meses do ano). Com suposta origem na Suméria, relacionava-se primitivamente, segundo Ideler (Handbuch der Mathematischen und Technischen Chronologie, I, 1825, p.213), com conceitos como "universo" ou "pluralidade" e, mais tarde, com o número 3600 (expressão concreta de uma elevada quantidade). É, de facto, usado por Berossus (circa 290 A.C) como sinónimo de "3600 anos". Edmond Halley lê em Plínio a descrição da recorrência dos eclipses (que sabia serem 223 meses), numa edição que indicava "222" (edições diferentes grafavam números diversos, incluindo 235, obviamente sugerido pelo Ciclo Metónico, que é diferente, ainda hoje usado no nosso Calendário Litúrgico). Presumindo que o texto do séc. XI se baseara em Plínio, decide aplicar a "correcção" a ambas as fontes, relacionando erradamente a mais recente com a temática dos eclipses (não tendo em conta contexto original, que não faz sentido com a alteração). Esta conjectura (embora criticada por alguns autores na época) foi todavia publicada por Montucla na sua célebre Histoire des mathematiques (1758) e o mito "Saros" não mais se desfez. Em resumo, Halley interpretou incorrectamente a descrição original mas a terminologia perpetuou-se no uso astronómico. Em rigor, segundo Franz Xaver Kugler (Die babylonische mondrechnung, 1900), no período Selêucida (mais tardio) os eclipses eram calculados medindo cuidadosamente a latitude lunar relativa às sizigias (Lua Nova e Lua Cheia), existindo contudo indicações da utilização. num período anterior, de um ciclo de cerca de 18 anos para determinar a sua recorrência (bem como a de diversos outros fenómenos lunares).

 
O "Eclipse de Tales"
Conhecida ilustração oitocentista de uma batalha entre Lídios e Medos, relatada por Heródoto, supostamente interrompida por um eclipse total que motivou a celebração da paz entre os antagonistas (reproduzida por Todd, Mabel L., Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.95). Proveniente de fonte francesa (autoria do artista Georges Rochegrosse, 1859-1938)


Cronologias

Uma vertente interessante consiste no recurso aos eclipses do passado como ferramenta cronológica.
Neste âmbito, onde a Astronomia, a História e a Cronologia, se encontraram, há alguns nomes do passado que são referência. No primeiro quartel do séc. XIX, o Barão Franz Xaver von Zach (1754-1832) elencava diversos "éclipsographes": "Scaliger, Petau, Riccioli, Calvisius, Struyck, Ferguson, Lambert, Pingré, etc." (Correspondance Astronomique, vol.3 (1819), p.560).

Os académicos do final do século XIX e início do XX (Friedrich Karl Ginzel, John Knight Fotheringham et al.) procuraram interpretar os vagos relatos clássicos, quase sempre literários, presentes em resumos históricos, biografias e até poemas (como um conhecido exemplo de Arquíloco (séc. VII a.C.), fragm. 122, v. Barron and Easterling, 1985, p.125) porque não havia nada mais 'técnico' à disposição. Com a descoberta e tradução de parte dos registos cuneiformes encontrados na Mesopotâmia (quase todos arquivados no Museu Britânico), consegue-se amiudadamente obter informação muito mais precisa. É muitas vezes possível fazer a relacionação com os antigos calendários, em paralelo com as listas disponíveis de reis e soberanos (como o "Canon Basileon" que encontramos nas tabelas de Ptolomeu), e.g., o eclipse ocorrido na data equivalente a 15 de Junho de 763 a.C. surge na chamada "Crónica Assíria", sendo relevante para a cronologia desta civilização. Na tradução fidedigna de Alan R. Millard:

(Eponym of) Bur-Saggile of Guzana. Revolt in the citadel; in (the month) Siwan, the Sun had an eclipse (samas attalu).

[Assyrian Chronicle; trans. Millard (1994, p.58)]
 
O 'epónimo' ("limmu" no original) refere-se ao governador provincial ou magistrado cujo nome identificava o ano para o qual estava mandatado (comparável aos "arcontes" Gregos e aos cônsules que encontraremos em Roma). Neste caso o seu nome era Bur-Saggile. A partir do "Cânone dos Reis" que Ptolomeu transcreveu (vide G. J. Toomer, Ptolemy's Almagest. Translated and annotated, Duckworth, 1984, p.11), foi possível (nas listagens de eclipses retrospectivamente calculados) localizar o que responde ao ano, mês e localização. Pela tradução de Millard percebemos que o eclipse, sendo na região de Assur, não se refere obrigatoriamente à capital, como é habitual encontrar noutras referências. A sua magnitude também não foi sugerida no registo original.


Outro exemplo é o eclipse no dia do novilúnio do mês de Hiyar, equivalendo (numa pesquisa retrospectiva) a de 3 de Maio de 1375 a.C. em Ugarit (antiga cidade do norte da Síria):  o Sol foi humilhado e apagou-se em pleno dia ("The sun was put to shame and went down in daytime", vide J. B. Zirker,
Total Eclipses of the Sun, Princeton University Press, 1995, chapter 1; a fonte original é a placa cuneiforme KTU 1.78, encontrada em 1948). A verificação das datas cronológicas tem em conta a aceleração orbital da Lua e desaceleração da rotação da Terra (resultado das forças em presença nas marés oceânicas, que em pequenos incrementos se tornam influentes a longo prazo). A primeira explicação matemática detalhada do efeito foi feita pelo notável matemático Pierre-Simon de Laplace (1749-1827) no último quartel do séc. XVIII. Na realidade há múltiplos factores, nomeadamente climáticos,  que criam pequenas variações na rotação da Terra, nem todos ainda completamente compreendidos. As cronologias são constantemente ajustadas e refinadas em função do conhecimento destas variáveis e com nova informação de antigos relatos entretanto descobertos. Segundo F. Richard Stephenson, os eclipses cronologicamente válidos enquadram-se em três categorias (por ordem de relevância decrescente): os que também incluem a hora do dia, os que foram relatados como acontecendo próximo do orto ou do ocaso do Sol e, por fim, os que não relatam os "timings" mas são considerados conspícuos, i.e. totais ou quase totais. ("Historical Eclipses". Scientific American. Vol. 247, no. 4., pp.173-74).

Refira-se que, curiosamente, não há, aparentemente, qualquer evidência de registos relacionados com eclipses nas fontes do Antigo Egípto. Seria tabu? Segundo os editores da Encyclopedia Britannica: "Some scholars have suggested that perhaps eclipses were highly distressing and were deliberately left unrecorded so as to not "endow the event with a degree of permanence" or tempt the sun god Re (Ra). One Egyptologist has suggested that various references to an apparently metaphorical form of blindness align with historical eclipse dates and may be symbolic records of these events. Or perhaps papyrus records were simply lost to time." (Petruzzello, Melissa. "The Sun Was Eaten: 6 Ways Cultures Have Explained Eclipses". Encyclopedia Britannica, 1 Aug. 2017, https://www.britannica.com/list/the-sun-was-eaten-6-ways-cultures-have-explained-eclipses. Accessed 30 October 2023)

A leitura histórica não está,
porém, isenta de dificuldades, atendendo à complexidade da interpretação de muitas das fontes, com testemunhos imprecisos, ficcionados ou, de algum modo, "falsificados" (e.g., fenómenos "transladados" para coincidirem com eventos históricos ponderosos). Muitos astrónomos e divulgadores reputados repetem até à saciedade relatos com pífia credibilidade, porque insuficientemente ou equivocamente documentados. Exemplos: o célebre episódio Chinês dos astrónomos Hsi e Ho (nomes que remetem para a antiga mitologia astronómica solar, com ulterior materialização "histórica" na lenda; podemos encontrar um bom resumo em Littmann et al.: Totality: Eclipses of the Sun (3rd ed.), Op. cit., pp.33 et seq.; a fonte confucionista original (uma compilação de diversos discursos antigos e registos de eventos) foi ed./trad. por James Legge: The Chinese Classics, vol. 3, The Shoo King [Shu Ching], Hong Kong University Press, 1960). Fenómeno dataria da (debatida) dinastia Hsia ou Xia e chegou à Europa num tratado de 1732 da autoria do jesuíta Antoine Gaubil. A lenda refere um eclipse que ocorreu supostamente em 2137 a.C. Aos negligentes astrónomos incumbentes, Hsi e Ho, foi prometida severa (capital) punição por não terem antecipado a ocorrência, episódio que J. Needham (na senda de outros autores) considera obviamente espúrio e uma interpolação relativamente recente (Mathematics and Science in China and the West, vol.3, Cambridge University Press, 1959, p.189). Outro célebre fenómeno foi supostamente "previsto" por Tales de Mileto e interrompe uma batalha entre Lídios e Medos (Heródoto, I, 74), Plínio (Nat. Hist. II, 9) ou Cícero (De Divinatione, 49), Foi "validado" no séc. XIX pelo astrónomo G. B. Airy como sendo o eclipse ocorrido na data equivalente a 28 de Maio de 585 a.C. O próprio sítio da batalha, nas margens do rio Halys, é somente mais uma suposição. A polémica começa pela (im)possibilidade de previsão das circunstâncias locais ou geográficas na época de Tales (para os eclipses solares não bastaria conhecer o ciclo saros, seria necessário recorrer a um vasto acervo de datas de eclipses observados na região, dos diversos saroi em curso, para uma estimativa minimamente informada baseada nos pares ou trios ocasionais), De resto, se o filósofo milesiano utilizou um ciclo, convém esclarecer que os ciclos contêm um número integral de meses e a predição apontaria necessariamente o dia, não o ano, como descrito no relato. Simon Newcomb (1835-1909) cedo sugeriu cautelas na leitura crédula destes antigos "relatos" de supostos eclipses. Salientou o facto de Tales apenas ter "previsto" um único eclipse (demais total, na sua região geográfica) e a enorme improbabilidade inerente: "That he predicted only a single eclipse is highly improbable; that, in addition, this one should prove to be total within a hundred miles of his birthplace transcends all reasonable probability" (Researches on the Motion of the Moon..., Washington, Government Printing Office, 1878, p.30). Convém lembrar que Tales ou Pitágoras pertencem a uma categoria de "heróis sapientes" mitificados, aos quais tudo era (e foi sendo) atribuído, muitas vezes anacronicamente (a cosmologia de Tales era ainda muito rudimentar, concebendo uma Terra plana que flutuava numa vasta extensão de água). Para Otto Neugebauer (The Exact Sciences in Antiquity, 2nd ed.. Dover Publications, 1969, pp.142-3) a realidade de tal previsão é liminarmente recusada e a "ligação" babilónica não colhe pois entre estes não existia, na época, qualquer teoria para prever eclipses solares. nem os Babilónios alguma vez desenvolveram uma teoria que tomasse em consideração a latitude do lugar. Citamos da 1ª edição de 1952, p.136:

"The myth of the Saros is often used as an 'explanation' of the alleged prediction by Thales of the solar eclipse of -584 May 28. There exists no cycle for solar eclipses visible at a given place; all modern cycles concern the earth as a whole. No Babylonian theory for predicting a solar eclipse existed at 600 B.C., as one can see from the very unsatisfactory situation 400 years later; nor did the Babylonians ever develop any theory which took the influence of geographical latitude into account. One can safely say that the story about Thales’s predicting a solar eclipse is no more reliable than the other story about his predicting the fall of meteors."

O ano específico (4º ano da 48ª Olimpíada), muito mais tarde indicado por Plínio (que teria acesso às datas dos eclipses mais conspícuos), coaduna-se, de facto, com o de uma totalidade que se observou na Ásia Menor em 585/4 a.C., v. mapa (F. Espenak, NASA/GSFC, editado). Todavia, neste caso o eclipse teria sido somente observado ao final da tarde, hora pouco usual para este tipo de confronto bélico. De resto, como Ronald R. Newton salienta, a fonte Heródoto (séc. V a.C.) faz numa outra passagem (VII, 37) a clara descrição de um eclipse comprovadamente inexistente, supostamente observado de Sardes circa 446 a.C. pelas forças militares de Xerxes, que se preparavam para atacar os gregos (datação é, neste caso, verificável através de diversas outras fontes fidedignas). Se Heródoto se "enganou" aí, com um intervalo de somente uma década, como acreditar nesse outro relato (mais de um século anterior ao historiador) de um fenómeno concomitante com uma batalha não datável entre Lídios e Medos? (Ancient Astronomical Observations..., Op. cit., 1970, pp.97-9). Newton também refere (p.44):

"Since an eclipse was often regarded as an omen, an imaginative writer could place an eclipse before or at the beginning of a great event, such as a military campaign, and interpret it to suit the course of history. This procedure perhaps accounts for the remarkable tendency of people to fight battles during a solar eclipse. The death of a king or an eminent person is often accompanied by prodigies or marvels. A well known example is given by Plutarch [ca 100; Life of Caesar]: The most signal preternatural appearances were the great comet, which shone very bright for seven nights after Caesar's death, and then disappeared, and the dimness of the sun, whose orb continued pale and dull for the whole of that year ...'' Also the fruits dia not ripen properly and a phantom appeared to Brutus."


Ainda acerca do "eclipse de Tales", citamos a opinião lúcida de Sir H. C. Rawlinson, em 1858:
"The prediction of this eclipse by Thales may fairly be classed with the prediction of a good olive crop, or the fall of an aerolite [predição atribuída a Anaxágoras]. Thales, indeed, could only have obtained the requisite knowledge for predicting eclipses from the Chaldeans; and that the science of these astronomers, although sufficient for the investigation of lunar eclipses, did not enable them to calculate solar eclipses—dependent as such a calculation is, not only on the determination of the period of recurrence, but on the true projection also of the track of the Sun's shadovv along a particular line over the surface of the earth—may be inferred from our finding that in the astronomical canon of Ptolemy, which was compiled from the Chaldean registers, the observations of the Moon's eclipse are alone entered."  (Month. Not., Royal Astr. Soc., vol. xviii. p. 148; March 1858)

- Excerto (.PDF, 690KB) do estudo de Jack B. Zirker (Total Eclipses of the Sun), que se respalda na opinião de alguns especialistas, transcrevendo a pertinente tipologia de relatos espúrios de R. R. Newton (Op. cit.) e um paper de Miguel Querejeta (de 2011) que resume abordagens pretéritas e analisa mais duas propostas quanto à possibilidade de Tales ter utilizado ciclos para prever um eclipse, concluindo e demonstrando estatisticamente a impossibilidade do procedimento.

Já as referências de Tucídides (c. 400 a.C.) são fidedignas e expostas numa linguagem precisa. Na sua História da Guerra do Peloponeso (
nomeadamente em II.XXVIII, IV.LII e VII.L) encontramos algumas referências facilmente confirmadas pelos cálculos astronómicos retrospectivos:
 
"Durante este mesmo Verão no princípio do mês lunar, no único momento em que isto pode acontecer, houve um eclipse do Sol depois do meio-dia; tomou a forma dum crescente e depois de novo ficou cheio e algumas estrelas tornaram-se visíveis." (História da Guerra do Peloponeso (trad. Raul M. Rosado Fernandes e M. Gabriela P. Granwher), Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 2013; II.XXVIII)

A Literatura Clássica associou amiudadamente os eclipses a acontecimentos históricos ou míticos considerados importantes, como por exemplo ao nascimento e morte de Romulus e à fundação de Roma. A Bíblia parece incluir pelo menos um relato explícito de um eclipse do Sol, em Amos, VIII.9. Já os portentos que nos Evangelhos acompanharam o nascimento e a morte de Jesus Cristo (da estrela de Belém às "trevas" da crucificação) são hoje teologicamente considerados engenhosas narrativas que ilustram ensinamentos religiosos, como acontece amiudadamente na tradição da midrash talmúdica, e não "relatórios" de eventos cósmicos ou de outro tipo. Na crucificação, um eclipse solar teria sido impossível pois o plenilúnio vernal assinalava a Pesah (Páscoa) Judaica (e, como sabemos, não há eclipses do Sol na Lua Cheia). Demais, as "trevas" duraram três horas, segundo três dos Evangelhos, e.g., "E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona." (Mateus, 27:45), Contudo, segundo algumas exegeses, poderá ter acontecido um eclipse lunar pois alguns comentários referem uma Lua "vermelha" ou "cor de sangue".

H. Buntingo - Crucificação
A "Figura" do céu aquando da Crucificação na "Cronologia Universal" de Heirico Buntingo (Heinrich Bünting). O autor explica: o sol perdeu a sua luz no meio do céu de modo contranatura (i.e. milagrosa), não muito longe da cabeça do dragão [caput draconis, o nodo lunar ascendente], "de onde naturalmente não podia estar longe". Foi, portanto, um eclipse sobrenatural: "Hyperphysica igitur & praeternaturalis fuit haec defectio solis". A Lua, sem receber luz deste sol "naturaliter deficere", estava no imum coeli, nos Antípodas, perto da cauda do dragão [cauda draconis, o nodo lunar descendente]. Acresce que Saturno [a Infortuna maior], emergindo sobre o horizonte, esteve em quadratura [aspecto astrológico maléfico], e "olhou" para o Sol e para a Lua ("...solis et lunae aspexit"), estando estes eclipsados. Termina a exposição salientando quão terrível foi esta configuração do céu: "Vides ergo quam terribilis haec fuerit facies coeli." (Chronologia catholica, omnium hactenus ab initio mundi, ad nostra vsque tempora editarum, ultima & absolutissima demonstrata. Omnium gentium et temporum, tam sacris quam alias probatis scriptis. Calculo quoque astronomico prutenico vt laboriosissimo ita certissimo. Ecclipsium, stellarum, & calendariorum: Ebræorum, Græcorum, Ægytiorum & latinorum: vsque ad ipsum mundi initium. Historia item..., Salomon Richtzenhan, Magdebvrgi, 1608, fol.237v.). Uma abordagem horoscópica deste jaez seria, claramente, censurada pela Igreja de Roma.


Os antigos Chineses foram pródigos no relato de eclipses bem como no de todos os fenómenos relacionados com a regularidade (ou o distúrbio da regularidade) no céu e, consequentemente (por correspondência), no vasto Império do Meio
. Os eclipses faziam parte da "astrologia política". Segundo Littmann et al. (Op. cit., p.35), desconheceram todavia as causas concretas destes fenómenos até uma época relativamente tardia: The Chinese were early in recording eclipses but late in recognizing their cause. Not until the third or fourth century a.d. did they understand solar and lunar eclipses well enough to be able to predict them accurately. Utilizavam métodos divinatórios complementares, por exemplo ossos oraculares (também designados "ossos de dragão") e pedaços de carapaças de tartaruga estaladas por aquecimento no fogo, nas quais se observavam e interpretavam as fendas resultantes. Apesar da longa tradição, o primeiro registo fiável é relativamente tardio: "For all its ancient historical tradition China is without a single reliable eclipse record before 720 B.C." (Stephenson, "Historical Eclipses", Scientific American. Vol. 247, no. 4, 1982, p.175) . O conhecimento (entretanto alcançado) de que que um eclipse solar seria causado pela interposição da Lua, mereceu resistência por parte de alguns sábios. O astrónomo Wang Chong (séc. I) questionava, filosoficamente, como seria possível a Lua, que era Yin, causar o obscurecimento do Sol, Yang (i.e. mais forte)? Preferiu acreditar que estava na natureza do próprio Sol "minimizar-se" ou "apagar-se" durante a ocorrência do fenómeno. (Thurston, H., Early Astronomy, Springer-Verlag, 1994, p.85).

Num registo Chinês de (i.e. reduzido a) 17 de Julho de 709 a.C. e presumidamente observado em Ch'u-fu (Qufu), "...o Sol foi eclipsado e foi total.": "Duke Yuan, 3rd year, 7th month, day jen-ch'en [cyclical day number = 29], de first day (of the month). The Sun was eclipsed and it was total." (Ch'un-ch'iu, I). Segundo Stephenson, que citamos (
Historical Eclipses and Earth's Rotation, Cambridge University Press, 1997, p.226), trata-se da primeira referência explícita à totalidade, em qualquer civilização.

Bandeira dinastia Qing
Shih ("comer", "consumir") é, da dinastia Shang em diante, uma palavra relacionada com os eclipses, revelando a persistência no imaginário tradicional do dragão que abocanhava o luminar. A associação entre eclipses e dragões presidiu ao desenho da insígnia da Dinastia Qing (ou Ch'ing, de origem Manchú), a última dinastia imperial Chinesa. Será insígnia e a primeira Bandeira Nacional. Esta versão rectangular (aqui ilustrada em escala de cinzentos) foi adoptada em 1889 (Close, Frank, Eclipses ["What Everyone Needs to Know" Series], Oxford University Press, 2019)


Por seu lado, as observações árabes medievais são, segundo
F. Richard Stephenson (ibid., p.456), das mais rigorosas de todo o período pré-telescópico. Ibn Yunus (m. 1009 A.D.), que viveu no Cairo (al-Qahirah), compilou num único tratado (al-Zij al-Kabir al-Hakimi, um manual com tabelas dedicado ao Califa al-Hakim), cerca de trinta observações de eclipses lunares e solares ocorridos no período 829-1004 A.D. Os astrónomos sabiam dos perigos da observação do Sol e al-Biruni (no Kitab Tahdid Al-Amakin..., tratado de geografia matemática do séc. XI) aconselha a observação por intermédio do reflexo na água. No contexto Islâmico, as horas eram muitas vezes identificadas aproximadamente pelas orações diárias: Fajr (amanhecer), Zuhr (meio-dia), 'Asr (tarde), Maghrib (poente) e 'Isha (noite). Num exemplo relatado por Ibn Hayyan em Córdova, data equivalente a 17 de Junho de 912 A.D. (299 da Era Islâmica, A.H.), num eclipse vespertino, as pessoas acreditaram tratar-se do ocaso do Sol (cit. por Stephenson, 1997, p.438; trad. nossa):

"Neste ano, o Sol foi eclipsado e dele tudo desapareceu na quarta-feira (arbe'a) quando faltava uma noite para completar [o mês de] Shawwal. As estrelas apareceram e a escuridão cobriu o horizonte. Julgando que era o pôr-do-sol, quase toda a gente rezou a oração do Maghrib ["poente"]. Depois disso, a escuridão dissipou-se, o Sol reapareceu por meia hora e depois pôs-se." (al-Muqtabis fi Tarikh al-Andalus (vol. III, p.147; Paris, 1937
)

John Steele refere (Observation and Predictions of Eclipse Times by Early Astronomers, ("Archimedes", vol. 4), Kluwer Academic Publishers, 2000, p.107) que os registos são escassos para o contexto, situam-se todos entre os séculos. IX-XI e foram observados por apenas seis fontes: "All of these date from the ninth to the eleventh centuries AD, and were observed by only six different people: Habash, al-Mahani, al-Battani, the Banu Amajur [um grupo de astrónomos que observou em Bagdad e, talvez, Shiraz], Ibn Yunus and al-Biruni."

No contexto europeu, o mesmo Stephenson (1997, ch. 11) considera as crónicas em geral elucidativas na descrição e datação dos fenómenos. Lavraram-se muitas crónicas monásticas, tão numerosas que raramente foram editadas em compilações e por isso permanecem "escondidas".

Na Europa, antes do séc. XVII e da utilização do telescópio, encontramos poucos registos cronometrados: "Indeed, before the beginning of the seventeenth century AD, only seven astronomers are known to have made detailed timed observations of eclipses: Isaac ben Sid, Levi ben Gerson, Jean de Murs, Regiomontanus, Bernard Walther, Nicholas Copernicus, and Tycho Brahe. This trend was radically reversed during the seventeenth century AD, in particular after the invention of the telescope." (John Steele, Op. cit., p.133)


Oppolzer - blatt nº132
Detalhe de uma das folhas (Blatt nº132) do monumental Canon der Finsternisse ("Cânone dos Eclipses") de Theodor von Oppolzer (Akademie der Wissenschaften, Kaiserlich-Königlichen Hof-und Staatsdruckerei, Wien, 1877), com cerca de 13000 fenómenos (solares e lunares) calculados. Infelizmente, os métodos aproximados usados por von Oppolzer na construção dos seus mapas representavam de modo impreciso as curvas, pois somente calculavam os pontos inicial, médio e final. (vide e.g., Todd, M. L., Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.199, n.15; Mitchell, S. A., Eclipses of the Sun, Columbia University Press, 1935 (1923) p.36). Mas incluía tabelas para extrapolar informação. Foi reeditado pela Dover em 1962 ("Unabridged and corrected republication of the German original") por Owen Gingerich. Todavia, o Canon também não tomava suficientemente em consideração a variabilidade da rotação da Terra.


Historiografia

Recuando pelo menos a Leovitius (Cyprian Karásek), 1514/1524?-1574, Tycho ou Kepler, a interpretação dos relatos (e a historiografia da mesma) constitui, por si, um estudo muito interessante. Antigas listagens e/ou relatos de supostos eclipses históricos podem ser encontrados na seguinte bibliografia muito resumida,
grosseiramente organizada por ordem cronológica (obras anteriores ao início do século passado):
 
Ricciolus (
Giovanni B. Riccioli), Almagestum Novum, Bologna, 1651
Johannes Kepler, Astronomies Pars Optica..., Frankfurt, 1604
Tycho Brahe, Historia Coelestis..., Augsburg, Simonem Utzschneiderum, 1666 (miscelânea de relatos e observações editada e impressa por Albert Curtz décadas após o decesso de Brahe)
Sethus Calvisius (Seth Kalwitz), Opus chronologicum ex autoritate s. scripturae ad motum luminarium coelestium contextum, Leipzig, 1605 (consultada a 4ª edição: Opus chronologicum ubi Tempus Astronomicum..., Editio Quarta, Francofurti ad Moenum & Embdae, Anthonius Hummius, MDCL)
Nicolaas Struyck, Inleiding tot de algemeene geographie, benevens eenige sterrekundige en andere verhandelingen ["Introdução à geografia geral, bem como alguns tratados astronómicos"], Amsterdam, Isaak Tirion, 1740
James Ferguson, Astronomy Explained upon Sir Isaac Newton's Principles, 2nd ed., pp. 167-79. London, 1757 (baseado nos catálogos de Struyck, Riccioli et al.)
Nicolas V. de Saint-Allais (ed.), L'Art de verifier les Dates, 1818-9 (1750); listas de eclipses por Alexandre Guy Pingré
Mabel L. Todd, Total Eclipses of the Sun, Boston, 1894
Samuel J. Johnson, Historical and Future Eclipses with notes on Planets, Double Stars, and other Celestial Matters, London: James Parker and Co., 1896 (edição pretérita com título Eclipses, Past and Future...,
1874)
George F. Chambers, Story of Eclipses, London, George Newnes, 1899 (c/ diversas reedições)
 
Também interessantes: o artigo de G.B. Airy: On the Eclipse of Agathocles, the Eclipse at Larissa, and the Eclipse of Thales (Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, vol. 17, Issue 8, June 1857, pp. 243–244), os contributos de John Russell Hind (1823-1895), por exemplo na revista Nature (July 1872, pp. 251-53) ou, por
John Knight Fotheringham: Historical Eclipses (Halley Lecture delivered 17 May 1921), Oxford, Clarendon Press, 1921. A crença nas valências cronológicas fez com que alguns destes autores "ajustassem" cronologias, raramente com o respaldo necessário. A exegese dos relatos tornou-se gradualmente mais cautelosa e exigente.
 
Nos trabalhos acima, encontramos um amplo elenco de relatos de fenómenos célebres e supostamente confirmados. Alguns vão recorrendo, consoante a metodologia crítica em presença e a dinâmica intertextual. Primeiro os clássicos, os bíblicos e os medievais. Mais tarde, com Gaubil e outros jesuítas, chegam os extremo-orientais, com datações por vezes prodigiosas. Depois o contingente mesopotâmico entretanto desvelado nas placas cuneiformes.

Nos autores do século XIX encontramos, amiudadamente, um eclipse observado na China Antiga na constelação/asterismo Fang ou o famigerado episódio de Ho e Hi (ou Ho e Hsi). Da Bíblia, a profecia de Amos (VIII, 9) e uma duvidosa referência em Isaías, XIII, 10. Assistiu-se entretanto ao início da Assiriologia (com o estudo e tradução dos registos cuneiformes), com referências mais precisas, como a que respeita ao eclipse de Nínive em 783 a.C. Os registos dos eclipses lunares do Almagesto mereciam
destaque pela antiguidade e proveniência.

Os dez mais antigos eclipses lunares descritos no Almagesto são referidos como tendo sido observados na Babilónia (Steele, J., Observation and Predictions of Eclipse Times by Early Astronomers, (Archimedes, vol. 4), Kluwer Academic Publishers, 2000, p.93). O mais antigo possui data equivalente a 19 de Março de 720 a.C. (Toomer (trans.), Ptolemy's Almagest, 1984, p.191).

Entretanto, levantou perplexidade (pelo menos desde Tycho) o relato bíblico no 2º Livro de Reis, 20, 10-11, envolvendo Ezequias e um "milagre" com a sombra do relógio de sol de Acaz (Ahaz), que retrocedeu 10 graus, "atrasando o tempo". Todavia, não parece haver qualquer relação com eclipses. Sem demoras, os historiadores iniciam o desenrolar dos episódios clássicos incluindo o de Tales, o da captura de Larissa (Xenofonte, Anabasis, III, 4), o do exército de Xerxes em Sardes (Heródoto, VII, 37), os relatados por Tucídides na sua História da Guerra do Peloponeso (como o fenómeno supostamente "previsto" por Anaxágoras no primeiro ano das hostilidades, em Atenas, 431 a.C.) ou o eclipse lunar associado ao supersticioso Nícias no cerco de Siracusa (augúrio que determinou uma delonga na retirada e um desastroso resultado para este comandante e restante contingente ateniense). Em contraste, Péricles, na biografia dele lavrada nas Vidas Paralelas de Plutarco (XXXV, 1), mostrou presença de espírito para acalmar os seus subordinados embarcados numa frota prestes a zarpar, mostrando que, tal como a sua capa escondia o Sol (aqui tapando os olhos do aterrorizado capitão da sua armada), assim acontecia num eclipse, somente numa escala maior. Ainda podemos referir o eclipse de 310 a.C., quando Agátocles de Siracusa supostamente rompeu o bloqueio naval imposto pelos Cartagineses e, ao abrigo da escuridão, escapou e atacou território inimigo no Norte de África (vide e.g., Diod. Sículo, Bibl. Hist., lib. xx., cap. I), o de Pelópidas em Tebas, o de Arbela, supostamente antecedendo a decisiva batalha (conhecida como de Arbela ou Gaugamela) com a vitória de Alexandre Magno, o fenómeno lunar de Pidna (Pydna) na Macedónia (na vitória dos Romanos), que foi, segundo Tito Lívio, previsto pelo tribuno Sulpício Galo (Sulpicius Gallus), o que marcou a travessia do Rubicão por César (Dião Cássio, lib. XLI) ou o do cruel Herodes, relatado por Flávio Josefo (Ant. Jud., 17.6.4). Entre muitos outros, que se estendem pela Idade Média e envolvem a morte do Imperador Constantino, a chegada de Alarico às imediações de Roma, outro no ano da Hégira (
advento do Islão), mais um no ano em que Saladino conquistou Jerusalém aos Cruzados de Guy de Lusignan (Batalha de Hattin, 1187), o eclipse solar "Português" de 19 de Setembro de 1438 aquando (i.e. quase coincidente com a data) da morte de D. Duarte (v. supra) ou o célebre "Eclipse de Colombo". São centenas de relatos. Alguns relacionam eclipses e terramotos, uma ideia que persistiu demasiado tempo.

Terramotos, André do Avelar, cap.40
Eclipses e terramotos. (André do Avelar, Chronographia ou Reportorio dos Tempos..., 1602, L.III, cap. 40)

Em resumo, é tarefa complexa interpretar muitos dos relatos, particularmente os "literários", os isolados e os tecnicamente lacónicos ou incompletos. Podemos estar perante assimilações de fenómenos não relacionados, "colagens", ficções literárias, etc. Problemas recorrentes residem nos insuficientes detalhes, registos não coevos ou indirectos, transferências, interpolações, paráfrases, anacronismos, etc. Outros relatos, pelo contrário, constituem insubstituível ferramenta cronológica. Muitos continuam a fascinar e a ocupar a erudição de especialistas (astrónomos, arquivistas e historiadores). Por exemplo, um paper recente de Colin Humphreys e Graeme Waddington argumenta que a célebre passagem bíblica em que Josué orou e o Sol parou (Josué, 10:12–13) pode ser explicada pelo eclipse anular de 30 de Outubro de 1207 a.C. (Astronomy & Geophysics, vol. 58, Issue 5, October 2017, pp. 5.39–5.42).

Eclipsis solis - Sphaera mundi 1490
Eclipsis solis, xilogravura (Sphaera mundi, edição de Boneto Locatelli (Bonetus Locatellus) para Octavianus Scotus, Veneza, 1490)


Astrologia

"De longas obseruaçoes vieram os Astrologos aueriguar que os eclipses, & cometas significauam seus efeitos em diversas partes do mundo, conforme ao signo em que se faziam, ou appareciam, & e assi forão attribuindo a cada hum dos doze signos do Zodiaco, suas prouincias, & cidades, segundo acharam succedr os efeitos..." (Avelar, Op. cit., Tractado sexto, 16)

A preocupação com os eclipses estava, no passado, principalmente relacionada com a suposição de que estes, como as conjunções e oposições da Lua, eram determinantes das condições climáticas, atmosféricas, até de alguns eventos históricos, Como curiosidade, acreditava-se que os minerais conhecidos como glossopetra ("lingua de pedra", na realidade restos fósseis, nomeadamente dentes em forma de cúspide) caíam do céu durante os eclipses da Lua ("deficiente luna"): "Glossopetra, linguae similis humanae, in terra non nasci dicitur, sed deficiente luna caelo decidere, selenomantiae necessaria." (Plinius, Nat. Hist., XXXVII, 59). Outra interpretação muito disseminada prolongava os efeitos dos eclipses solares por tantos anos quantas as horas que o fenómeno demorava; a dos lunares por tantos meses quantas as horas: "...and the writers affirmed, that the effects of an Eclipse of the Sun continued as many years as the Eclipse lasted hours; and that of the Moon as many months." (James Ferguson, Astronomy Explained upon Sir Isaac Newton's Principles, 9th ed., 1794, p.273). A significação dos eclipses estava associada às coisas mais vastas, de ordem geral, cidades e nações:
 
“... the next task (is) to deal briefly with the procedure of the predictions, and first with those concerned with general conditions of countries and cities. The method of inquiry will be as follows: The first and most potent cause of such events lies in the conjunctions and oppositions of the sun and moon at eclipse and the movements of stars at that time.” (Tetrabiblos, II, 4; trans. Robbins (1940, p.161)).

Zacuto, num texto de teoria da História na perspectiva Judaica*, já redigido no Norte de África após a expulsão, revela a convicção de que os eclipses e as conjunções planetárias desvelariam astrologicamente a "Salvação de Israel" e a vinda do Messias, que previa para 1503/4 (Chabás and Goldstein, "Astronomy in the Iberian Peninsula: Abraham Zacut and the Transition from Manuscript to Print", Transactions of the American Philosophical Society, New Series, Vol. 90, No. 2, 2000,  p.15).

* Goldstein, B. R. 1998. "Abraham Zacut and the Medieval Hebrew Astronomical Tradition", Journal for the History of Astronomy, 29:177-186; Beit-Arie, M., and M. Idel. 1979 (5739 A.M.). "Treatise on Eschatology and Astrology by R. Abraham Zacut," Kiryat Sefer, 54:174-194 [em Hebraico]



Contributos científicos

Os filósofos da Grécia Antiga utilizaram os eclipses e as ocultações para delinear a primeira concepção de um universo tridimensional. Pelos eclipses lunares, Aristóteles compreendeu a curvatura, logo a esfericidade, da Terra. Como Frank Close refere (Eclipses, Op. cit., 3.1) esta conclusão é brilhante pois demonstra 1) a compreensão de que a luz viaja em linha recta; 2) de que a Lua funciona como um "écran" sólido; 3) de que a  sombra é efectivamente a do nosso planeta.

Ptolomeu descreveu um método utilizado por Hiparco: se no ápice de um eclipse (lunar) a Lua se encontra diametralmente oposta ao Sol, então podemos determinar a longitude solar a partir da sua declinação (medindo a altura solar ao meio-dia); consequentemente, a distância de uma qualquer estrela à Lua em pleno eclipse permite conhecer a sua "longitude" (i.e. a sua distância relativamente ao equinócio vernal). Foi o método utilizado para a descoberta e cálculo do valor da
Precessão (comparando com estimativas de longitudes estelares feitas em gerações anteriores por Timocharis (320–260 a.C.) e Aristillus (~280 a.C.). Em 130 a.C., o mesmo Hiparco utilizou um eclipse solar para estimar a distância da Lua (utilizando trigonometria, a partir de observações simultâneas do mesmo fenómeno a partir de dois locais diferentes cuja distância entre si era previamente conhecida). O astrónomo e matemático já sabia reconhecia a utilidade da observação dos eclipses para determinar a diferença de longitude (distância leste-oeste) entre dois pontos geográficos, utilizando medições comparadas (Estrabão, Geog. I, 1, 12; Loeb). Os astrónomos Árabes serão pioneiros na implementação desta técnica, logisticamente exigente, que será utilizada na Europa até ao século XVIII. O próprio Ptolomeu, segundo a anotação de G. J, Toomer, teria apenas à disposição um único registo de observações simultâneas em lugares suficientemente separados: a do fenómeno de 20 de Setembro de 330 a.C., observado em Arbela e Cartago (Ptolemy's Almagest: Translated and Annotated, Duckworth, 1984, p.75). Debruçou-se, no seu importante tratado, sobre dezanove eclipses lunares (v. relação em Britton J. P., Models and Precision: The Quality of Ptolemy's Observations and Parameters, Garland Publishing, 1992, p.52). O alexandrino explicou que dez destes foram observados na Babilónia, cinco por astrónomos gregos anteriores à sua época (em Alexandria e Rodes), e outros quatro por si em Alexandria (J. M. Steele, Ptolemy, Babylon and the rotation of the Earth, Astronomy & Geophysics, vol. 46, issue 5, Oct. 2005, 5.11–5.15). Através dessas observações estudará (comparativamente) os parâmetros e movimentos lunares, incluindo as principais 'anomalias' do seu movimento.

O movimento da Lua é extremamente complexo, Cedo se reconheceu a não uniformidade do movimento no seu epiciclo. O problema é evidente até numa sequência de observações superficiais: o seu movimento em longitude é irregular, com uma velocidade angular que pode variar entre 10º e 14º por dia (Olaf Pedersen (Alexander Jones, ed.), A Survey of the Almagest: Revised Edition, Springer, 2008, p.160). Pode acontecer em
qualquer ponto da órbita. Esta irregularidade resulta, na realidade, da forma elíptica da órbita da Lua, com a Terra num dos focos. Hiparco estudou esta "anomalia" e Ptolomeu procurou melhorar a solução, A irregularidade obriga à definição de um novo período: o mês anomalístico, quando a Lua retorna à mesma velocidade (a variação em latitude da órbita lunar determina este período específico, no qual a Lua retorna à mesma latitude, i.e. ao mesmo nodo). A teoria lunar no Livro IV do Almagesto respalda-se no estudo de 15 eclipses espalhados por um período de quase 900 anos, o primeiro dos quais foi observado na Babilónia em 721 a.C. (ibid., p.169). Ptolomeu verifica os parâmetros de cada um e compara com as mais "fiáveis" posições do Sol, pois qualquer eclipse envolve sempre ambos os luminares. A Teoria Lunar de Ptolomeu responde às insuficiências da de Hiparco e, nesse processo, desvela e acautela uma segunda "anomalia" (que será muito mais tarde chamada evecção, que hoje sabemos dever-se à atracção solar) sendo a maior irregularidade periódica. Todavia, conduziu, por uma consequência lógica da solução geométrica encontrada (obviamente a combinação de movimentos circulares com diferentes raios e centros, como foi feito até à época de Newton e Kepler), ao desfasamento entre a variação expectável no diâmetro aparente da Lua (devido às diferentes distâncias do seu movimento no seu suposto epiciclo) e a que se verificava (quase diminuta) na realidade observacional. Será objecto de crítica por parte de ulteriores astrónomos. Uma terceira anomalia (variação) passará despercebida a Ptolomeu. (Vide Dreyer, J. L. E., A History of Astronomy from Thales to Kepler, Dover Books, 1953 (1906), p.193 et seq.)

Ptolomeu recorreu quase sempre, por comodidade, a uma contagem dos anos baseada no início do reinado babilónico de Nabu-nasir: a chamada "Era de Nabonassar" (nesta, o 1º dia do 1º mês (Thoth) corresponde a 26 de Fevereiro de 747 a.C.; ou 746 a.C. se utilizarmos, segundo o critério astronómico, um "ano zero"). Como o próprio astrónomo escreve, a partir dessa época há, no geral, registos ininterruptos de observações: "For that is the era beginning from which the ancient observations are, on the whole, preserved down to our own time." (Toomer, p.166). Quando se refere a observações noutros sistemas, elenca-os. Embora as datas originais dos exempla mesopotâmicos fossem registadas no calendário lunissolar de origem, Ptolomeu converte-as para os meses do eficiente calendário Egípcio, tendo o cuidado de utilizar datas "duplas"
para identificar os dias (somente necessário para as observações nocturnas), e.g. "Pachon 17/18", lit. "do décimo sétimo para o décimo oitavo" (Toomer, p.12), pois embora o dia começasse ao pôr do Sol para os povos da Mesopotâmia, no Egipto começava convencionalmente ao nascer do Sol do dia seguinte (tendo o astrónomo escolhido o meio-dia como ponto de partida convencional).

A Descrição Científica e os Fenómenos Observados (com destaque para a Corona)

A descrição propriamente científica dos eclipses totais do Sol e o eventual estudo dos relatos pretéritos parece começar apenas com Johannes Kepler e Giovanni D. Cassini (eclipse de 1706). Os primeiros registos detalhados da era telescópica devem-se a astrónomos como Don Antonio de Ulloa, militar, naturalista e escritor Espanhol (Observación en el mar de un eclipse de sol (1778)), José Joaquín de Ferrer (astrónomo Basco que foi eleito membro da American Philosophical Society) e que, no fenómeno total de 1806 observando em Kinderhook (Nova Iorque), cunhou o termo "corona". e Francis Baily, que observou o fenómeno anular de 15 de Maio de 1836 na Escócia (mencionando pela primeira vez o efeito de luz que ficará conhecido como "Baily's Beads"), bem como o total de 8 de Julho de 1842, observado em Pavia (Memoirs of the Royal Astronomical Society, vol.15, 1846).

Muito antes, Firmicus Maternus (séc. IV) parece ter sido o primeiro autor a referir incontestavelmente as protuberâncias solares, no eclipse de 334 A.D. na Sicília. Kepler (que estudou os testemunhos) referir-se-á a estas como "chamas vermelhas", designação utilizada até uma época recente.
A célebre corona parece estranhamente ausente da esmagadora maioria das antigas descrições. A primeira referência inequívoca e datável surge numa crónica de Constantinopla (Leonis Deaconis Historiae, lib. IV, cap. 11; Niebuhr (1828), p.72; orig. em Grego e vertido em Latim pelo ed.), descrevendo um eclipse ocorrido em Dezembro de 968 A.D.:

"...um certo brilho opaco e fraco, como uma faixa estreita brilhando em torno das partes extremas do limbo do disco." [trad. nossa]

Mas verifica-se uma breve referência literária pretérita na obra De facie quae in orbe lunae apparet ("Sobre a face visível no orbe da Lua") de Plutarco (Cherniss and Helmbold (eds., trans.), Moralia, vol. XII, Loeb, 1957; 932-B):
 
"Even if the moon, however, does sometimes cover the sun entirely, the eclipse does not have duration or extension; but a kind of light is visible about the rim which keeps the shadow from being profound and absolute."


Halley descreverá a notável e diáfana característica (que se tornará a mais apetecida nas ulteriores observações), como “a luminous ring of pale whiteness”. Pierre Guillermier e Serge Kouthmy (Eclipses Totales: Histoire, Decouvertes, Observations, Masson, 1998) referem como o sábio Inglês supunha que que esse "halo" seria resultante de uma suposta "atmosfera lunar". Segundo Arago, o astrónomo Maraldi, em 1724, verificou que não era concêntrico relativamente à Lua e conjecturou que seria somente fenómeno de difracção (Astronomie Populaire, vol. III, p.594).


O século XIX, em particular a segunda metade, com o seu desenvolvimento científico-tecnológico (também o exacerbar dos nacionalismos) assistiu a uma autêntica "corrida" aos eclipses e às descobertas que estes poderiam proporcionar, no estudo da física e química do Sol, recorrendo à fotografia e à fundamental espectroscopia (que está na origem da Astrofísica). É a partir de 1851 que as verdadeiras 'expedições' se começam a realizar assiduamente, percorrendo o mundo em busca de minutos de umbra
: únicas circunstâncias nas quais, não ofuscados pelo intenso brilho solar, seria possível estudar a ténue corona, as protuberâncias e filamentos, em que se procuravam planetas intra-mercuriais (como veremos adiante) ou até eventuais cometas de outro modo invisíveis.

O coronógrafo, instrumento que permite o estudo sistemático das mencionadas características sem a necessidade de um eclipse total, somente foi introduzido por Bernard Lyot, no Observatório de Meudon, em 1931 (pode ser interessante ler os comentários, cépticos, de Arago acerca de uma experiência de La Hire e Delisle, em 1715, que nos parece precursora; ibid., vol. III, pp.603 et seq.).

O eclipse de 1860 constituiu um ponto de viragem, sendo o primeiro no qual a fotografia teve um papel relevante. Há um antecedente em 8 de Julho 1842: daguerreótipo feito por Alessandro Majocchi que demorou 2 minutos a captar e somente registou a fase parcial, sem a corona. Todavia, a mais antiga imagem cientificamente relevante de um eclipse total do Sol foi o daguerreótipo (com exposição de 84 segundos) obtido por Julius Berkowski no Observatório Real de Königsberg (então na Prússia) em 28 de Julho de 1851. A partir do eclipse de
18 de julho de 1860, a fotografia torna-se uma tecnologia absolutamente incontornável. Warren de la Rue e Angelo Secchi utilizaram placas de colódio, que permitiam exposições mais curtas e eficientes. Eram revestidas de uma espécie de verniz que era aplicado líquido a placas fotográficas de vidro, sensibilizado com nitrato de prata; chamado "colódio húmido" porque a placa deveria permanecer húmida durante o procedimento.

Foi no eclipse de 1860, em Miranda de Ebro, Espanha, que foram obtidas as primeiras fotografias da corona, por de la Rue. Em 1870, aquando de mais um eclipse total, os peritos ainda discutiam se esta (
na realidade um envelope luminoso de plasma, a parte exterior da atmosfera solar) seria inteiramente solar (Charles A. Young), se se devia à atmosfera terrestre (Norman Lockyer, o fundador da revista Nature em 1869) ou se era efeito de ambas (Joseph Winlock)..

O termo específico ("corona") havia sido utilizado pela primeira vez, como mencionao, pelo astrónomo José Joaquín de Ferrer. Todavia, a sua natureza continuava a desafiar os cientistas. Em 1891, na Royal Institution em Londres, Arthur Schuster  elencava as alternativas (cit. por Zirker, Op. cit., pp.19-20):
 
It consists of matter either (1) forming a regular atmosphere around the Sun, or (2) matter projected from the Sun, or (3) matter falling into the Sun, or finally (4) matter circulating around the Sun with planetary velocity. We may at once reject the first and fourth, for it may be proved that the Sun could have no regular atmosphere to the extent indicated by the outlines of the corona, and spectroscopic results exclude the hypothesis that the bulk of its matter revolves with planetary velocity, though probably there is some meteoric material which does revolve around the Sun.

Mabel Todd (Op. cit., 1894, pp.73-4), baseada em Huggins (Proceedings of the Royal Society, xxxix. (1885), 120.) refere a diversidade de teorias em presença: "...that the corona is a gaseous atmosphere carried round with the Sun,— that it is gaseous matter ejected from the Sun or received by it, in motion from the forces of ejection, gravity, solar rotation, or perhaps repulsion of some kind, — that, like the ring of Saturn, it consists of swarms of meteoric particles too swiftly revolving to fall into the Sun, — or again, that it is due to the cease- less downfall of meteoric matter, and the debris of disintegrating comets.". Também são aí referidas a teoria mecânica de Schaeberle e a magnética de Bigelow. As hipóteses "lunar" e "atmosférica" só foram definitivamente abandonadas quando placas de um mesmo eclipse obtidas em diferentes localizações comprovaram que a corona(tal como as protuberâncias) não "seguia" a Lua e muito menos seria um efeito da nossa atmosfera. Era um fenómeno solar, como provado verificado por Deslandres nas observações do eclipse de 1893

O Coronium e o Hélio

Em 18 de Agosto de 1868, um eclipse total avançou pela Índia e Malásia. O espectroscópio foi utilizado pela primeira vez nestas circunstâncias. Na vanguarda da espectroscopia estiveram James Tennant, Norman Pogson, Georges Rayet, Jules Janssen e Norman Lockyer, entre outros. Doravante era possível identificar os elementos químicos e até a temperatura e densidade da fonte emissora.

A análise do espectro solar levou à ponderação da existência de um novo elemento químico, com uma emissão peculiar e "desconhecida" (associada à risca de emissão nos 530,3 nm no espectro), a que se chamou "Coronium". Somente nos anos 30 do século passado (a partir das investigações do alemão Walter Grotrian e das novae pelo sueco Bengt Edlen) é que se compreendeu que essa assinatura espectral resultava, em parte, das elevadíssimas temperaturas e consequentes alterações verificadas em elementos conhecidos, nomeadamente o átomo de ferro altamente ionizado (Fe13+) na zona da coroa solar (incidentalmente, também um novo "elemento" inexistente, o nebulium, foi ponderado como resposta a anomalias no espectro das nebulosas).


Pierre Jules Janssen foi o primeiro a usar um espectroscópio "no terreno" durante o mencionado eclipse (que observou na Índia). Percebeu que uma linha amarela do espectro não coincidia exactamente com as posições das linhas (D1 e D2) que denunciam a presença do Sódio. Designou-a D3 e o
gás até então desconhecido foi baptizado como Helium (Hélio). O já mencionado N. Lockyer descobriu-o simultaneamente de modo independente. Esse elemento foi, décadas mais tarde (1895), também encontrado na Terra e isolado em laboratório.

Proeminências

Quanto às proeminências solares, enormes e brilhantes estruturas que se destacam da superfície do Sol, geralmente em forma de laço, pareciam iguais observadas a partir de diferentes locais (i.e. através de diferentes zonas da atmosfera). Verificou-se que o espectro apresentava linha de hidrogénio, logo eram de natureza gasosa. Também se concluiu que eram fenómenos que aconteciam no próprio Sol.

Vulcano

Os eclipses solares também estiveram, no final do séc. XIX, ligados à busca do hipotético planeta "Vulcano" (ou de outros eventuais planetas intra-mercuriais), segundo a teoria de Urbain Le Verrier (o matemático que, estudando as perturbações da órbira de Úrano, determinou os parâmetros da órbita de Neptuno e indicou onde este novo planeta seria encontrado). O Francês verificou (em publicação datada de 1859) que erros nas posições assumidas no periélio e a lenta precessão na órbita de Mercúrio em torno do Sol era inexplicável segundo a mecânica newtoniana. Deveria pois existir um planeta interior responsável por esse efeito. Após a sua "localização" por um tal Edmond Lescarbault (médico de província e astrónomo amador), "validada" por Le Verrier mas sempre interpretada com enorme cepticismo por reputados astrónomos como E. Liais ou C. Flammarion, alguns observadores (e.g., James Craig Watson, Lewis Swift) ulteriormente confirmaram ter observado o esquivo planeta (todavia, observações eram discordantes entre si e, para mais, de múltiplos objectos, não apenas do suposto Vulcano). De facto, não há qualquer planeta intra-mercurial. A explicação científica para as perturbações orbitais de Mercúrio, insuspeitada na época, surgiu apenas quando Albert Einstein publicou a sua Teoria Geral da Relatividade em 1915 e está relacionada com a poderosa interferência do campo gravitacional do Sol.

Terramotos

No início do século XX, ainda se ponderava seriamente uma relação entre eclipses e terramotos, doravante numa correlação estatística que estaria "relativamente estabelecida", vide G. F. Chambers, The Story of Eclipses, D. Appleton and Company, 1912, p.65, onde se refere uma investigação (terramotos registados na Califórnia entre 1850 e 1888) de F. K. Ginzel (Die Californischen Erdbeben 1850-1888 in ihrer Beziehung zu den Finsternissen, 255-309; in: Meyer, M. W. (Redacteur), "Himmel und Erde", (vol.II), H. Paetel, 1890).

A Rotação da Terra e a Duração do Dia

A informação proveniente da observação dos eclipses foi (e ainda é) também extremamente útil no estudo da rotação da Terra (variações de longo prazo). As variações das velocidades orbitais (devido, por exemplo, ao "efeito de maré" dos oceanos) tem como consequência abrandar a rotação da Terra, determinando um aumento da duração do dia. A rotação não é constante (∆T é a diferença entre o "Tempo Terrestre" e o Tempo Universal, UT), existindo todavia outros factores complexos. O efeito da fricção é inferido a partir do desvio em longitude dos percursos dos eclipses e "calibrado" a partir de registos do passado. Existem evidências de factores de aceleração que contrabalançam o referido efeito (ou seja, existem factores que aceleram, em vez de travar, a rotação terrestre, talvez relacionados com o nível os oceanos, com a contracção do planeta ou com a expansão do seu núcleo).

Quanto aos testemunhos do passado, Stephenson afirma: "Ancient and medieval astronomers were in the habit of timing the various phases of eclipses to improve the accuracy of future prediction. Often astrology provided the ultimate impetus, although medieval Arab astronomers sometimes timed lunar eclipses to determine geographic longitude. Historians and annalists (especially in Europe) usually noted eclipses because of their spectacular nature." ("Historical eclipses and Earth's rotation" (Harold Jeffreys Lecture 2002), Astronomy & Geophysics, Volume 44, Issue 2, April 2003, Pages 2.22–2.27; p.2.24). Acrescenta que tendo sido quase todos registados por cronistas, a informação que encerram raramente é quantitativa.

Eclipses - rotação da Terra
Tomando apenas em consideração a desaceleração promovida na rotação da Terra pelo efeito de maré, o eclipse solar total de 136 a.C., cuidadosamente registado, devia ter acontecido com uma deslocação de 22º para Leste da Babilónia. Existem, pois, outros factores que tendem a acelerar, em vez de desacelerar, a rotação da Terra. O mapa representa o caminho (verificado) do eclipse de 136 a.C., linha 1, que passou na Babilónia (2); a linha da esquerda (3), desfasada cerca de 50 graus para Oeste representa o caminho caso a rotação da Terra fosse constante, uniforme (∆T=0); a da direita (4), deslocada 22 graus para Leste, o caminho que seria expectável tomando em conta apenas o aumento da duração do dia devido ao efeito de maré. (Retirado de Vanin, Gabriele, Les Eclipses: Comment les Observer et les Comprendre, Paris, Éditions Grund, 1999; orig. Arnoldo Mondadore Editore, Milan, 1997)

Como se pode ler no artigo Ocean Tides and the Earth's Rotation [Global Geophysical Fluid Center], as marés afectam a rotação do nosso planeta de duas maneiras contrastantes: uma e á fricção de maré [pela acção do torque de maré], determinando uma variação secular extremamente lenta; outra, determinada pelo contínuo movimento das marés, produz variações pequenas mas muito rápidas na rotação. A variação secular da rotação é um tópico clássico da Geofísica.

A especulação acerca do tema recua a 1695 quando Edmond Halley, nas páginas finais de "Some Account of the Ancient State of the City of Palmyra, with Short Remarks upon the Inscriptions Found there" (Phil. Trans., vol.19 (1695–1697), pp. 160–175), colocou a hipótese de a Lua estar a acelerar na sua órbita:
 
"And if any curious Traveller, or Merchant refiding there, would please to observe, with due care, the Phases of the Moons Eclipses at Bagdat, Aleppo and Alexandria, thereby to determine their Longitudes, they could not do the Science of Astronomy a greater Service. For in and near these Places were made all the Observations whereby the Middle Motions of the Sun and Moon are limited. And I could then pronounce in what Proportion the Moons Motion does Accelerate; which; if hat it does, I think I can demonstrate and shall (God willing) one day, make it appear to the Publick."
 
Na realidade, grande parte dessa "aceleração" era aparente. Era a rotação da Terra que desacelerava, fazendo com que a Lua parecesse acelerar. A causa mais importante é, como hoje sabemos, a "travagem" provocada primariamente pela "fricção" nos oceanos, um processo plural com um número diversificado de mecanismos (e.g., fricção induzida por correntes ao longo do leito dos mares, diversos e complexos efeitos da ondulação ou ondas de maré). Há ainda o contributo das alterações atmosféricas e dos movimentos no núcleo fluido do planeta. O diferencial vem sendo confirmado por comparação com a duração do dia medido por relógios atómicos (disponíveis desde 1955).
 
- Ver artigo Aceleração de Maré (Wikipedia)

A monitorização precisa é possível até cerca de 700 a.C. devido à mencionada interpretação dos relatos de eclipses. Equivale a cerca de 2.3 milissegundos por século: "Together with a further small solar contribution (the semi-diurnal atmospheric tide), these produce a steady increase in the LOD ["length of the day", duração do dia] of about 2.3 milliseconds per century (ms/cy)". (Stephenson, "Historical eclipses...", 2003, p.2.22)

Segundo o mesmo autor (ibid.), o desenvolvimento de relógios de pêndulo precisos constituiu um enorme avanço, levando à adopção do chamado "Tempo Médio" baseado no Dia Solar Médio e, em 1884, à escolha do Tempo Médio de Greenwich (GMT), do qual deriva o Tempo Universal (UT) que na prática utilizamos. Historicamente, a maioria dos astrónomos mostrava pouca empatia pela teoria do efeito de maré. Depois das abordagens de F. Ginzel, S. Newcomb e outros, Philip H. Cowell (em 1905) descobriu uma interessante "aceleração" solar e especulou se esta não seria somente aparente. Aoesar das conclusões não terem sido bem acolhidas na época, revelaram-se um passo importante para compreender e dirigir a atenção para o que efectivamente se verificava com a rotação do nosso planeta. O rácio da dissipação provocado pelas marés somente começou a ser quantificável a partir de 1920. Mais tarde, em 1939, na sequência de investigações pretéritas, Sir Harold Spencer Jones demonstrou que o Dia Solar Médio não era uma unidade de tempo "ideal", atendendo às flutuações em presença.


A Deflexão da Luz segundo Einstein

Numa outra contribuição decisiva, o eclipse de 1919 assinalou a primeira de diversas confirmações de uma das consequências previstas nas teorias de Albert Einstein; a deflexão da luz das estrelas (determinando pequenas alterações nas suas posições aparentes) provocada pela interposição do campo gravitacional do Sol. Como David H. Levy explica, a teoria de Einstein descreve a gravidade geometricamente: Any object moving in space follows a geometric path shaped by the unified effect of mass and energy. (David Levy's Guide to Eclipses, Transits, and Ocultations, Cambridge University Press, 2010, p.19). A dupla expedição, liderada por Arthur S. Eddington, fotografou o eclipse total na roça "Sundy" na ilha do Príncipe (arquipélago de São Tomé e Príncipe, na época uma colónia portuguesa), e em Sobral (no Brasil). Os resultados contribuiram para a aceitação e visibilidade da Teoria da Relatividade Geral. (Todavia, alguns especialistas actuais colocam em causa que os resultados devolvessem a enorme precisão exigida para as conclusões que foram extraídas, um exemplo típico de "predictor effect", v. Physics Today 62 (Issue 3), 37–42 (2009)). Novas experiências foram repetidas em eclipses ulteriores até aos anos setenta, confirmando as expectativas teóricas. Entretanto surgiram novos métodos, recorrendo a radiotelescópios e aos quasares (um quasar é um núcleo galáctico activo alimentado por um buraco negro de enorme massa rodeado por um disco de acreção gasoso), sendo possível medir a deflexão da luz a qualquer momento com maior eficácia.

No efeito previsto, a alteração na geometria do espaço circundante provocada pelo Sol deflecte a luz e as estrelas fotografadas durante o eclipse deverão aparecer ligeiramente mais afastadas entre si do que nas fotografias "normais" captadas no céu noturno. Ou seja, um raio de luz rasante ao limbo solar altera a sua direcção em 1.75" (i.e. o dobro do antecipado pela teoria newtoniana). Isto foi verificado por Arthur Eddington no célebre eclipse solar total de 1919, resultado das expedições Inglesas a terras lusófonas: à ilha do Príncipe e a Sobral, no Brasil.

Cometas

Refira-se, ainda, uma almejada possibilidade acarinhada na “golden age” de finais do séc. XIX e início do sequente: a possibilidade da descoberta de cometas durante a totalidade. Owen Gingerich documentou duas: em 1882 e em 1893 (“Eclipses”, in Collier's Encyclopedia, P. F. Collier & Macmillan Educational Company, 1990, vol. 8, p.513). Outras fontes, mais antigas e decerto menos rigorosas, referem mais "descobertas".


O Diâmetro do Sol

Outra potencial utilização científica dos eclipses seria a avaliação de variações no diâmetro do Sol. Em 1979, John Eddy e Aram Boornazian formularam a hipótese de o diâmetro estar a diminuir (supostamente 2 segundos de arco por século). As evidências, todavia, não confirmaram essa teoria. Outros investigadores continuam pesquisas afins ou relacionadas mas, neste momento, o máximo que podemos afirmar é que os resultados são inconclusivos.


Hoje, a Física Solar intersecta muitas disciplinas: dinâmica de fluidos, plasmas, partículas, espectroscopia, fotometria, processamento de sinais, física nuclear, computacional, magneto-hidrodinâmica, meteorologia,  sismologia, etc. O Sol é a única estrela ao alcance para uma abordagem tão completa. E assim chegámos ao estudo do Sol suportado por sofisticados observatórios e sondas em órbita (SOHO, HINODE, PSP, etc.).

Magnetismo Solar - Existe um ciclo (quase) periódico de 11 anos das manchas solares (ciclo solar, também conhecido como ciclo de atividade magnética solar, ou ciclo de Schwabe, em honra do astrónomo alemão que, após longas e persistentes observações, o anunciou em 1843). É obviamente muito importante para o nosso planeta (dos fenómenos naturais como as auroras até à interferência potencialmente disruptiva nas nossas tecnologias). Próximo do máximo desse ciclo, a corona solar é simétrica (tende a ser circular); próximo do mímimo apresenta-se ovalada e podemos esperar menos proeminências. A máxima actividade do ciclo corrente (nº 25) está prevista para Julho de 2025 (NOAA - National Oceanic and Atmospheric Administration).



ECLIPSES LUNARES

The mortal moon hath her eclipse endured...
(Shakespeare, Sonnet 107.5)


A inclinação da órbita da Lua e a proporção dos diâmetros (da Terra e da Lua) são determinantes. Como Hugh Thurston explica (Early Astronomy, Springer, 1994, p.18), "If the moon moved precisely along the ecliptic it would be eclipsed every month. It does not, however (...): it moves from about 5° north of the ecliptic to about 5° south, and the time for a complete cycle, say from furthest north to furthest south and back again, is about 27.2 days. This period is called a latitudinal period. The time for the moon to go from the ecliptic back to the ecliptic is, of course, half a latitudinal period. The apparent diameter of the moon is about 1/2°. The earth’s diameter is just under four times the size of the moon’s. Because the sun is so far away its rays are practically parallel, which means that the earth’s shadow is about the same size as the earth, and so, if there were a screen in the sky at the point occupied by the moon, the earth’s shadow on it would be a circle of apparent diameter 2°. This means that if the moon is 3/4° or less from the ecliptic at the time of opposition it will be totally eclipsed; if between 3/4° and 5/4º it will be partially eclipsed; if more than 5/4° it will not be eclipsed," Todos os períodos utilizados para prever eclipses lunares (e.g., 6 meses, 47 meses, 88 meses, 235 meses, 223 meses...) estão, de algum modo, relacionados com este "meio-período latitudinal".

LUNA Ms. VOSS F48 f.80v
Esquema de um eclipse lunar num manuscrito da época Carolíngia (
Leiden Universiteitsbibliotheek, S.C., ms. Voss. lat. F.48, f.80v)


Geralmente observáveis a olho nu,
ocorrem quando a Lua é parcial ou totalmente ocultada  pela sombra da Terra. Estes fenómenos são facilmente observáveis, visíveis a partir de qualquer ponto do planeta que esteja no hemisfério nocturno. Só pode acontecer um eclipse quando a fase de Lua Cheia coincide com a passagem da Lua pelo seu nodo orbital (intersecção da sua órbita com o plano de referência da translação do nosso planeta). Um eclipse lunar total pode ser observado de a partir de um qualquer local geográfico, em média, a cada 2 anos e meio.

Como o Sol está muito distante e é muito maior do que a Lua, o cone de sombra projectado pela Terra sobre a Lua num eclipse lunar pode, na prática, ser considerado um "cilindro". Se o eclipse for total e central, a base deste cilindro revela o diâmetro do nosso planeta. Seguindo estas premissas, Aristarco de Samos (c.310 - c.230 a.C.), decerto utilizando clepsidras, mediu o tempo durante o qual a Lua se mantinha na sombra durante um eclipse e determinou a razão entre os diâmetros dos dois astros: o da Lua seria 1/3 (c. 0.33) do da Terra (valor actualmente adoptado é de 0.27).


Eclipse Lunar (De Sphaera)
Descrição esquemática do fenómeno numa edição do ubíquo
De sphaera mundi

Regiomontanus - o "eclipse de Colombo"
Detalhe da página do Kalender de Regiomontanus (publicado em 1474) mostrando, à direita, a previsáo do eclipse lunar de 29 Fevereiro de 1504, o célebre "Eclipse de Colombo", que consegue atemorizar os nativos Arauaques da ilha a que mais tarde se chamará Jamaica, conseguindo os víveres de que a sua tripulação necessitava, capitalizando o prévio conhecimento de um eclipse lunar (prognosticado nos almanaques), e encenando intervenção divina.


- Eclipses totais e parciais 2023-2040 (data/hora para coordenadas de Aveiro, PT. Horas UT; export. COELIX APEX)

Eclipses Lunares - listagem

"Médio eclipse": ápice ou momento central

Tipo: Total ou Parcial, dependendo se a Lua entra totallmente ou apenas parcialmente na sombra (umbra) projectada pela Terra. Tabela limita-se aos fenómenos observáveis na localização geográfica indicada e NÃO inclui eclipses somente penumbrais (raramente detectados visualmente).

Magnitude: magnitude linear, i.e. fracção do diâmetro lunar abrangido pela sombra no momento médio do eclipse.

Visibilidade (nº de asteriscos indica o grau de visibilidade do eclipse no local de observação:
***  todas as fases são observáveis, incluindo as penumbrais;
**   pode observar-se pelo menos 50% da duração bem como o eclipse médio;
*    observa-se menos de 50% da duração do eclipse. O eclipse médio não é observável (Lua abaixo do horizonte).
(Nenhum asterisco significa que fenómeno NÃO é observável a partir desta localização)

Contactos: na tabela previamente disponibilizada, contactos #3 e #4 limitam o intervalo de totalidade, obviamente não acontecendo nos eclipses parciais.

Contactos eclipse lunar
Esquema dos contactos possíveis num eclipse lunar.
No centro vemos o lugar do "máximo eclipse". Designações U e P referem-se a "umbra" e "penumbra", respectivamente. Seguindo identificação adoptada: eclipses totais possuem todos os contactos, parciais não possuem os contactos U2 e U3 (que equivalem aos #3 e #4 da tabela anterior), penumbrais terão somente os contactos P1 e P4. (Fred Espenak, mreclipse.com)

Eclipse lunar - timings
Timings (valores médios) de um eclipse lunar central. O norte está no topo e o leste à esquerda (Wyatt, Stanley P., Principles of Astronomy, Boston, Allyn and Bacon, 1964, fig. 6.26:1)



ECLIPSES SOLARES

eclipse diagrama al-Qazwini
Ilustração dos fundamentos do eclipse solar numa cópia das Maravilhas da Criação de Zakariyyāʾ ibn Muhammad al­-Qazwīnī (MS Cambridge, Cambridge University Library, Nn. 3.74, fol. 15b)


What glory's like to thee?
Soule of this world, this universe's eye,
No wonder some made thee a deity.
(Anne Bradstreet, Contemplations)


É uma das grandes coincidências da natureza que a Lua seja cerca de 400 vezes mais pequena do que o Sol e esteja cerca de 400 vezes mais próxima, logo os diâmetros aparentes equivalem-se. A Lua Nova interpõe-se entre a Terra e o Sol, posicionamento adequado para projectar a sua sombra na Terra. Porém, como orbita o nosso planeta com uma inclinação de cerca de 5º, os três corpos só esporadicamente se alinham no mesmo plano proporcionando um eclipse.

Como François Arago referiu, Tycho Brahe teria estimado (obviamente sem ajuda óptica, indisponível na sua época) os diâmetros aparentes dos luminares e considerado que o da Lua nunca poderia ser tão grande como o do Sol, intempestivamente levantando dúvidas sobre a possibilidade dos eclipses totais e sobre os relatos publicados. (Astronomie Populaire, vol. III. 1854, pp.553-54). Ulteriores eclipses demonstraram como estava enganado.

Da pertinência da observação científica dos eclipses solares, que teve o seu auge entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, Mabel L. Todd salientava a importância para o estudo do clima e da física do nosso planeta e antecipava futuras aplicações tecnológicas: "The wide utility of all this research, in its bearing upon meteorology and terrestrial physics, not to say ultimately on the possible direct employ of solar heat for industrial purposes, is now so fully recognized that the astronomer devotes himself assiduously to the task of acquiring every possible fact about the Sun. and is rarely interrupted by the sordid inquiry, 'What's the use?'"  (Total Eclipses of the Sun, Boston, Roberts Brothers, 1894, p.4)

Tipos de eclipse solar
Um eclipse é, tecnicamente, uma ocultação. No Eclipse Total, a sombra (umbra) da Lua toca a superfície do globo terrestre. No Eclipse Anular, o cone de sombra é demasiado curto e não alcança o globo terrestre (a primeira descrição clara da anularidade está documentada no eclipse de 28 de Julho de 873 A.D. em Nishapur, Irão, pelo relato de al-Biruni). Curiosamente, Ptolomeu deixou implícito que os eclipses anulares não seriam possíveis pois o diâmetro aparente da Lua quando esta está mais afastada (i.e. quando se vê mais pequena) seria, afirmava, equivalente ao diâmetro solar (Almagesto, V, 14*). Num Eclipse Parcial, somente a penumbra alcança a superfície terrestre (Chartrand, M. R., A Field Guide to the Heavens, Golden Press, Western Publishing Company, Inc., 1982).

O eclipse total mais longo, em circunstâncias ideais, ultrapassa os 7 minutos; o anular pode ultrapassar 12 minutos. Duração mais longa de um eclipse total (teórica): 7 minutos e 31 (ou 32) segundos (muda lentamente ao longo dos séculos e milénios com as variações na excentricidade da órbita da Lua), em condições ideais: Lua no perigeu, Sol no afélio, localização na Zona Tórrida (onde a rotação da Terra é mais veloz, "abrandando" a velocidade da sombra da Lua que se desloca na mesma direcção) e com a Lua no zénite.


* "However, once it was determined that the moon is at its greatest distance when it subtends the same angle at the eye as the sun, we computed the size of the angle it subtends from observations of lunar eclipses in which the moon was near that [greatest] distance, and thence obtained immediately the size of theangle subtended by the sun." (Toomer, G.J. [trad.], Springer-Verlag, 1984, p.253)


Sabemos desde Kepler que as órbitas são elípticas, logo a órbita da Lua não é circular. Nem a da Terra em torno do Sol. Assim, os diâmetros aparentes dos luminares são variáveis,
determinando o tipo de eclipse que se observa. Ver tabela com medidas angulares (Moore, P & Maunder, M, The Sun in Eclipse, Springer-Verlag, 1998, p.52):


Máximo Médio Mínimo
Sol 32' 35" 32' 01" 31' 31"
Lua 33' 31" 31' 05" 29' 22"

Quando o satélite está mais próximo de nós (no seu perigeu), dá-se um eclipse total (é, no fundo, uma variante de ocultação lunar). Se estiver no ponto mais distante (apogeu), o seu diâmetro aparente é menor e o eclipse será anular, deixando ver um anel da Fotosfera do Sol (annulus simétrico, centrado, só é observável na linha central do caminho do eclipse). Se os três astros não estiverem exactamente alinhados, o eclipse será parcial.

Os eclipses totais são absolutamente espectaculares e
mais raros do que os parciais ou anulares. Antes de mais, permitem observar a ténue corona (região exterior da atmosfera do Sol), de outro modo invisível sem recurso a instrumentação profissional, devido ao intenso brilho que emana da superfície da estrela. Um eclipse total do Sol pode ser visto apenas num "ponto", ou melhor, numa confinada região de sombra projectada na superfície da Terra, que se move devido à rotação do nosso planeta e à translação da Lua, criando o chamado caminho de totalidade (que somente cobre cerca de 0.5 % da superfície da Terra). Fora dessa estreita região, pode ser visto como fenómeno parcial na mais vasta região geográfica abrangida pela penumbra do satélite.

"Some people see a partial eclipse and wonder why others are so awestruck by a total eclipse. But the difference is like night and day. Since the photosphere is 1 million times brighter than the corona, even a 99% partial eclipse still leaves 1% of 1 million times, or 10,000 times, more light from the photosphere than there is from the corona. And so the sky is too bright to allow the corona to be seen during a partial eclipse. It is truly worth travelling to the zone of totality each time there is an eclipse. Seeing a partial eclipse and saying that you have seen an eclipse is like standing outside an opera house and saying that you have seen the opera; in both cases, you have missed the main event." (Jay M. Pasachoff, A Field Guide to Stars and Planets, (The Peterson Field Guide Series), Houghton Mifflin Co., 1997, pp.429-300)

A velocidade da Lua na sua rotação em torno da Terra é maior do que a da rotação do nosso planeta e a velocidade da sombra da Lua num eclipse tem o mesmo sentido do movimento (real) da Lua, ou seja, para Leste. A sombra da Lua desloca-se à velocidade da órbita do satélite (3683 km/h) mas a rotação da Terra (c. 1675 km/h no Equador) compensa. Por isso, a velocidade real da sombra através da superfície do nosso planeta é menor, variando consoante o eclipse/localização mas sempre ultrapassando os 1800 km/h.

Fases eclipse total do Sol
Os quatro contactos de um eclipse total do Sol (Encyclopaedia Britannica, Inc., 2012; editada)


Apesar de se repetirem aproximadamente a cada 18 meses, os eclipses totais demoram 375 anos (em média) a reincidir num local geográfico específico. No caso dos eclipses anulares, a média é de 224 anos (Jean Meeus, The Frequency of Total And Annular Solar Eclipses for a Given Place, Journal of the British Astronomical Association, vol.92, no.3, pp.124-126; aceder .PDF, 147KB). A próxima Totalidade no nosso país (com excepção da breve e periférica nos confins de Rio de Onor, Bragança, em Agosto de 2026) ocorrerá somente a 22 de Julho de 2205 no sudoeste do país (Algarve e parte do Alentejo). Em Lisboa apenas no séc. XXIV (2327).

Populares observando eclipse - Praça da República Ovar, 1912
Os últimos eclipses notáveis observados em Portugal (Continental) aconteceram a 28 de Maio de 1900 (total, ver mapa da parte para nós mais relevante do percurso) e 17 de Abril de 1912 (híbrido, i.e. total ou anular, dependendo da parte específica do seu percurso). A região de Aveiro (particularmente a então Vila de Ovar, na linha central de ambos os fenómenos) foi privilegiada, tendo acolhido diversas expedições estrangeiras. O próprio Astronomer Royal Inglês (William H. M. Christie) observou aí o eclipse de 1900 (v. fotografia da corona então captada, Preliminary Account of the Observations Made at Ovar, Portugal. Christie, W.; Dyson, F., Proc. R. Soc. London (1854-1905). 67:392–402), bem como Ernst Jost, de Heidelberg (que estudava o planeta Mercúrio) ou o conhecido divulgador George F. Chambers, autor de The Story of Eclipses. Acima, populares observando o eclipse de 1912 no centro de Ovar. Aparentemente, a maioria nem sequer recorreu a vidros fumados. (Recorte de reportagem da Ilustração Portugueza, Nº323, Lisboa, 29 de Abril de 1912). Ler um interessante relato acerca deste eclipse no jornal aveirense Campeão das Províncias, edição de Sábado, 20 de Abril de 1912, pp.1-2 (PDF, 78KB).

detalhe mapa eclipse 1912 - revista O Occidente
Parte relevante de mapa representando a linha central do eclipse de 1912 (revista O Occidente
, nº 1198, de 10 de Abril de 1912)


O importante eclipse de 1900

Samuel J. Johnson, no suplemento do seu Eclipses, Past and Future..., (Second Edition with Supplement, Parker and Co., 1889), elencando eclipses futuros, referia (p.163) este fenómeno: "Total across Portugal and Spain from Ovar to Alicante". George F. Chambers detalhou todas as informações necessárias (acessos, itinerários, alojamento, etc.) no apêndice (Information Respecting the Total Eclipse of May 28, 1900, for travellers visiting Portugal and Spain) do seu The Story of Eclipses (London, George Newnes, Ltd., 1899). Escreveu: “The line of central eclipse passes across the Peninsula diagonally from N.W. to S.E. It enters Portugal on the coast not far from Oporto in latitude 40° 50′ N., longitude 8° 38′ W. of Greenwich. It quits Spain on the coast at Cape Santa Pola, not far from Alicante, in latitude 38° 13′ N., longitude 0° 30′ W. At Ovar in Portugal (pop. 11,000), 23m. S. of Oporto the duration of the total phase will be 1m. 331⁄2s., and the Sun’s altitude at totality will be 42°.”. Manifestando uma opinião pouco “lisonjeira”, recomendou os seguintes guias para estes "...somewhat benighted and untravelled countries of Portugal and Spain.":

Handbook for Spain, 2 vols. 20s. (J. Murray.)
Handbook to Spain and Portugal, Dr. Charnock. 7s. 6d. (W. J. Adams.)
Guide to Spain and Portugal, O’Shea and Lomas. 15s. (A. & C. Black.)
Handbook for Portugal. 12s. (J. Murray.)

O dicionário escolhido, para quem ousasse vir a Portugal, era o de [Levindo] Castro de La Fayette: “Novo “Diccionario Inglez-Portugueze (sic), 2 vols. 6s”. Não sabemos se o próprio Chambers fez bom uso deste recurso.

Este eclipse foi notável e não apenas enquanto fenómeno astronómico. Foi institucionalmente utilizado como pretexto para a projecção de uma imagem de dinamismo e desenvolvimento (o Diário do Governo publicou, em 3 de Abril desse ano, directivas respaldadas "...no interesse da sciencia e do paiz"), bem como para a promoção da cultura científica e afirmação da relevância das instituições cometidas à investigação. Constitui, por isso, um momento importante, entre nós, para o estudo da relação entre essas instituições e a sociedade como um todo. Foi, no caso do observatório da Tapada (o Real Observatório Astronómico de Lisboa), motivação para uma aproximação a instituições internacionais de vanguarda, abrindo novas perspectivas.

Para uma abordagem contextualizada com enfoque na utilização do fenómeno de 1900 na promoção internacional de uma imagem de modernidade, na divulgação científica enquanto complexo processo cultural, político e social e no papel fundamental de Frederico Thomaz Oom (1864-1930), astrónomo e futuro director do mencionado observatório, na organização e agilização dos preparativos e logística (desburocratização, facilitação das viagens por ferrovia, utilização do telégrafo para a indispensável comunicação de sinais da hora exacta, etc.) e interacção com instituições, cientistas e com o público em geral (e.g., comunicação com a imprensa, publicação de um livro de "astronomia popular" - como então se dizia - destinado a uma audiência ampla, não especializada mas interessada em assuntos científicos: O Eclipse de Sol de 1900 Maio 2o8 em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, Abril de 1900), vide Luís Miguel Carolino & Ana Simões (2012) The Eclipse, the Astronomer and his Audience: Frederico Oom and the Total Solar Eclipse of 28 May 1900 in Portugal, Annals of Science, 69:2, pp.215-238.

O texto do oportuno livro de Oom começa com as Noções Geraes, onde lemos:
"Depois de terem sido causa de immenso terror, mesmo na Europa e ainda no seculo XVIII, a ponto de se julgar necessario nas estações oficiaes recorrer aos parochos, afim de, nas aldeias, á missa conventual, annunciarem aos seus freguezes a proximidade de um d'esses temidos phenomenos, explicando-lhes a sua innocuidade, os eclipses de Sol, pela diffusão progressiva do ensino publico, vieram a tornar-se bastante conhecidos entre os povos civilisados, e de pavorosos converteram-se em attrahentes e sublimes, sendo hoje por assim dizer de todos sabida a sua explicação simplicissima nas suas linhas geraes..."

Livro Frederico Oom    Mapa eclipse 1900 - Oom
Frontispício do livro de Frederico Oom e páginas com mapa aí incluído descrevendo o caminho da totalidade, ângulos e timings previstos para o início do eclipse.

Oom - estampa V    Oom - Estampa VI (detalhe)
Do mesmo livro: previsão de algumas fases do eclipse em cidades fora do caminho da totalidade (Estampa V; clicar para ampliar) e, à direita, detalhe da Estampa VI com a previsão dos "logares de contacto" (i.e. da Lua com o limbo solar) em Aveiro e na Guarda.


A imprensa da época fez eco do fervilhar de actividade, nomeadamente o influente Diário de Notícias, um jornal de âmbito nacional, marco incontornável na nossa imprensa, assumindo uma linha editorial ampla e independente relativamente à tradição polemista dos jornais fortemente partidarizados, sectorizados ou ferozmente regionalistas. Transcreveu excertos do mencionado livro de Frederico Oom e fez uma cobertura muito completa de toda a envolvente (divulgação pedagógica de matérias científicas no contexto, informação meteorológica actualizada, elenco dos intervenientes, eventos sociais paralelos, etc.). Mas o interesse estendeu-se à generalidade dos jornais e periódicos
(estima-se que cerca de duzentos exemplares do livro tenham sido enviados à imprensa), que não ficou alheada do notável acontecimento. Nestas páginas d'O Occidente: Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro (nº 769, 10 de Maio de 1900; .PDF, 590KB), um pertinente texto de António A. O. Machado explica do que se trata, informa dos limites da zona de sombra (totalidade) e elenca os fenómenos observáveis na natureza. Também podemos ler um comentário de certo modo existencial acerca da experiência "única" que então se avizinhava, confrontando com a escassez de futuros eclipses (totais) previstos e observáveis do nosso país:

"Se este seculo, para nós, é pouco fertil em eclipses [totais] do sol, menos o serão, os seculos XXI e XXII em que não haverá nenhum que seja vizivel no nosso reino, nem tão pouco nas suas proximidades [o que não está correcto se considerarmos o todo peninsular, v. infra]. Poderemos, por conseguinte, dar-nos por felizes, por não abandonarmos este mundo sem ter assistido ao espectaculo que a natureza nos apresenta mais notavel."

Entretanto, Francisco da Costa Lobo* e a equipa do Observatório de Coimbra deslocaram-se a Viseu. O mesmo fizeram equipas da Escola Politécnica da capital, da Escola Naval e uma numerosa excursão da Sociedade de Geografia de Lisboa. Também escolas de nivel "liceal" como o prestigiado Collegio de S. Fiel (previamente frequentado, por exemplo, pelo mais tarde nobelizado Prof. Dr. Egas Moniz), instituição da Companhia de Jesus sediada em  Louriçal do Campo, nas imediações da Serra da Gardunha.

* Costa Lobo foi pioneiro da espectroscopia e será, a partir de 1910, um dos grandes responsáveis pela internacionalização científica e institucional da Astronomia Portuguesa, por muito tempo confinada apenas à astrometria e efemérides. Ao corrente das novas tecnologias disponíveis, publicando e palestrando internacionalmente, terá um papel fundamental na abertura à Astrofísica (nomeadamente no estudo da Física Solar), na indispensável inovação instrumental e no intercâmbio com importantes observatórios, como o de Meudon (v. Vitor Bonifácio, “Costa Lobo (1864-1945), the Coimbra Spectroheliograph and the Internationalisation of Portuguese Astronomy”, Cahiers François Viète [Online], III-3 | 20; aceder), No eclipse de 1912 organizou uma expedição com os seus alunos a Ovar. Apesar do modesto equipamento disponível nessa época, conseguiu filmar o eclipse.


Convém referir que tanto o dia do eclipse como o seguinte foram declarados "feriado", comprovando a suma importância institucional que envolveu o acontecimento.

Num delicioso registo, um jornal vareiro reproduz os comentários mordazes de um seu correspondente (em Oliveira de Azeméis) acerca da reacção popular ao fenómeno: "Lá vae o 'talipse', o horror das creadas de cosinha, o assumpto inexgotavel do jornalismo politico, o deus dos estudantes e a mina dos vidraceiros!". E adiante: "(...) A velha, de lagrimas nos olhos e resando a meia voz a 'magnificat', deu-me a diferença de 13 gráos que descera o thermometro, e o 'valet de chambre' notou-me que o quadrupede dos seus cuidados, tivera impaciencias, escarvara o solo, e abrira a bocca, somnolento. (...) Quasi aos pés da cadeira em que me deixava enlevar na inspiradora poesia d'aquelle phenomeno methereologico, veio caír um morcego, que batera rudemente n'um angulo da casa. O sol começou de emergir, suavemente, docemente, aos 'halalis'  da multidão que demorava, de face erguida para os astro, no largo de Santo Antonio. E a céga veio dizer-me que as pobres gallinhas, abrindo o bico, como na falta de hydrogenio. procuravam, cuidadosas, os poleiros em que fazem ó ó de noite; uma gallinha, mãe adoptiva de quantos ovos aqueceu ao seu calor maternal, abriu, cacarejando, as azas, sob cuja plumagem se aninharam os franguitos dos seus desvelos. A cosinheira fez-me notar que ao ultimo contacto, os 'pedreiros' voejavam alegres pelo espaço, como se fosse ás primeiras sombras do crepusculo; desappareceram depois, para dar logar ás aves da noite - como o morcego [sic], n'um cabecear de ebrio pelas esquinas das casas. Portaram-se todos à maravilha! Davam todos uns astrónomos decididos, se o venal das 'Novidades' se lembra de os empregar como pregoeiros no observatório da Tapada. Muitas mulheres gritaram, de mãos postas no ceu, Padre Nossos e Avé-Marias a dar-lhe com um pau. Outros, de discursos enormes sobre metheorologia, engatilhados nos labios risonhos, de vestes domingueiras percorriam as ruas, como em dias de festa. E realmente o 'talipse' foi uma festa para toda gente." (A Discussão, nº 254, Ovar, 3 de Junho de 1900). Num outro artigo, menos espirituoso, da mesma edição, afirma-se: "Este phenomeno, ha tanto tempo prophetizado, trouxe a Ovar uma concorrência desuzada e selecta", distinguindo evidentemente "Suas Altezas o Principe Real D. Luiz Filippe, e D. Manoel que, acompanhados de seus aios o major Mousinho de Albuquerque e D. Izabel de Menezes, chegaram á estação d'esta villa cêrca da 1 e meia horas da tarde...". Neste ficheiro (.PDF, 3MB), a 1ª página d'O Ovarense, também do dia 3 de Junho de 1900.

Equipa de Greenwich em Ovar - Maio 1900
A comitiva do Observatório Real de Greenwich nos preparativos para o eclipse de 28 de Maio de 1900, em Ovar (crédito: Centro Português de Fotografia); reproduzida no paper cit. de Carolino e Simões.


- Para uma resenha dos eclipses no nosso país entre 1900 e 1919 (data do chamado "Eclipse de Einstein", observado por Arthur Eddington no arquipélago de S, Tomé e Príncipe), ler o interessante artigo de Luís Tirapicos: Eclipses totais do Sol em Portugal: de 1900 a 1919 (Gazeta de Fisica, vol.42, nº2 (número especial dedicado à exposição "E3 - Einstein Eddington e o Eclipse", Maio 2019); .PDF, 163KB. Também muito interessante, de Henrique Leitão e Francisco Malta Romeiras: Jesuítas e Ciência em Portugal. III - As expedições científicas e as observações dos eclipses solares de 1900 e 1905 (Brotéria, 2012, pp.227-237).


Outros eclipses...
Tintin - eclipse
Um eclipse total do Sol salvará Tintin e os seus companheiros (Hergé, Le Temple du Soleil, Casterman, 1955; 14º album da série Les Adventures de Tintin, esta BD foi pré-publicada no recém-criado periódico Le Journal Tintin, entre 1946 e 1948 e em álbum, pela primeira vez, em 1949). A ideia já se encontra, grosso modo, numa aventura humorística publicada em 1889 por Mark Twain (A Connecticut Yankee in King Arthur's Court).


Concorde - Racing the Moon
  A fase de Totalidade do eclipse de 30 de Junho de 1973 teve uma duração acima dos 7 minutos
. Mas igualmente espectacular foi a experiência única (que hoje consideraríamos "energeticamente pouco sustentável") envolvendo o sofisticado Concorde. Tendo voado pela primeira vez em 1969, o velocíssimo avião de transporte supersónico não tinha ainda entrado em serviço comercial. Todavia, materializando uma ideia do astrofísico Pierre Léna, do Observatório de Paris, o protótipo foi adaptado e permitiu efectuar diversas experiências científicas levadas a cabo por equipas de vários países. Assim, o Concorde 001, comandado pelo piloto de testes André Turcat, levantou de Las Palmas (Canárias) às 10:08 UT e aterrou no Chade (em Fort Lamy, actual N’Djamena), entretanto fazendo "contacto" e seguindo com enorme precisão o caminho da sombra do eclipse durante 74 minutos (!), um recorde absoluto até hoje, somente possível a uma velocidade um pouco acima de Mach 2, sincronizado com a sombra da Lua que percorria o Sahara a mais de 2200 Km/h. Vide Léna, P., Concorde 001 et l’ombre de la Lune, Editions Le Pommier - Paris, 2014. (Ilustr.: "Racing the Moon", Don Connolly, concept by L. Robert Morris)

Próximos eclipses solares
Mapa eclipses vindouros
Eclipses solares 'centrais' (quando a linha central da sombra da Lua intersecta a superfície do nosso planeta), intervalo 2008-2030 (detalhe editado de mapa retirado de: Littmann, M., Espenak, F. & Willcox, K., Totality: Eclipses of the Sun (3rd Ed.), Oxford University Press, 2008). Eclipses Totais: linha carregada, Anulares: linha menos intensa.

Como interpretar um mapa
Eclipse
Mapa de um eclipse do Sol (exemplo simplificado) e delimitações geográficas das circunstâncias da observação. A faixa de umbra (sombra), a mais espessa no desenho, percorre as regiões geográficas onde a totalidade é observável, desde a região geográfica do avistamento do eclipse máximo ao nascer do Sol até à região da sua visibilidade máxima ao ocaso. Assinaladas ainda as linhas que demarcam o início e o final do eclipse nesses extremos do percurso do Sol acima do horizonte. Muitas vezes é assinalado o ponto geográfico de maior magnitude do eclipse, bem como as percentagens (graduais) observáveis na vasta área do globo abrangido pela penumbra (situadas entre os limites Norte e Sul no mapa). Mapa-exemplo (em Inglês) com maior detalhe (fonte: Littmann, M., Espenak, F. & Willcox, K., Totality: Eclipses of the Sun (3rd Ed.), Oxford University Press, 2008).


Óculos de eclipse
A segurança é absolutamente fundamental: os óculos adequados à observação solar directa filtram adequadamente as radiações ultravioleta, visível e infravermelha. Deverão respeitar a especificação ISO 12312-2 de 2015. Antes de cada utilização, verificar que não apresentam danos (furos, riscos ou arranhões). Testá-los de perto contra uma lâmpada eléctrica bem intensa (e.g., 100W): somente devemos ver, de modo ténue e confortável, os seus filamentos (óculos de eclipse garantem transmitância inferior a 0.001% na banda visível). NUNCA utilizar os óculos de eclipse combinados com binóculos ou telescópios, é PERIGOSO! Estes instrumentos amplificam imenso e exigem filtros especiais SEMPRE colocados à entrada do sistema óptico, i.e. na objectiva. (foto do autor)


Etapas da observação de um Eclipse Total do Sol


- Tudo começa com um pequeno entalhe no limbo solar. Todavia, somente cerca de 10 minutos antes da Totalidade é que se torna evidente o escurecimento e a estranha alteração das cores da envolvente. Nesta fase gradual (pré-totalidade), quando o brilho e o calor decrescem, parece surgir um amplo crepúsculo. Como referido, a observação directa, mesmo de um Sol parcialmente eclipsado, EXIGE protecção adequada. De resto, convém acautelar a nossa sensibilidade ocular para desfrutar convenientemente da Totalidade.

- As chamadas "gotas de Baily", fenómeno provavelmente já observado antes da célebre descrição de Francis Baily pelo astrónomo Samuel Williams em 27 de Outubro de 1780, na América do Norte, antecedem imediatamente a Totalidade e duram apenas alguns segundos. Como a superfície da Lua é rugosa e acidentada, a "última" luz solar passa pelos vales no seu limbo, sendo bloqueada nas zonas elevadas. Permanecendo somente um último "brilho", combinado com o finíssimo aro da cromosfera interior do Sol, estaremos perante um efeito conhecido como "anel de diamante" (que é melhor observar no final da fase total, quando é mais espectacular). Simultaneamente, com o aproximar do eclipse total, podemos perceber algumas ténues faixas de sombra no solo ou em paredes de edifícios, fenómeno atmosférico nem sempre observável. Entretanto, a rapidíssima sombra da Lua alcança-nos.

- TOTALIDADE! Acontece de modo súbito. O céu escureceu, a temperatura baixou, a Natureza reagiu, ludibriada pelas "inesperadas" trevas. O contraste do céu depende das condições atmosféricas, podendo, por vezes, observar-se estrelas ou planetas. No Sol, é possível (com a instrumentação adequada) observar a cromosfera e eventuais proeminências. Acima de tudo, é neste intervalo que se vê a espectacular corona; um "esplendor" rodeando o escuro disco lunar. Todavia, se houver uma camada alta e fina de nuvens (cirro-estratos), a corona pode ficar obscurecida e invisível. A observação desprotegida é completamente segura na fase total, até com ajuda óptica (e.g., binóculos) Todavia, cuidado! Termina rapidamente.

- 3º e 4º contactos. Com o 3º contacto termina a Totalidade (ATENÇÃO: a protecção ocular é doravante fundamental). Dá-se a inversão dos fenómenos luminosos observados antes da etapa total. O Sol ressurge num ponto que rapidamente se dilata num brilho imenso. No último contacto, disco solar ficará 100% desobstruído.

(N.B.: nos eclipses parciais e anulares a protecção ocular é SEMPRE necessária. O método indirecto é a opção mais segura, projectando a imagem do Sol com um binóculo ou telescópio (idealmente fixado num tripé) ou recorrendo ao princípio da câmara estenopeica (pinhole), v. guias infra. Nos eclipses totais somente se pode (e deve) observar directamente e sem filtro durante a curta etapa de Totalidade)


O Fim dos Eclipses Totais

A Lua está muito lentamente a afastar-se da Terra, consequência do efeito de maré. Como John Dvorak refere: "(…) There will be a last one. That is because the Moon is receding away from the Earth, a consequence of ocean tides. And so the day will come, hundreds of millions of year in the future, when the apparent size of the Moon will always be too small to completely cover the Sun. Whatever types of beings then inhabit the planet will not see one of nature’s most remarkable cosmic spectacles." (Mask of the Sun: The Science, History, and Forgotten Lore of Eclipses, Center Point Large Print, 2017, pp.379-80). Contudo, este autor refere que 1250000 anos passarão até que a Lua se afaste de nós o suficiente. Segundo Gabriele Vanin (Les Eclipses: Comment les Observer et les  Comprendre, Paris, Éditions Grund, 1999, p.33): "Si l'éloignement de la Lune se poursuit au même rythme que ces 400 derniers millions d'années (un peu moins de 4 cm par an), notre satellite ne sera plus en mesure de masquer le Soleil dans un peu plus de 600 millions d'années."
 
Segundo Littmann, Espenak & Willcox (Totality..., Op, cit., p.235): "With the Moon receding at 1½ inches a year [~3.8 cm], the last total solar eclipse visible from the surface of the Earth will take place 620 million years from now."

Os eclipses totais do Sol têm os dias (ou os milhões de anos!) contados.



- Fenómenos localmente
observáveis até 2030 (dados para Aveiro disponibilizando Hora Legal, mapas e guias):

- 29 de Março de 2025, Parcial, máximo às 10H35 (magn. 0,397);
mapa (Fred Espenak, NASA/GSFC)
- 12 de Agosto de 2026, Total, máximo às 19H33 (magn. 0,974); Totalidade observável principalmente no norte e noroeste de Espanha, v. mapa infra; guia (.PDF, 422KB)
- 02 de Agosto de 2027, Total, máximo às 09H46 (magn. 0,867); Totalidade observável no extremo sul da península: mapa; guia (.PDF, 430KB)
- 26 de Janeiro de 2028, Anular, máximo às 16H53 (magn. 0,845); anularidade observável no sul do nosso país: mapa; guia (.PDF, 290KB)
- 01 de Junho de 2030, Anular, máximo às 06H09 (magn. 0,678) e término às 07H07; tangencialmente observável ao início da manhã como fenómeno parcial; mapa (Fred Espenak, NASA/GSFC)

Simulação eclipse 12AGO2026
Eclipse solar de 12 de Agosto de 2026 observado a partir de Aveiro, magnitude 0.975 no seu máximo (Stellarium 1.1). Esta simulação é "enganadora" pois, apesar da magnitude do eclipse, o Sol será ainda excessivamente brilhante e não se verá a corona. Fenómeno somente poderá ser observado com protecção ocular adequada, sendo assim possível ver o fino "crescente" acima ilustrado)


Agendar! O próximo Eclipse Solar Total de fácil acesso (pois a faixa de umbra atravessa o país vizinho): 12 de Agosto de 2026. Observável (parcialmente) em Aveiro no intervalo 18H36-20H26; ocaso do Sol às 20H37. Máximo eclipse cerca das 19H33 locais, altura 10º, azimute 280º.
Ver detalhes (guia, mapa, horário em algumas cidades de Portugal e observação da Totalidade em Espanha; .PDF, 430KB) e página relevante do Fifty year canon of solar eclipses 1986-2035 (NASA, Scientific and Technical Information Office / Sky Publ. Corp., 1987); .PDF, 133KB.

Animação: eclipse de 12 Agosto de 2026 (Sonnenfinsternisse: https://www.youtube.com/watch?v=VOXGRxrMXNk)


Mapa Eclipse - Noroeste Península
Eclipse Total de 12 de Agosto de 2026: faixa de totalidade no norte e noroeste da península. Linha azul assinala a sua linha central
(Xavier Jubier/ Google Maps)

Eclipse - 12AGO26
Mapa do início da totalidade do eclipse observado a partir da Coruña (Galiza), 20h27m locais. Pela grelha altazimutal (e pelos círculos Telrad, o maior com diâmetro de 4º) verifica-se que esta etapa decorre a uma altura de apenas cerca de 12º, aproximadamente entre Regulus (Alpha Leonis, exactamente na direcção Oeste) e Júpiter (deverão, em condições normais, ser facilmente observados). Mercúrio estará mais próximo do horizonte [clicar para ampliar; export. GUIDE 9.1]

fractional Cloud Amount - Jay Anderson
Meteorologia: previsão da nebulosidade no mês de Agosto ("Fractional cloud amount", i.e. cobertura por cada pixel das imagens satélite). Estatística efectuada pelo meteorologista Jay Anderson com dados 2001-2021: Polar-satellite-derived cloud-cover estimates for August based on observations collected between 2001 and 2021. Data: CM SAF/EUMETSAT; fonte: eclipsophile.com; detalhe do mapa orig.). A época do ano é relativamente favorável mas um cenário nebuloso nunca pode ser descartado. O Anticiclone dos Açores, para sudoeste, minimiza a ameaça mas é, obviamente, uma formação intermitente.

Percentagem média de nuvens
Percentagem mediana de cobertura de nuvens em Agosto, a partir de dados de satélite (CM SAF/EUMETSAT), intervalo 2000-2020; Jay Anderson, eclipsophile.com; detalhe do mapa orig.)

Gráficos meteorologia eclipse 2026
Dados recolhidos no terreno (relativos ao mês de Agosto) para algumas cidades (asterisco assinala as que estão no caminho de totalidade):
% probabilidade de sol (1ª coluna); na última coluna, a probabilidade do número de dias com neve ou chuva durante o mês em causa. (Jay Anderson, eclipsophile.com). Neste outro gráfico (fonte: Solar Eclipses 2024-2017, Bradt Guides, 2023), temos as percentagens máximas de horas de Sol em Agosto para diversas cidades.


2 de Agosto de 2027 (Total)

Eclipse Total - 2 de Agosto de 2027
Eclipse Total de 2 de Agosto de 2027: faixa de totalidade no extremo sul da península. Linha azul assinala
a sua linha central (Xavier Jubier/ Google Maps)


26 de Janeiro de 2028 (Anular)

Eclipse Anular - 26JAN2028
Eclipse Anular de 26 de Janeiro de 2028: no nosso país, anularidade será observável em regiões do Alentejo e no Algarve, Linha central (anularidade concêntrica) passa por Sevilha e Córdoba (Xavier Jubier/ Google Maps)


TRÂNSITOS

- Um Trânsito é a passagem de um astro de dimensão menor em frente de outro maior. Mais especificamente, chamamos trânsito planetário à passagem de um planeta através do disco do Sol. Da Terra, conseguimos observar os trânsitos dos dois planetas interiores. Ocorrem, em média, 13 trânsitos de Mercúrio em cada século. Historicamente, a observação de um trânsito do diminuto Mercúrio precedeu a dos trânsitos de Vénus: em 1631, Pierre Gassendi observou um desses fenómenos, previsto nas Tabulae Rudolphinae, efemérides compiladas por Kepler. Como a órbita de Vénus é consideravelmente maior do que a do primeiro planeta, os seus trânsitos são muito mais raros: acontecem em pares (fenómenos separados 8 anos entre si) segundo um padrão de 243 anos, com longos intervalos de 121,5 e 105,5 entre cada par. Os últimos foram em 2004 e 2012, os próximos serão em 2117 e 2125. Os trânsitos de Vénus foram usados para medir distâncias astronómicas, como a distância ao Sol (v. infra).

A órbita de Vénus é quase circular (excentricidade de apenas 0,007). Atendendo a que oito anos terrestres equivalem, com aproximação, a treze translações ou "anos" de Vénus, a um trânsito segue-se outro após 8 anos, quando ambos os planetas e o Sol estão (quase) na mesma configuração. O primeiro trânsito de Vénus foi observado em 24 de Novembro de 1639 (data no calendário Juliano) por Jeremiah Horrocks (latiniz. Horrox), um jovem ligado à igreja do pequeno povoado de Hoole, Lancashire. Horrocks confrontou resultados das Tabelas de Lansberg (que eram pouco precisas) com as de "Rudolfinas" de Kepler. Ambas previam que Vénus estaria muito próximo do Sol. As primeiras indicavam que o planeta passaria na parte superior do disco e as de Kepler um pouco abaixo do disco solar. Esta "ambiguidade" e a sua experiência observacional do planeta permitiu-lhe refinar o resultado tabulado e ponderar que muito provavelmente aconteceria um trânsito. E assim foi, aconteceu! Foi observado projectando a imagem do Sol através de um telescópio num quarto obscurecido. O seu amigo William Crabtree, outro entusiasta da astronomia, foi avisado e também observou fugazmente o trânsito ("Venus in Sole Visa", escreveu) a partir de Broughton, próximo de Manchester.

Trânsito Vénus 1769 - diagrama Rittenhouse
Diagrama da observação do trânsito de Vénus de 1769, desenhado pelo pioneiro David Rittenhouse (1732-1796)

Trânsitos de Vénus - distância do Sol
A primeira constatação da existência da atmosfera de Vénus aconteceu, na sequência da observação do trânsito de 1761, por Mikhail Lomonosov (1711-1765), prolífico cientista Russo. Até ao advento da chamada Era Espacial acreditou-se que o planeta poderia ser semelhante ao nosso e talvez albergasse vida. Mas na realidade possui uma atmosfera de dióxido de carbono e um infernal efeito de estufa. Os trânsitos de Vénus foram utilizados nos séculos XVIII e XIX para estimar a distância da Terra ao Sol por meio dos dados resultantes de observações a partir de locais diferentes (sabendo a distância entre os pontos, comparando os timings, verificando a distância Terra-Vénus e recorrendo depois à terceira lei de Kepler), como no exemplo, um observador A no Hemisfério Norte e outro (B) no Hemisfério Sul. O método foi gizado por Edmond Halley. Joseph-Nicolas Delisle, contemporâneo de Halley, propôs uma variante simplificada, a partir de uma única medição do timing do ingresso (ou do egresso), em dois locais geográficos diferentes. Salientou que um observador que vê o planeta percorrer um trânsito mais longo deve assistir ao ingresso antes de um observador que vê o planeta efectuar um trânsito mais curto. Seguiam-se as deduções proporcionais das distâncias. Todavia,
não era possível na época estabelecer com precisão a fundamental longitude dos pontos geográficos de observação. Chambers transcreve a explicação simplificada da lógica do procedimento, por Lord Grimthorpe: "If two men stand before a post with a wall behind it, they will see different places on the wall eclipsed or hidden by the post; and if the post is as far from the two eclipsed places as it is from the men, the two eclipses will be exactly as far apart as the two men are; if the wall is twice as far from the post, the two eclipses will be twice as far apart, and so on." (A Handbook of Descriptive and Practical Astronomy (4th ed.), Clarendon Press, 1889, vol.1, p.338). Infelizmente, os resultados (cronometrados) eram pouco precisos, afectados pelas dificuldades em precisar os limites do limbo do planeta (devido ao efeito óptico de "gota" ou "lágrima" conhecido como ‘Black Drop’): o limbo verdadeiro difere do aparente. Em última análise, o método para medir a distância ao Sol (a que chamamos "Unidade Astronómica") recorrendo aos trânsitos, não teve êxito. (ilustração; Ronan, Colin A., Discovering the Universe, A History of Astronomy, Basic Books, Inc., Publishers, 1971)


Os próximos trânsitos serão mercuriais: 13 de Novembro de 2032, 7 de Novembro de 2039 e 7 de Maio de 2049. O diâmetro do planeta é muito pequeno, 10" (10 segundos de arco ou cerca de 1/200 do diâmetro solar) em Novembro e 12" (1/160 do diâmetro solar) em Maio. Impossível detectar sem magnificação telescópica. Convém recorrer a diagrama da previsão do trânsito. Acautelar a SEGURANÇA que a observação do Sol exige (com recurso a filtros específicos colocados na objectiva, à entrada do caminho da luz).

- 13 de Novembro de 2032: Sol nasce às 07H18 e Mercúrio já estará em trânsito. Ponto intermédio acontecerá às 08H55. Quarto contacto (término) às 11H08 (Aveiro, Horas UT, equiv. Hora Legal).

- 7 de Novembro de 2039: Sol nasce às 07H11. Intervalo do fenómeno: 07H19 - 10H15 (Aveiro, Horas UT, equiv. Hora Legal)

Trânsitos Mercúrio     Trânsito Mercúrio 13NOV32

Os Trânsitos de Mercúrio acontecem sempre em Maio ou em Novembro. O primeiro foi observado em 1631, por Pierre Gassendi. Esquema da esquerda inclui trânsitos recentes e futuros, até 2078 (Michael Maunder & Patrick Moore, Transit: When Planets Cross the Sun, Springer, 1999). Disponibilizamos esta imagem editada do esquema, apenas com os percursos dos dois próximos trânsitos (2032 e 2039), invertida para observação telescópica (.JPG, 87KB). À direita, o próximo trânsito (13 de Novembro de 2032) observado a partir de Aveiro, assinalando parte da corda percorrida pelo planeta e posições do planeta na hora a que o Sol nasce, no ponto intermédio e no final do trânsito; invertida para reproduzir habitual observação telescópica; horas UT, info exportada pelo programa COELIX APEX)

Trânsito Mecúrio - Maio 2016
Mercúrio em trânsito observa-se somente telescopicamente e, como se verifica nesta fotografia do fenómeno de Maio de 2016, como um pequeno ponto (v. quadrante superior esq.), todavia definido e diferente das irregulares manchas solares (crédito: Piotr Borasa)

A Terra passa pelos nodos da órbita de Mercúrio aproximadamente a 10 de Novembro e 9 de Maio (datas deslizam lentamente de século para século). Um trânsito é possível apenas quando o planeta chega a um dos nodos na proximidade dessas datas. Os trânsitos predominam em Novembro devido à proximidade do periélio na órbita mercurial, que é acentuadamente elíptica e inclinada 7º relativamente ao nosso plano orbital. Em Maio o planeta está próximo do afélio, mais perto da Terra, o que reduz a probabilidade de trânsito. Segundo Joseph Ashbrook (1970 Yearbook of Astronomy, Sidgwick & Jackson, London, 1969, p.113), o fenómeno recorre segundo um ciclo de aproximadamente 46 anos (porque este intervalo  é quase coincidente com 191 revoluções de Mercúrio) e outro, mais preciso, de 217 anos (equivalente a 901 revoluções do planeta).


OCULTAÇÕES LUNARES

Uma Ocultação é, por definição, um fenómeno que acontece quando um objecto é totalmente escondido (eclipsado) por outro que se interpõe entre este e o observador. O generoso tamanho aparente da Lua (~ 0.5º), a sua paralaxe mensurável e rápido movimento sobre o "pano de fundo" do céu propiciam numerosas ocultações lunares. A cada duas horas, a Lua percorre cerca de 1º do Zodíaco (13º por dia). Pode, neste seu percurso para Leste, ocultar qualquer objecto que (aparentemente) se encontre no seu caminho (uma faixa que se estende 6.5º para cada lado da eclíptica). São fenómenos dinâmicos que disponibilizam uma demonstração surpreendente do movimento orbital dos astros, tendo sido extremamente importantes no percurso da Astronomia (ocasiões privilegiadas de medida, teoria lunar, rotação do nosso planeta, verificação da precisão das efemérides, estudo do relevo lunar, identificação de estelas duplas, etc.) e da Geodésia.

Foi a partir de fenómenos de ocultação de Marte que Aristóteles concluiu que a Lua está mais perto de nós. O planeta não transita, é ocultado pela Lua. Provou assim que Marte estava mais longe do que a Lua.


As ocultações são fenómenos "locais", com "timings" calculados para a posição específica do observador. Uma vez que a Lua está muito próxima, verifica-se uma paralaxe assinalável; 57' em média no plano equatorial horizontal (1º era o valor de Ptolomeu). Este fenómeno é evidente nas ocultações observadas a partir de locais diferentes.

As ocultações duram até cerca de 1 hora. As observações são muito facilitadas quando o brilho lunar não é demasiado intenso, longe do plenilúnio. Particularmente interessantes quando acontecem no limbo não iluminado. Podemos observar a ocultação de imensas estrelas, nas quais se incluem algumas de 1ª grandeza (Regulus, Spica e Antares). A Lua pode ainda, mais raramente, ocultar corpos do Sistema Solar, como os planetas.


Ocultações lunares  Ocultações lunares
Os observadores em diferentes locais geográficos não vêem a ocultação em simultâneo. Na ilustração da esquerda, enquanto o observador A observa a Lua a uma determinada distância da estrela, o observador B já observa o momento da ocultação no limbo lunar não iluminado (Ronan, C., The Practical Astronomer, Pan Books Ltd., 1981). Ilustração da direita explica como a ocultação é observada em diferentes pontos geográficos ao longo da faixa abrangida. No ponto 4 é "rasante" e acontece no limbo escuro (ver inset), permitindo visualizar o revelo lunar (Chartrand, M. R., Amateur Astronomy Pocket Skyguide, Newnes Books, 1984; editada)


- Ocultações lunares dos planetas visíveis a olho nu (dados para os próximos anos, timings para coordenadas de Aveiro, PT. Horas UT; export. COELIX APEX)

Ocultações planetas mais brilhantes

Ocultação de Saturno (21 de Agosto de 2024)
Ocultação de Saturno pela Lua no dia 21 de Agosto de 2024 (03h 13m - 04h 20m UT). Início do ingresso (esboço do autor)


Muito raramente, os planetas ocultam estrelas conspícuas. O próximo fenómeno, no qual Vénus ocultará Regulus (α Leonis), acontecerá em 1 de Outubro de 2044 (22H02 UT), mas não será observável a partir do nosso país (mesmo onde "observável", será sempre difícil devido à posição do Sol). Para informação acerca de ocultações, nomeadamente fenómenos envolvendo asteróides, consultar a página da
IOTA (International Occultation Timing Association).


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