A Poluição Luminosa
There were lights, thousands of them, but of no brightness: these were
thousands of tiny flecks affecting the darkness not at all; they were gas-
lights, most of them, white at this distance and almost steady; but there
was candlelight, too, and I supposed, kerosene. No colors, no neon, nothing
to read, just a vast blackness pricked with lights...
(Time and Again, Jack Finney, descrevendo a noite artificialmente iluminada de Nova Iorque, 1882)
"Portugal
é o pior país da Europa em poluição luminosa, no que respeita ao fluxo
luminoso per capita e fluxo luminoso por produto interno bruto (PIB)."
Esta é uma das conclusões de um artigo publicado na revista Journal of Environmental Management
com o título (traduzido) Poluição luminosa nos EUA e Europa: os bons,
os maus e os feios (F. Falchi, R. Furgonia, T. A. Gallaway, N. A.
Rybnikovac, B. A. Portnov, K. Baugh, P. Cinzano, C. D. Elvidge). Segundo o jornal Público (19/08/2019), o nosso país merece várias referências particulares pelos piores motivos (conteúdo completo somente disponível para assinantes, ler notícia arquivada de original em zap.aeiou.pt, .PDF, 98KB).
(Créditos: Fabio Falchi et al (2016). The new world of artificial night sky brightness. Science Advances; International Dark-Sky Association; Dark Skies Rangers; NASA. Adapt. Raul Lima)
Os
impactos são variáveis, consoante a perspectiva pela qual se analise
(energia, céu, ecossistema, saúde…), e têm vindo a ser cientificamente
comprovados. Estudos recentes mostram, aliás, que “há espécies animais
(incluindo o ser humano) e vegetais que são afetadas mesmo por pequenas
quantidades de luz”, nota Raul Cerveira Lima (professor de Física na
Escola Superior de Saúde do Politécnico do Porto, investigador no
Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra
e autor de vários estudos sobre o tema). Especificando, explica que “a
poluição luminosa limita-nos, desde logo, a possibilidade de
contemplação do céu noturno, fonte fundamental de conhecimento
científico e de contacto com a natureza no seu todo”. Isto porque a luz
emitida para cima e para os lados reflete-se e difunde-se nas poeiras e
fumos em suspensão no ar, percorrendo grandes distâncias (centenas de
quilómetros) e tornando o céu nocturno claro. Mas não é só. A este mal
acrescem outros, não menores, designadamente os desequilíbrios que
provoca nos ecossistemas, com consequências “conhecidas e preocupantes”
e outras que permanecem “ainda desconhecidas”; artigo em myplanet.pt)
Outro artigo de 2017 esclarece que os novos sistemas LED não estão a resolver o problema:
Com a moda das "smartcities", e também com a consciência de que é
possível levar a cabo algum tipo de ação ao nível da eficiência
energética, muitos dos municípios têm vindo a trocar as luminárias
tradicionais por iluminação LED. A poupança parece justificar-se mas,
de acordo com um estudo, esta alteração está afinal a aumentar a
poluição luminosa. A investigação pertence ao físico Christopher Kyba,
do Centro Alemão de Investigação em Geociências (GFZ), que publicou na
revista "Science Advances" o
resultado do impacto da iluminação baseada em LED. Em declarações à
Lusa, Christopher Kyba refere que "A noite na Terra está a ficar muito
mais brilhante e não esperava que tantos países ficassem mais luminosos
de forma tão uniforme". Na prática o que está a acontecer é que o
"mundo está a ficar sem noite" uma vez que têm vindo a ser instalados
cada vez mais sistemas de iluminação.
"O mundo está a ficar sem
noite, com metade da Europa e um quarto da América do Norte a ver
alterados os padrões do ciclo noite/dia."
De acordo com os dados obtidos via satélite, é possível ver que a luz
artificial exterior aumenta a um ritmo de 2% ao ano, desde 2012, tanto
em luminosidade como em área. Quais as consequências? Segundo o
ecologista alemão Franz Holker do Instituto Leibniz (IGB), em
declarações à Reuters, a poluição luminosa tem consequências no
ambiente, ao interferir no ciclo circadiano. O aumento do brilho
durante a noite pode interferir no sono, alerta o cientista. Holker
refere ainda que esta alteração afeta também os animais, em especial
30% dos vertebrados e mais de 60% de invertebrados que são noturnos. A
luz artificial influencia também as plantas e micro-organismos assim
como os padrões de reprodução ou migração, de várias espécies como
insetos, anfíbios, peixes, pássaros, morcegos e tantos outros animais. (fonte: https://pplware.sapo.pt/informacao/iluminacao-led-esta-aumentar-poluicao-luminosa/; aced. Jan. 2024)
A poluição luminosa, como as outras formas de poluição, resulta da
utilização inconsciente e distraída de recursos. Por isso, não apenas "sai
do nosso bolso", como o consumo da energia desperdiçada tem como
consequência o aumento da poluição ambiental pelas centrais produtoras
de energia. É definida como a alteração dos padrões de iluminação. Pode
ser quantificada através de medidas absolutas de concentração e emissão
ou através de medidas relativas, parte de uma quantidade de luz
artificial por unidade de luz natural no mesmo sistema. Uma causa
imediata é a disparatada proliferação, má concepção e alinhamento da
iluminação artificial, pública e privada, urbana, suburbana, industrial
ou viária. Em causa está a quantidade e, acima de tudo, a racionalidade
e qualidade da iluminação. Como Aurélio Cabrita escreveu em 18 de Junho 2021 no Terra Ruiva (jornal do Concelho de Silves): "O
deslumbramento causado pela energia eléctrica continua a fascinar os
portugueses e os seus dirigentes políticos, locais e nacionais, que
teimam em transformar a noite em dia, perante a indiferença da
população. A substituição das
luminárias pela nova tecnologia, designada LED de tonalidade branca,
podia constituir uma oportunidade para rever o excesso de iluminação.
Porém tal não só não acontece como o fenómeno é amplificado pela maior
luminosidade proporcionada pelos LED."
Alberto
Vanzeller (director-geral de uma empresa especializada em iluminação e membro do Centro Português de Iluminação),
numa abordagem informada e equilibrada, refere que as queixas são
variadas e prendem-se essencialmente com o aumento do esplendor
luminoso no céu que os LEDs com TC ≥4000K provocam; com a luz intrusiva
para o interior das habitações; com os impactos fotobiológicos; com os
impactos nos ecossistemas; com os impactos no ritmo circadiano; com o
desconforto visual que provoca, etc. Todavia, alerta para os seguintes
pontos:
- A luz branca não é exclusiva da fonte LED;
- Quanto maior quantidade de luz for enviada para cima, maior o
esplendor luminoso, mesmo com a lâmpada de vapor de sódio alta pressão,
e neste sentido a primeira causa deste fenómeno resulta de um
deficiente projeto e não da temperatura de cor da fonte;
- É verdade que em igualdade de circunstâncias, o LED de 5500K
contamina mais que o LED de 4000K, este mais que o LED de 2700K e este
último mais que o vapor de sódio alta pressão;
- A tecnologia LED aplicada à
iluminação pública traz muitas vantagens face à tecnologia sódio alta
pressão, menores potências, menos CO2 emitido, maior controlo de luz e,
portanto, menos luz emitida para o hemisfério superior: menor esplendor
luminoso.
Vanzeller
finaliza salientando a importância de combinar adequadamente os
equipamentos de iluminação para cada situação, independentemente da
tecnologia utilizada.
Em todo o caso, nas circunstâncias actuais trata-se de um
flagelo! No nosso país não há limites para a
poluição luminosa, tal o deslumbramento parolo! Somente em 2019 é que o
problema chegou pela primeira vez à Assembleia da República. O
resultado foi a resolução n.º 193/2019 (Série I de 2019-09-17), que “recomenda ao Governo que regule e adote medidas para combater o impacto da poluição luminosa no meio ambiente”.
Até hoje (2024) não se verificou qualquer consequência prática nem se
conhecem mecanismos de fiscalização ou entidades incumbentes. Aguardam-se, muito pacientemente,
desenvolvimentos. Precisamos de legislação, fiscalização e um mínimo de
bom senso.
Como Jo Marchant constata: "Today, as
light pollution envelops our planet, the stars are almost gone. Instead
of thousands being visible on a dark night, in today’s cities we see
only a few dozen (and astronomers fear these will soon be vastly
outnumbered by artificial satellites). Most people in the United States
and Europe can no longer see the Milky Way at all. It is a catastrophic
erosion of natural heritage: the obliteration of our connection with
our galaxy and the wider universe. There has been no major outcry. Most
people shrug their shoulders, glued to their phones, unconcerned by the
loss of a view treated as fundamental by every other human culture in
history." (The Human Cosmos: Civilization and the Stars, Dutton, 2020, xi).
Perdeu-se a beleza do céu nocturno que nos acompanhou e fascinou durante milénios.
- Carta aberta, jornal Público
(15 de Maio de 2021)
Efeitos da iluminação descontrolada (Giovanni Barcheri, Cielobuio, Milano-Lachiarella)
Dois exemplos contrastantes: o descontrolo na disseminação da luz numa atmosfera enevoada, utilizando
lâmpadas comuns (sódio de baixa pressão) e, à direta, luz correctamente
direccionada, observando-se um céu assinalavelmente mais escuro
(Scagell, R., City Astronomy, Sky Publishing Corp., 1994)
Entretanto, surgiu recentemente a iniciativa internacional ROLAN (Responsible Outdoor Lighting at Night) Através da aplicação de determinados procedimentos (manifesto ;.PDF, 167KB), espera-se que governos, agentes económicos e indivíduos
auxiliem a implementação dos objectivos de desenvolvimento sustentável
promovidos pelas Nações Unidas. Principais promotores:
Karolina M. Zielinska-Dabkowska – ILLUME research group/the Gdansk University of Technology e Ruskin Hartley – International Dark‐Sky Association.
Os
satélites artificiais são outro problema e as gigantescas
"constelações" de satélites recentemente colocadas em órbita prometem
dificultar seriamente a observação astronómica matutina e vespertina. É
nestas alturas do dia que os satélites reflectem a luz solar e se
tornam visíveis. Para que isto aconteça devem estar iluminados pelo
Sol, estando o observador na escuridão. Depois finalmente desaparecem
quando passam para a sombra.
Iluminação irracionalmente desperdiçada e, à direita, uma optimização exequível (Sky & Telescope, 1996)
- IDA - International Dark-Sky Association
- Algumas organizações europeias (savethenight.eu)
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