Martirológio Romano

Livro litúrgico, é uma das variedades históricas de martirológios, incluindo o catálogo hagiográfico da Igreja Católica Romana. Apesar do nome, o Martyrologium Romanum inclui todos os santos reconhecidos e não apenas os mártires. Nos martirológios, os elogios dividiam-se tradicionalmente em dies natales e commemorationes (festae, depositiones, translationes e inventiones [descoberta das relíquias]). Em termos diacrónicos, estes elencos iniciavam quase sempre o ano litúrgico na Vigilia natalis Domini, no dia 24 de dezembro. Como era lido no capitulum (leitura bíblica breve das Horas do Ofício Divino), encontrava-se amiudadamente coligido com o obituário da diocese (necrológio, martirológio defunctorum). Tendo estrutura similar, o Martirológio vai além do calendário, apresentando para cada dia mais do que um santo, cada qual com um pequeno elogio histórico e diegese. Suporta-se numa longa tradição literária de synaxaria (listagens hagiográficas com origem na tradição da Igreja Ortodoxa) e prolixas compilações hagiográficas, aparecendo doravante de modo sistemático num contexto histórico especial, a Contrarreforma. Já em 1232, o Papa Gregório IX havia estabelecido um calendário de 85 celebrações, definindo as suas datas. Todavia, atendendo à época e envolvimento, houve espaço para inúmeras variações locais, tanto nos santos celebrados como nas datas comemorativas (Glick, Thomas, Steven J. Livesey, Wallis, Faith (Editors), Medieval Science, Technology, and Medicine: An Encyclopedia, New York/London, Routledge, 2005, p.110).

Na tradição universal latina do elenco dos santos, recuam ao Martyrologium Hieronymianum (o mais antigo, séc. V, baseado num calendário romano, num cartaginês e num martirológio oriental). O movimento de formação e desenvolvimento começa com São Jerónimo (†420); Beda, o Venerável (†735); um “anonimus lyonais”; Floro (†c.860), diácono de Lyon; Ado († 875), arcebispo de Vienne e Usuardo, monge beneditino de Saint Germain-des-Prés († c. 875), o compilador mais influente (daí a expressão "modelo usurdino") para o que virá a ser o Martyrologium Romanum. Mais tarde, a martirologia latina é criticamente estudada, sintetizada ou organizada por autores como Aloysius Lipomanus (†1559), Mosander (†1589), Ioannes Molanus (†1585), Cesare Baronius (†1607), Héribert Rosweyde (†1629), Jean-Baptiste du Sollier (†1740), Jacques Bouillart (†1726), Dominique Giorgi20 (†1747) ou Jean-Baptiste de Rossi (†1894). (Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas, Martyrologium Lamecence (Texto e Comentário), Universidade de Coimbra, 2012, cap. 1)

Os exemplos medievais portugueses são escassos, mas há alguns. No seu pertinente estudo do exemplar lamecense, Aurélio Barradas escreve: "O Martyrologium Lamecense não é um caso único no panorama dos livros litúrgicos deste género na idade média portuguesa. Não encontrámos muitos martirológios nos arquivos portugueses. Ainda assim, na Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) deparámos com dois, pertencentes à Biblioteca de Mão de Santa Cruz de Coimbra; na Biblioteca Nacional (BNP) encontrámos um pertencente ao Fundo Alcobacense; um no Arquivo Distrital de Braga (ADB-UM); e ainda um outro na Torre do Tombo (ANTT), pertencente ao Cabido da Sé de Viseu. Considerámos, também, para o nosso estudo, o Livro das Kalendas da Sé de Coimbra..." (ibid., p.25)


O Martirológio foi entretanto reformado a partir de Roma, acompanhando o calendário, no século XVI. Também porque as leituras litúrgicas (hora prima: o ofício litúrgico matinal) iniciavam com o anúncio da idade da Lua, tornando necessário integrar o novo Ciclo das Epactas e as letras que representavam a luna para cada dia. Salienta-se que ao calendário se adapta o sistema do martirológio: Calendarium, ad quod etiam accommodata est ratio martyrologii. De facto, o completamento da nova Martirologia precedeu o Calendário. O empreendimento ocupou, sob orientação do Cardeal Sirleto (1514-1585), Juan Salón e, na continuação, Cesare Baronio, Curzio Franco et al.
A editio princeps surgiu em 1583 (Martyrologium romanum ad novam kalendarii rationem et ecclesiasticæ historiæ veritatem restitutum, Gregorii XIII pont. max. iussu editum) mas uma versão corrigida foi aprovada e imposta em 1586. (v. exposição completa em Ziggelaar, A., The Decree of 1582, in: "Gregorian Reform of the Calendar Proceedings of the Vatican Conference to Commemorate Its 400th Anniversary, 1582-1982", Pontificia Academia Scientiarvm, 1983: 224-5)

O texto do Martyrologium doravante em vigor anota o local e a data da morte (nascimento beatífico), o título canónico (Apóstolo, Mártir, Confessor, Virgem, et caetera), o tipo de memória litúrgica e algumas notas sobre a sua relevância, vida e obra. Utiliza-se, por tradição, o sistema romano no registo dos dias (ver também Missale Romanum).

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Letra do Martirológio (Littera Martyrologii)

Letra do Martirológio ("tabela perpétua" para saber a Littera Martyrologii de determinado ano a partir da Epacta); aqui uma edição do século XVII

É fundamental conhecer a epacta para o ano em causa para interpretar a “Luna” que surge nas entradas do Martyrologium Romanum, antecedendo o texto para cada dia do ano. Cada dia revela, deste modo, sob a letra do martirológio desse ano específico, a fase da Lua ou “idade” através de um ordinal.

Exemplo: no excerto seguinte, se determinado ano (e.g. 2020) tiver 5 como valor da epacta, a letra do martirológio será "e" (ver na provecta tabela acima ou aqui). Assim, neste dia (25 de dezembro) de qualquer ano com essa letra, a Lua estará no 10º dia do ciclo (ver destaque sobreposto à imagem original): Luna decima.

Excerto da entrada para o dia 25 de dezembro do Martyrologium Romanum... acced vetus martyr, Heribert Rosweyde, Antuérpia, 1613

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Tabela das Letras do Martirológio

Procura-se a letra em função da Epacta (números tabelados por ordem) para determinado ano. Para a epacta 25/XXV, usa-se “25” se Áureo Número for "maior" (igual ou superior a 12 unidades) e “XXV” se menor do que 12 (e letra minúscula ou maiúscula em consonância). Algumas edições desprezavam a diferenciação minúscula/maiúscula e recorriam à cor negra (mantendo numeração árabe) para assinalar a Letra correspondente à epacta servida por Áureo Número igual ou superior a 12 unidades (acima o exemplo do Martyrologium Romanum Gregorii XIII Pont.Max. et Clementis X auctoritate recognitum, Roma, 1674)

 

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