Celebrações mais relevantes do Calendário Litúrgico

- Solenidade de Sta. Maria Mãe de Deus - 1 jan.*
- Epifania - tradicionalmente a 6 jan.; celebra-se no domingo que se situe mais próximo dessa data, entre 2 e 8 de janeiro ( inclusive).

- Baptismo do Senhor - domingo que sucede aquele em que se celebra a Epifania.

- Apresentação do Senhor (Candelária) - 2 fev.

- Septuagésima - nono domingo antes da Páscoa (63 dias antes da Páscoa)

- Quinquagésima - sétimo domingo antes da Páscoa (49 dias antes da Páscoa)

- Terça-Feira de Carnaval - dia que precede a Quarta-Feira de Cinzas

- Quarta-Feira de Cinzas (1º dia da Quaresma) - 46 dias antes da Páscoa (40 excetuando os domingos)

- Anunciação do Senhor - 25 mar.

- Domingo de Ramos (Pascha competentium, ou florum, floridum) - domingo que antecede o Domingo de Páscoa

- Sexta-Feira Santa - sexta-feira que precede o Domingo de Páscoa*

[Dom. Páscoa [Pascha, Resurrectio] - data axial]
- Rogações - domingo: 35 dias após a Páscoa;

- Ascensão - (tradicionalmente 39 dias após a Páscoa); Comemora-se 42 dias após o Domingo de Páscoa
(sexto Domingo após  a Páscoa - VII Domingo da Páscoa, contando o próprio)
- Pentecostes - 10 dias após a Ascensão, considerando a data tradicional desta última; 49 dias após a Páscoa (sétimo domingo após o Domingo de Páscoa - VIII Domingo da Páscoa)

- Santíssima Trindade - domingo imediatamente após o Pentecostes

- Corpo de Deus
(celebr. somente instituída em 1264) - quinta-feira que sucede à Santíssima Trindade*
- Sagrado Coração de Jesus - sexta-feira: oito dias após o Corpo de Deus (68 dias após a Páscoa);

- Imaculado Coração de Maria - dia que sucede ao Sº Coração de Jesus

- Natividade de S. João Baptista - 24 jun.

- Apóstolos S. Pedro e S. Paulo - 29 jun.

- Transfiguração do Senhor - 6 ago.

- Assunção de Nossa Senhora - 15 ago.*

- Natividade de Nossa Senhora - 8 set.

- Exaltação da Santa Cruz - 14 set.

- Missa dos Arcanjos (Miguel, Gabriel e Rafael) - 29 set.

- Festa de Todos-os-Santos - 1 nov.*

- Fiéis Defuntos - 2 nov.

- Cristo-Rei - domingo anterior ao 1º Domingo do Advento

- 1º Domingo do Advento - domingo mais próximo do dia 30 nov. (podendo coincidir)
- Início do Ano Litúrgico
- Imaculada Conceição - 8 dez.*

- Natal - 25 dez.* [data estab. por decreto apostólico no ano 376, v. Couderc, Le Calendrier, PUF, 2000 [1946], p.80]

- Sagrada Família - domingo que sucede ao Natal, excepto quando este é ao domingo. Neste caso, a  Sagrada Família é a 30 dez. (sexta-feira).

* Feriados (tradicionais) obrigatórios em Portugal: além dos feriados laicos, a Terça-Feira de Carnaval também é observada. Etimologia: Feriatio = festa fori, festa externa.

Legeda dos Sâtos Martire
Sequência de cenas da paixão de Cristo na Legẽda dos Sâtos Martires, Lisboa, João Pedro de Cremona, latiniz. Joannes Petri de Bonominis de Cremona (ed.), 1513 (Bibl. Ducal de Vila Viçosa; Bibl. da Ajuda), reproduzido in: Pacheco, J., A Divina Arte Negra e o Livro Português (Séculos XV e XVI), Lisboa, Vega, s/d (1988), p.127)



- Como Denis Muzerelle afirma, a função do Temporal é mais didática do que comemorativa. O Santoral não constitui um conjunto fortemente estruturado. Resulta simplesmente da celebração da memória dos santos e de outras importantes celebraçãoes, por vezes independentes, tanto entre si como relativamente ao Temporal. A distinção entre Temporal e Santoral tornou-se literalmente "material": por volta do século XI os próprios livros litúrgicos começam a dividir-se ou separar-se entre as duas vertentes. A este conjunto sobrepunha-se um ciclo, Quatuor Tempora (Quatro Têmporas), vestígio paleocristão que consistia em quatro semanas repartidas regularmente e sazonalmente (como prelúdio das quatro estações).

- v. Ciclos do Calendário Eclesiástico e intervalos de datas (limites); .PDF, 600KB


As celebrações no Compotus Ecclesiasticus

O paradigmático Compotus Ecclesiasticus (texto didático medieval) permite compreender que nos séculos XII e XIII eram observadas, acima de tudo, cinco festividades "móveis". O autor elenca-as: Septuagésima, Quadragésima (o primeiro domingo da Quaresma), Páscoa, o domingo antes das Rogações e o Pentecostes.

A importância das Rogações, em particular as chamadas "Litanias Menores", primeiramente em terras francas e anglo-saxónicas, constituiu um verdadeiro fenómeno (Ristuccia, Nathan J., Christianization and Commonwealth in Early Medieval Europe: A Ritual Interpretation, Oxford/New York: Oxford University Press, 2018: 3, 25 et seq.). A sua instituição, como intercessão perante calamidades que assolaram a sua região (cf. Gregório de Tours, Historia Francorum II, 34 (Patrologia Latina, ed. Migne, J.-P, Paris, 1878-90, 71:231-2)), recua ao ano 469, por iniciativa do bispo gaulês Mamertus de Vienne. Ratificadas pelo sínodo de Orleães (511), chegam a Roma no pontificado de Leão III (falecido em 816).

Algumas das celebrações muito consideradas atualmente (e.g., o Natal ou a até a Quarta-Feira de Cinzas), deixaram, comparativamente, pífias evidências na literatura medieval. Contudo, para além da óbvia celebração da Páscoa, encontram-se prolixas e abundantes referências às Rogações, tanto em latim como nas línguas vernaculares (Ristuccia, 2018:3).

O desconhecido autor do Compotus (como se escrevia na época) enquadra as celebrações (tradução nossa): a Septuagésima está relacionada com o número setenta, pois a Igreja aqui recorda os setenta anos que os filhos de Israel estiveram cativos na Babilónia. A Quadragésima está relacionada com o número quarenta, pois nesta celebração a Igreja evoca os quarenta dias de abstinência de Moisés, após os quais recebeu a Lei, e Elias jejuou quarenta dias e foi levado para os Céus ou para o lugar secreto e inacessível de Deus, e Cristo também se absteve quarenta dias e superou as tentações do demónio. Trinta e seis dias e meio constituem a décima parte do ano. Somando quatro dias de jejum, cinerum (Cinza), perfazem quarenta. Assim, como estabelecemos um dízimo para os nossos haveres, assim deveremos fazer com as nossas vidas. A Páscoa ("Pascha"), fase, trânsito, tudo significa “passagem sobre”, e é assim chamada, tanto pela passagem do Anjo da Morte no Egipto do Antigo Testamento, como (principalmente) porque Nosso Senhor passou da morte para a Vida através da Sua Ressurreição. O domingo que precede o "tríduo" das Rogações, antes da Ascensão, é evocado pois antecipa os dias de jejum que se seguem. Pentecostes deriva de penta (cinco) e coste (dez), pois são cinquenta dias entre a Páscoa e o Pentecostes, cada dia incluído (i.e., contando inclusivamente).

(Compotus em latim e inglês (trad.), The Ordered Universe Project, PDF, 389KB)

A Origem das Celebrações

Documentar a origem das celebrações é tarefa difícil e complexa. Paul Bradshaw e Maxwell Johnson (The Origins of Feasts, Fasts, and Seasons in Early Christianity, Collegeville, MN, A Pueblo Book, Liturgical Press. 2011), desafiam algumas ideias estabelecidas, abordando a emergência do Domingo como celebração da esperada Parúsia (a segunda vinda de Cristo), portanto com uma intenção mais teleológica do que relacionada com a Ressurreição. Também a cronologia do culto Mariano, mais antigo do que geralmente se assume, o culto dos mártires, etc.

Os autores argumentam que a celebração da Paixão no dia da luna decimaquarta ("Quartodecimanismo") é uma prática arcaica e não uma opção judaizante mais recente. A Páscoa nasce daqui, somente quando os domingos ganham relevância no contexto. A Quaresma desenvolve-se, não a partir dos dois dias de jejum anteriores à Páscoa mas a partir de um período de três semanas de preparação baptismal. A tradição de quarenta dias bebe inspiração no retiro de Jesus no deserto e estava amiudadamente associada com a Epifania.

Quanto à data do Natal, convém seguir a exposição de C. P. E. Nothaft (The Origins of the Christmas Date: Some Recent Trends in Historical Research, Church History, 81, 2012, pp.903-911) acerca das duas teorias clássicas e do ponto da situação. Assim, compara as duas perspectivas mais divulgadas, que nomeia: a teoria da história das religiões (HRT) e a teoria do cálculo (CT). (Convém referir que a abordagem crítica às datas liturgicas surge somente no contexto Protestante e Calvinista, por vezes com polémicas inter-confessionais)

A primeira teoria enquadra o surgimento da data natalícia na dinâmica de susbstituição de datas pagãs, sendo a mais referida o nascimento do Sol Invictus. A sua formulação moderna deve-se principalmente a Hermann Usener (1834–1905), que defende a herança do sincretismo do culto solar na instituição solsticial desta data.

A melhor elaboração da segunda teoria deve-se a Thomas Talley (Origins of the Liturgical Year, 1984), que se inspira em Louis Duchesne (1889) e Hieronymus Engberding (1952). Muito simplesmente, procurou-se um paralelismo entre as datas da Concepção (Anunciação) e da morte de Cristo na Cruz, ambas vinculadas a 25 de Março (equinócio vernal em Roma). Num passo sequente, acrescentou-se esquematicamente nove meses (arredondados) à primeira data, chegando assim às imediações do solstício de Inverno.

A última teoria é engenhosa mas carece de elementos confirmatórios. A primeira teoria é mais consensual mas foi recentemente desafiada. Por um lado, muitos estudos parecem assumir uma tendência pouco imparcial para a sua validação. E os estudos de Steven Hijmans acerca da iconografia solar na religião Romana (Usener’s Christmas: A Contribution to the Modern Construct of Late Antique Solar Syncretism, in Hermann Usener und die Metamorphosen der Philologie, eds. Michel Espagne and Pascale Rabault-Feuerhahn (Wiesbaden: Harrassowitz, 2011), 139–51); Sol Invictus, the Winter Solstice, and the Origins of Christmas, Mouseion ser.3, 3, 2003) parecem abrir caminhos para uma ponderação dos argumentos. Colocando em causa a cronologia aceite (encontrando anacronismos e referências documentais demasiado tardias para a pertinência atribuída), bem como revendo as datas associadas à celebração do Sol invictus e até questionando a "anterioridade" desta.

Estas e outras complexidades demonstram que o assunto continua em aberto. Nothaft faz ainda uma recensão dos argumentos de Hans Förster (2007) que alternativamente associa a origem da data natalícia às peregrinações do século IV à Terra Santa e à consagração da Igreja da Natividade, na Palestina. Para este académico, a data correspondia à da Epifania e foi, mais tarde, deslocada para o solstício sob influência romana.

Estas teorias e os tempestivos comentários de Nothaft podem ser acedidos neste paper (.PDF, 250KB).

N.B. A numeração dos domingos que não correspondiam a uma celebração importante era, habitualmente, substituída por uma referència específica ao texto do intróito da liturgia dominical (e.g., "Dum clamarem"), ao incipit ou ao tema do Evangelho (e.g., o "Domingo de Lázaro").